Regulação Emocional: Compreendendo as emoções e a importância de equilibrar suas manifestações

Imagine-se em um engarrafamento após um longo dia de trabalho com pessoas buzinando sem parar, ou tentando cancelar um serviço por telefone, abdicando de um importante tempo da sua vida e muitas vezes ainda não atingindo seu objetivo? Bem, algumas pessoas irão respirar fundo, lamentar o ocorrido, mas conduzirão o seu dia normalmente. Outras pessoas sentirão seus músculos enrijecerem, seus punhos fecharem e terão impulso de abandonar o carro, ou quebrar o telefone após encher a pessoa que está do outro lado da linha de desaforos, mas não o farão, porque, logo em seguida, pensarão que obedecer a este impulso só lhes trará mais prejuízo. Mas infelizmente existem as que de fato seguirão seus impulsos e somarão ainda mais sofrimento a este momento. Mas e o que difere estas pessoas? Por que algumas conseguem e outras não?

O que torna algumas pessoas mais bem sucedidas ao lidar com estas circunstâncias é a capacidade de regular as suas emoções e é sobre este assunto que falaremos a partir de agora. Contudo, antes de falarmos sobre regulação emocional vamos falar sobre o que regular, ou seja, sobre as emoções.

Todos nós temos emoções que podem ser agradáveis como a alegria, o amor ou negativas como medo, raiva, vergonha, culpa e ciúmes.  Porém, nem todos conseguem reconhecê-las, nomeá-las e, portanto, lidar com elas de forma efetiva. As emoções desempenham um importante papel nas nossas vidas, comunicando nossas necessidades, nossos direitos, frustrações, o que nos entristece ou nos alegra. Identificar estas emoções é fundamental para que possamos realizar as mudanças necessárias em direção a quem ou ao que nos faz mais felizes. Deste modo, o problema não é sentir medo, ansiedade, raiva e sim reconhecer estas emoções, aceitá-las, usá-las quando possível e continuar a funcionar apesar delas (Leahy, Tirch & Napolitano, 2013).

As emoções ocorrem quando as imagens processadas no cérebro põem em ação regiões desencadeadoras de emoção como amígdala ou regiões especiais do córtex do lobo frontal (Damásio, 2013). Este mesmo autor classifica as emoções em três categorias: As emoções de fundo, primárias e secundárias. As emoções de fundo são aquelas percebidas rapidamente em diferentes contextos. As emoções primárias ou universais envolvem disposições inatas para responder a certas classes de estímulos, controladas pelo sistema límbico. Já as emoções secundárias ou sociais são aprendidas e associadas a respostas passadas, avaliadas como positivas ou negativas. Frequentemente as emoções primárias são apropriadas ao contexto. Contudo ao julgá-las como ruins ou impróprias muitas pessoas respondem a elas com emoções secundárias, sentindo-se culpadas, irritadas, ansiosas, tornando o desconforto ainda mais intenso (Linehan, 2010).

Perspectivas funcionalistas contemporâneas enfatizam o importante papel que as emoções desempenham nas respostas comportamentais, na tomada de decisões, melhorando a memória para eventos importantes e facilitando interações interpessoais (Gross, 2007). Além disso, as emoções economizam tempo, fazendo-nos agir em situações importantes e nos ajudando a superar obstáculos. Entretanto, para que as emoções contribuam para o ajustamento social e bem estar geral é necessário saber regulá-las.

A regulação emocional é definida como a habilidade de manter, aumentar ou diminuir um ou mais componentes da resposta emocional, incluindo os sentimentos, comportamentos e respostas fisiológicas que constituem as emoções (Gross, 2002). Refere-se ainda à capacidade de compreender e aceitar sua experiência emocional de modo a utilizar estratégias saudáveis para manejar as emoções quando necessário. Situações como se submeter ao vestibular, exame de habilitação para dirigir ou entrevista de emprego requerem tolerância e habilidade para lidar com emoções que muitas vezes podem ser desconfortáveis. As pessoas que não conseguem desenvolver habilidades flexíveis e efetivas de regulação emocional podem experimentar emoções excessivas e persistentes, capazes de interferir na busca de objetivos de vida.

Desregulação emocional

A desregulação emocional (DE) é a inabilidade de processar emoções, intensificando-as (temor, pânico) ou desativando-as (despersonalização, desrealização) de maneira intensa (Leahy, Tirch & Napolitano, 2013). Está associada a muitos transtornos psicológicos como depressão maior, ansiedade, dependência química e transtornos da personalidade (Linehan, 2010). Acarretando em dificuldades nas relações afetivas, familiares, desempenho acadêmico e profissional, além de prejuízo no convívio social. Afinal, atos cotidianos de regulação emocional constituem passos importantes para a civilização (Gross, 2007).

A DE é explicada por várias teorias, dentre elas: neurobiológica, traumática e sociológica. Iremos nos deter a teoria biossocial na qual se baseia a Terapia Comportamental Dialética (TCD) desenvolvida por Marsha Linehan. De acordo com esta teoria a DE é resultado da vulnerabilidade emocional (disposição biológica), inabilidade para regular as emoções e a troca entre estes dois fatores no decorrer do desenvolvimento.

Vulnerabilidade emocional

Como visto anteriormente, as emoções são fundamentais para transmitir a nós e as pessoas que nos rodeiam sobre nossos estados internos. Contudo, o temperamento herdado torna algumas pessoas mais sensíveis, fazendo-as oscilar entre inibição ou reatividade emocional intensa. Além disso, apresentam: 1) Alta sensibilidade a estímulos emocionais negativos; 2) Elevada intensidade a resposta emocional; 3) Lento retorno a calma. Acompanhe abaixo o padrão característico de uma pessoa emocionalmente sensível (linha superior) e de uma pessoa que não apresenta vulnerabilidade emocional (linha inferior) (Linehan, 2010).

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Modulação das emoções

Aprendemos a regular nossas emoções no decorrer da nossa infância e adolescência. Parte da nossa socialização tem a ver com a capacidade de treinarmos uns com os outros, iniciando pela família. Expressões como “é feio ter raiva”, “meninos não podem sentir medo, chorar” são comumente encontradas na educação das crianças e caracterizam um ambiente invalidante. Estas experiências as levam a evitar ou suprimir estas emoções, sentir culpa por tê-las, não as ensinando a rotular, regular a excitação e tolerar a perturbação emocional. Além disso, as impedem de confiar em suas próprias respostas emocionais como reflexos de interpretações válidas dos acontecimentos (Linehan, 2010).

Desenvolver habilidade de regular e modular as emoções consiste em: 1) Inibir o comportamento inapropriado relacionado às emoções intensas; 2) Realizar ações coordenadas com a finalidade de conseguir uma meta independente da emoção experimentada; 3) Regular a ativação fisiológica presente na vivência emocional e 4) Retomar o foco da atenção na presença das emoções intensas.

As nossas experiências emocionais são indispensáveis para a formação da nossa identidade. São elas que nos tornam únicos e nos diferenciam uns dos outros. Por este motivo é importante que estejamos atentos ao reconhecimento destas emoções e, sobretudo, ao que elas nos comunicam, sem julgamento, mas sim com aceitação.

Por fim, convido-os a realizar um breve exercício: Pense em uma situação atual que tenha gerado uma reação emocional. Agora, descreva esta situação, quando, onde, com quem estavas? Quais interpretações tu fizestes desta situação? Observe suas sensações corporais, expressão facial, postura. O que teve vontade de fazer, dizer neste momento? O que de fato fizestes? Agora, reflita. Quais efeitos (pensamentos, outras emoções, memória) esta emoção teve sobre você? Qual foi a sua função?

Referências

Damásio, A. R. (2013). E o cérebro criou o homem. Companhia das Letras.

Gross, J. J. (2007). Handbook of emotional regulation. The Guilford Press. New York, London.

Gross, J. J. (2002). Emotion regulation: Affective, cognitive, and social consequences. Psychophysiology, 39(3), 281-291.

Leahy, R. L., Tirch, D., Napolitndo, L. A. (2013). Regulação emocional em psicoterapia. Artmed.

Linehan, M. (2010). Terapia Cognitivo Comportamental para o transtorno da personalidade borderline. Artmed.

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Escrito por Lidiane Borba

Psicóloga (Unisinos); Mestre em Psiquiatria (UFRGS); Especialista em Terapias Cognitivo Comportamentais; Formação em Terapia de Casal e Família (INFAPA); Formação em Tratamentos Baseados em Evidências para o Transtorno da Personalidade Borderline (Fundación FORO - Argentina); Treinamento Intensivo em Terapia Comportamental Dialetica (Behavioral Tech - EUA); Professora do curso de Especialização em Terapia Sistêmica do InTCC; Pesquisadora no grupo de pesquisa em transtornos de ansiedade do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (PROTAIA); Psicóloga na Cognitá - Clínica de Terapia Cognitivo-Comportamental; Integrante do grupo de estudo e pesquisa em Personalidade (GEP)

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