Queridos leitores do “Comporte-se”, nesse segundo encontro com a Terapia Comportamental Dialética (DBT) essa coluna gostaria de propor para cada um de vocês um encontro profundo com uma das principais estratégias terapêuticas da DBT que é a validação. Além disso, pretende-se discutir os efeitos dessa estratégia terapêutica e o comprometimento social que a DBT, assim como os terapeutas e os pacientes que seguem essa abordagem, ou são simpatizantes dela, possuem em discutir a necessidade de uma sociedade mais validante, sinalizando, dessa forma, um claro comprometimento ético da abordagem. Por fim, pretende-se fazer um convite aos leitores dessa coluna, para tentarem introduzir a validação em seus relacionamentos e em suas vidas, bem como observar as consequências da adoção desses princípios.
Contudo, para que seja possível atingir todos esses objetivos é realmente importante relembrar alguns pontos básicos da DBT. Em especial, a tensão dialética fundamental entre Aceitação X Mudança (Linehan, 2010). Assim sendo, o trabalho terapêutico com a DBT sempre estará se movendo dentro dos procedimentos de Aceitação, dentre os quais a validação é a estratégia central, ou de Mudança, no qual a análise comportamental e a soluções de problemas são os principais procedimentos (Koerner, 2012). Nesse sentido, pode-se colocar que a validação seria o contra ponto das estratégias de análises comportamentais e de solução de problemas, e essas três estratégias constituem a espinha dorsal da DBT (Swales & Heard, 2009). Ao mesmo tempo, refletem o tripé conceitual e epistemológico da DBT que é constituído pelo Zen, pelo comportamentalismo e pela filosofia dialética (aqui cabe salientar que essas três bases do ponto de vista epistemológico possuem uma série de intersecções). O Zen fundamenta todo o polo da Aceitação, com a sua visão de aceitação radical de quem se é e do momento presente tal qual ele é, sem incluir nem retirar nada. Já o comportamentalismo é à base de todo o entendimento de Mudança, dentro da DBT. Assim sendo, a DBT trabalha a ideia de Mudança de acordo com os pressupostos teóricos que regem a análise do comportamento, ou seja, toda a intervenção que foca a Mudança na DBT objetiva à modificação da função da relação entre o organismo, a resposta, o ambiente e os contextos que os permeiam. E, por fim, a filosofia dialética provém, justamente, uma visão de mundo que comporta a ideia da existência de verdades contraditórias que podem mover-se na formação de sínteses – movimento contínuo de Tese-Antítese-Síntese, tal qual ocorre na DBT com os procedimentos de Aceitação e de Mudança, para um maior aprofundamento da influência da filosofia dialética na DBT recomenda-se a leitura de Robins, Schmidt & Linehan, 2004 – (Dornelles & Ebert, no prelo).
Assim sendo, após uma breve definição das bases conceituais e epistemológicas das intervenções em DBT, pode-se adentrar e aprofundar o entendimento do que é validação. Nesse contexto, validação nada mais é do um processo profundo, empático e autêntico no qual se busca e/ou se explicita o que é verdadeiro – ou seja, válido -, dentro das respostas emocionais, comportamentais, cognitivas e/ou dos objetivos do outros (Swales & Heard, 2009). Em uma análise mais consistente pode-se dizer que envolve o ato de aceitar radicalmente essas respostas empatizando com elas. Ou seja, conseguindo de fato colocar-se no lugar dos outros e poder observar exatamente o que dentro dessas respostas é realmente válido, saindo, assim, de uma perspectiva dicotômica que avalia as respostas dos outros tão somente como funcionais ou disfuncionais (Koerner, 2012). Além disso, a validação também está atrelada a um profundo respeito com a experiência dos outros e a uma prática de interações relacionais baseadas em posturas não julgadoras (Linehan, 2010).
Contudo, a definição colocada, até aqui, de validação não difere de procedimentos tradicionalmente utilizados em diversas abordagens psicoterápicas. Isso é de fato verdadeiro! A validação é uma estratégia amplamente utilizada em diversos modelos terapêuticos. No entanto, existem 3 características que tornam os processos de validação da DBT como específicos da DBT. São elas: 1) Na validação da DBT existe uma busca constante dos terapeutas para achar o que é válido dentro das respostas dos outros; 2) A DBT articula 6 níveis de validação; e 3) A DBT pressupõe procedimentos de validação explícitos e implícitos funcionais (demonstração de atenção, postura corporal, expressões faciais, etc…) (Swales & Heard, 2009).
Assim, aprofundando essas características, cabe convidar vocês, queridos leitores, para que se exponham a validação nos seus contextos naturais. Assim sendo, o desafio que esse artigo propõe a vocês é que tentem aplicar esses procedimentos em suas rotinas e observem quais efeitos eles produzem nos outros, em vocês e nas relações de vocês. Mas, obviamente com a proposição desse desafio é natural que vocês se perguntem: “mas porque eu deveria tentar fazer isso?”. De fato, trata-se de uma questão muito coerente uma vez que ainda não foi falado sobre quais são os efeitos da validação. Assim sendo, para motivá-los a aderirem a esse desafio serão apresentados quais são os efeitos da utilização da validação. Dessa forma, inicia-se observando que a validação favorece a comunicação. Fornecer aos outros um entendimento do que dentro das respostas dele é válido, naturalmente deixa as pessoas mais disponíveis para o diálogo. A validação promove a construção de intimidade e confiança através da experiência de ter alguém que está atento, escutando e aceitando as expressões dos outros. A validação, também, envolve a aplicação de reforços não contingentes centrados na pessoa, os quais, naturalmente, favorecem o desenvolvimento da autoestima. Não obstante a isso, a validação promove um aumento da tolerância à dor emocional por conseguir diminuir a sensação de solidão dos outros por não serem entendidos e/ou de serem os únicos a possuírem essas respostas “descontroladas”. Outro aspecto da validação é que ela encoraja que os outros experimentem e aceitem as suas próprias emoções (O que Koerner, 2012 define como a função da validação em ser um procedimento de exposição informal – para uma leitura mais aprofundada sugere-se a leitura de Koerner, 2012). E, além disso, a validação diminui a intensidade da ativação emocional dos outros, pois eles não necessitam aumentar a intensidade das suas respostas para se fazerem entendidos (Linehan, 2010; Koerner, 2012). Ou seja, queridos leitores justamente por todos esses efeitos, e, também, pelo compromisso social e ético de construir-se uma sociedade mais afetiva, empática, próxima e que respeite as diferenças dos outros (ou como poderia ser resumido… a construção de uma sociedade mais humana) é que esse texto os convida para iniciarem a prática da validação dentro do cotidiano de cada um vocês. Para tanto, o texto seguirá apresentando os diversos níveis de validação.
Assim sendo, os 6 níveis de validação naturalmente irão transitar por processos explícitos e implícitos funcionais de validar o outro. Nesse sentido, o 1º nível de validação envolve escutar com atenção plena ao outro, demonstrar estar consciente as respostas dos outros. Esse é um nível de validação implícito funcional e que permeia todos os demais níveis de validação. Ou seja, o simples ato de mostrar-se plenamente atento e responsivo as respostas dos outros já em si uma manifestação de validação. O 2º nível de validação envolve refletir de forma acurada o que os outros nos trazem. Aqui estamos falando primeiro procedimento explícito de validação e que pode ser exemplificado da seguinte forma: imaginem que um paciente em psicoterapia chega e fala para o seu terapeuta: “eu estou realmente me sentindo muito mal… A minha mãe me disse que não vai me deixar ir no show do Aerosmith e isso é o sonho da minha vida.. Sinto muita vontade de fugir de casa… Estou sofrendo demais…”. Uma intervenção validante de nível 2 envolveria: “Nossa!! Realmente me parece que você está sofrendo bastante e isso está ocorrendo porque a sua mãe não deixou você ir no show. Inclusive me parece que esse sofrimento é tão intenso que inclusive você tem o impulso de fugir de casa… Faz sentindo isso para ti?”. Já o 3º nível de validação envolve verbalizar expressões não verbais de emoções, pensamentos ou padrões comportamentais, sempre acompanhado da pergunta: “faz sentido para ti isso?”. Assim, nesse nível de validação ao observar alterações de uma pessoa, com a qual se esteja conversando – por exemplo, enquanto fala de um assalto sofrido franzindo a testa e contraindo as musculaturas da boca e ao redor da boca -, apontar para isso para essa pessoa nomeando o provável estado emocional, comportamental e/ou cognitivo da pessoa questionando se isso faz sentido. Por exemplo: “Catarina, eu percebi que quando você falou do assalto sofrido na semana passada, você franziu a sua testa assim e contraiu toda essa musculatura da boca e em volta da boca, me pareceu que você está sentindo medo enquanto me fala sobre isso… Faz sentido isso para ti?”. No 4º nível de validação envolve esclarecer para a pessoa como o comportamento dela faz sentido em termos do histórico de aprendizagem dela. Um exemplo disso seria o seguinte: “Acho que faz muito sentido você ter medo de terminar o relacionamento com o seu namorado… Se lembrarmos da tua história vamos ver que você sempre foi reforçada somente quando tinha comportamentos dentro dos padrões que eram esperados pelos teus pais… Parece-me natural que em função disso você busque por validação externa para os teus comportamentos e terminar um relacionamento, mais do que qualquer coisa, envolve muita base de validação interna, pois necessitamos de um senso de coerência interno de que estamos fazendo algo sábio apesar do sofrimento vivenciado… Então para mim faz muito sentido essa dificuldade… Para ti essas coisas que eu falei fazem sentido?”. O 5º nível de validação envolve buscar ativamente pelo que é válido no comportamento do outro no momento presente e comunicar para ele. Mais abaixo nesse texto será apresentado um exemplo desse nível de validação. Por fim, o sexto nível de validação – e , assim como o primeiro -, permeia todos os demais níveis de validação envolve em ser totalmente autêntico. Somente com autenticidade, realmente acreditando naquilo que está se tentando validar, consegue-se ser validante. A tentativa de usar a validação de forma não autêntica, inevitavelmente acabará tornando-se invalidação (Koerner, 2012; Dornelles & Sayago, no prelo).
Contudo, cabe termos alguns cuidados com os procedimentos de validação. Afinal de contas, nem tudo pode ser validado. Como a própria definição do conceito já propõe validação envolve buscar o que na experiência do outro é válido. Trata-se de um conceito amplamente dialético, e nesse sentido envolve a compreensão de que dentro da mesma experiência existirão aspectos válidos e aspectos inválidos e que essa infinidade de características, que permeiam a experiência de todos, podem ser verdadeiros, por mais que sejam opostos ao mesmo tempo. Assim, vamos analisar o seguinte exemplo: imaginem uma pessoa que quando está na fila do supermercado e esta está demorando porque existem poucos caixas abertos possui uma intensa reação de raiva e acaba indo xingar a caixa e o gerente por estes não a respeitarem e fazerem ela perder o valioso tempo dela e que, devido à reação indiferente, do gerente acaba agredindo ele fisicamente e então se chama a polícia que acaba levando ela para a delegacia. Observando esse exemplo, pode-se visualizar que não se pode validar todas as respostas que essa senhora apresenta. Contudo, podemos, naturalmente, discriminar o que de toda essa situação é válida e o que é inválida. Dentro dessa ideia é possível validar que faz sentido essa pessoa sentir raiva porque o supermercado realmente está gerando problemas para as pessoas por atrasar as filas dos caixas por terem poucos caixas abertos. Além disso, pode-se colocar que essa pessoa ir conversar com o gerente e com a caixa parece ser uma estratégia que tenta focar o autorrespeito, ou seja, evidenciar que aquela situação não é aceitável dentro dos valores dela. No entanto, observando a conduta dessa pessoa e o objetivo inicial que ela coloca observamos que essa resposta acaba sendo inválida, pois acaba afastando essa pessoa do objetivo dela, afinal de contas, ao ir falar e agredir o gerente ela acaba se atrasando muito mais do que simplesmente estar na fila. A questão que fica desse processo de validar o que é válido e invalidar o que é inválido não é a simples ideia de que essa resposta é em si disfuncional. Mas sim que essa resposta necessita do desenvolvimento de um maior repertório para serem acoplados naqueles que já se demonstram válidos, para que as estratégias de solução de problemas dessa pessoa, em situações similares, possam ser mais efetivas para os valores e objetivos dessa pessoa.
Dessa forma, para auxiliar no desafio proposto de praticar a validação dentro do cotidiano sugere-se o seguinte experimento: 1) Escolha uma situação da sua semana onde você pretende praticar a utilização da validação; 2) Descreva exatamente como essa situação ocorre no seu cotidiano e como você normalmente responde a ela; 3) Escreva uma resposta validante para esse contexto (esteja atento a validar o que é válido); 4) Coloque em prática; 5) Qual foi o resultado real dessa prática validante?; 6) Como você se sentiu?; 7) Você faria diferente em alguma outra situação? Se sim Descreva. Queridos leitores, com esse experimento objetiva-se que vocês possam experimentar na rotina de vocês os procedimentos de validação para que se possa construir uma vida em si mais validante. Será muito interessante para o contínuo desenvolvimento dessa profunda temática e da DBT, como um todo, que se possa debater essa prática tão importante aqui nesse espaço então, queridos leitores, convida-se para que relatem a experiência dessa prática de vocês aqui para que possamos construir em conjunto não só uma prática psicoterápica mais humana…. Mas sim, uma sociedade mais humana!!
Referências:
Dornelles, V. G., & Ebert, G. (no prelo). Tratamento de transtornos alimentares em comorbidade com transtornos da personalidade. In: Finger, I. R. A prática da terapia cognitivo-comportamental nos transtornos alimenares.
Dornelles, V. G., & Sayago, C. (no prelo). Terapia Comportamental Dialética. In: Santos, P. L., Gouveia, J. P., & Oliveira, M. S. Terapias cognitivo-comportamentais de terceira geração.
Koerner, K. (2012) Doing dialectical behavior therapy: a practical guide. New York: Guilford Press.
Linehan, M. M. (2010a). Terapia cognitivo-comportamental para o transtorno da personalidade borderline. Porto Alegre: Artmed.
Robins, C. J., Schmidt III, H., & Linehan, M. M. (2004). Dialectical behavior therapy. In: Hayes, S. C., Follette, V. M., & Linehan, M. M. Mindfulness and acceptance, 30-61.
Swales, M. A., & Heard, H. L. (2009) Dialectical behavior therapy. New York: Routledge