Meu primeiro contato com o livro da FAP (Kohlenberg & Tsai, 2001) ocorreu em 2002, quando eu ainda era uma aluna de graduação. Em meu primeiro estágio na clínica, sob supervisão da Prof. Dra. Sonia Meyer, comecei a atender e paralelo a isso a estudar e aplicar FAP modestamente com os clientes. Por ter estudado a teoria desde o início da minha formação clínica, sempre tive certa dificuldade em pensar a prática clínica sem a utilização da FAP. Sempre me questionei: “como é ser terapeuta comportamental sem olhar para a relação terapêutica?”. Ainda hoje tenho dificuldade em responder a essa pergunta, pois tais respostas foram modeladas juntas em meu repertório desde o início. Sendo assim, sempre me descrevi como uma terapeuta comportamental que utiliza FAP.
Há pouco mais de um ano, o Prof. Dr. Jonathan Kanter (um dos autores de livros sobre a FAP e atualmente colunista nesse blog) veio ao Brasil e, dentre as atividades programadas com ele, havia uma disciplina sobre FAP. O fato é que essa não foi uma disciplina comum, mas sim, um workshop sobre FAP. Qual a diferença? Ao invés de aprendermos teoricamente sobre FAP, aprenderíamos experiencialmente. Durante a disciplina muito pouco foi falado sobre a teoria da FAP, mas muito foi mostrado e treinado nos repertórios dos participantes (para mais discussões sobre essa forma de treino da FAP, clique aqui). Foi uma experiência única, tanto do lado pessoal, como profissional e, nesse momento, muitas mudanças ocorreram comigo e com meus colegas. Uma ideia que nos rondou foi: “Ah! Então isso é fazer FAP!?”. Conhecíamos a teoria e a aplicávamos modestamente, mas apenas pelos livros era muito difícil colocar em prática todo o complexo repertório que deve fazer parte de um terapeuta FAP.
Eu pessoalmente percebi que as minhas sessões FAP eram apenas parciais. Quando eu trazia para a sessão questões da relação terapêutica, falando com o cliente sobre como os Comportamentos Clinicamente Relevantes (CCRs) dele apareciam na sessão, estava apenas utilizando algumas das Regras da FAP. Em geral, as Regras 1 (estar atento/identificar os CCRs) e 5 (analisar funcionalmente o comportamento), mas as Regras 2 (evocar), 3 (reforçar) e 4 (estar atento a seu impacto sobre o cliente), apesar de ocorrerem, não eram enfatizadas e por isso não eram usadas com toda a capacidade transformadora que podem ter. Quero dizer com isso que eu estava utilizando a FAP quase como sinônimo de analisar a relação terapêutica ao invés de, de fato, dar ênfase na modelagem do comportamento do cliente em sessão, tal como a FAP descreve. E vinha fazendo dessa forma pela dificuldade de compreender na prática o uso de tais habilidades.
Para clarear como aplicar a FAP integralmente, acredito que vale a pena destacar a forma como normalmente essa interação ocorre em sessão. Em um artigo publicado recentemente, Weeks, Kanter, Bonow, Landes e Busch (2012) descrevem o que chamaram de interação lógica da FAP, que acaba por ser seguida em uma sessão terapêutica:
Idealmente, essa seria a forma como uma sessão deveria ocorrer, sempre considerando que os CCRs e a forma como o terapeuta irá responder funcionalmente a eles variam inteiramente de caso a caso. Isso não quer dizer que o terapeuta deve se manter rígido a agir da forma como a interação descreve, significa apenas que sessões consideradas como boas sessões FAP tem frequentemente apresentado essa sequência.
De qualquer forma, os autores da teoria têm priorizado, desde o lançamento de seu segundo livro (Tsai et al., 2009), alguns termos difíceis de serem operacionalizados de forma comportamental, mas nem por isso menos importantes. Os termos “consciência”, “coragem” e “amor” têm sido relacionados com as regras que o terapeuta deve seguir enfatizando alguns repertórios adicionais necessários na FAP. Como que fazendo uma separação entre a teoria utilizada e a prática de como usá-la. Com isso, têm-se dois tipos de aprendizados relacionados à FAP:
Ter consciência diz respeito à atenção que o terapeuta deve dirigir ao que está acontecendo no aqui-e-agora ao longo da sessão terapêutica. O terapeuta deve estar atento ao comportamento do cliente a fim de identificar suas dificuldades e melhoras acontecendo no momento da interação. Quais dos comportamentos do cliente que o terapeuta reconhece como sendo os importantes de serem trabalhados. Fazer isso na prática não é tão simples como pode parecer na teoria, afinal para a identificação desses comportamentos o terapeuta deve “descolar” o conteúdo da fala do cliente de sua função e não apenas compreender e responder ao que o cliente está falando, mas principalmente compreender e responder ao motivo que está levando o cliente a falar sobre aquilo, naquele momento e daquela forma. É um exercício constante e cansativo de se perguntar e buscar entender a todo o momento porque isso está sendo dito agora e dessa forma, não só na tentativa de identificar os CCRs do cliente (Regra 1), mas também de compreender como o cliente está reagindo às intervenções realizadas pelo terapeuta (Regra 4).
Ser corajoso está relacionado à capacidade de trazer para a sessão os problemas do cliente, evocando-os. Ou seja, trazer as atitudes do cliente que em geral são incômodas para os que convivem com ele, que em geral levam a consequências aversivas (ainda que parcialmente) para o cliente. E diante disso, tentar evocar ainda um responder diferente no cliente, apresentando uma situação difícil pra ele, mas auxiliando-o a agir de forma mais produtiva. Para isso o terapeuta tem que estar disposto a correr riscos junto com o cliente, pois não há como prever o que será evocado, e deve testar seus próprios limites para criar uma relação de real intimidade com o cliente, na qual exista a segurança para que ele tente agir diferente, apesar de todos os incômodos que isso acarreta.
Por sua vez, ser amoroso, pode ser entendido como uma atitude do terapeuta de modo a ser naturalmente reforçador, ao contrário de reforçar artificialmente o comportamento do cliente. Para isso, a relação deve ser genuína e espontânea. Ao se produzir uma intimidade real entre terapeuta e cliente, é possível desenvolver profunda empatia pelo mesmo, de modo que o terapeuta pode se tornar capaz de reconhecer os pequenos progressos realizados pelo seu cliente, assim como ter seu próprio comportamento reforçado pelas melhoras do cliente. Desse modo, como apresenta Tsai et al. (2009, p. 116): “o amor terapêutico é ético, é sempre no melhor interesse do cliente e é genuíno.” Isso não significa que o terapeuta precise falar em amor com seus clientes, mas apenas que tenha uma profunda e real preocupação com eles e com suas melhoras, agindo sempre em prol deles, na sessão terapêutica.
Ser um bom behaviorista, possivelmente é o mais fácil dos repertórios descritos acima para analistas do comportamento e significa que o terapeuta deve ser capaz de analisar funcionalmente o comportamento de seu cliente e promover estratégias de generalização das melhoras obtidas em sessão.
Talvez tudo isso possa ser aprendido apenas baseado na teoria, mas para mim, por exemplo, não foi possível, precisei passar por experiências práticas, para ter esses repertórios treinados ou aprimorados a fim de conseguir chegar a sessões realmente FAPs. Afinal, não basta apenas ser uma pessoa consciente, corajosa e amorosa, mas é preciso fazer tudo isso, inserido em uma relação terapêutica. É preciso manter uma relação de intimidade com seu cliente no qual riscos possam ser tomados de ambos os lados, mas sem com isso, deixar o papel de terapeuta. Não defende-se com isso uma posição hierárquica entre terapeuta e cliente, mas sim uma posição de igualdade com foco no cliente. O terapeuta pode e deve correr riscos, pode falar de si, pode e deve reconhecer explicitamente suas próprias dificuldades, mas apenas se tais atitudes forem em prol do cliente. O foco deve sempre ser o cliente, o enfrentamento de suas dificuldades e o alcance de seus progressos e não o desenvolvimento pessoal do terapeuta. Esse pode até ocorrer, mas como uma consequência do trabalho desenvolvido em prol do cliente.
Para tudo isso, acredito ser primordial um trabalho de auto-observação constante e treino severo inicial. O Prof. Jonathan costuma dizer que “é preciso treinar, treinar, treinar e então esquecer tudo”. A ideia é treinar para adquirir tal repertório que não necessariamente será desenvolvido de forma natural, exige certo esforço e atenção. Depois de bem instalado tal repertório, deve-se esquecer de tudo para que eles ocorram de forma genuína e espontânea.
A teoria eu já conhecia, mas depois de reflexões mais aprofundadas percebi que não estava colocando em prática toda a teoria que eu admirava. Foi um longo e trabalhoso processo, através da realização de workshops e treinos diversos com os criadores da FAP, para apenas começar a juntar todas essas pontas. No entanto, os resultados que tenho obtido até o momento, me fazem perceber que o esforço vale a pena!
Referências
Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (2001). Psicoterapia Analítica Funcional (F. Conte, M. Delliti, M. Z. Brandão, P. R. Derdyk, R. R. Kerbauy, R. C. Wielenska, R. A. Banaco, R. Starling, trads.). Santo André, SP: ESETEc (Obra publicada originalmente em 1991).
Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Kohlenberg, B., Follete, W. C., & Callaghan, G. M. (2011). Um guia para a Psicoterapia Analítica Functional (FAP): consciência, coragem, amor e behaviorismo (F. Conte, & M. Z. Brandão, trads.). Santo André, SP: ESETEc (Obra publicada originalmente em 2009).
Weeks, C.E., Kanter, J.W., Bonow, J.T., Landes, S.J., Busch, A.M. (2012). Translating the Theoretical Into Practical: A Logical Framework of Functional Analytic Psychotherapy Interactions for Research, Training and Clinical Purposes. Behavior Modification, 36(1), 87-119. DOI: 10.1177/0145445511422830