Ele estava vindo à terapia já há algumas semanas, nunca faltava, ou se era preciso, avisava com antecedência. Porém, ao final da sessão, sempre me deixava com uma sensação vazia e um pensamento… “o que eu fiz por ele na sessão e, na verdade, o que ele precisa de mim?” Abordei esse tema diversas vezes durante as sessões, tentando entender o motivo que o fez procurar terapia. A resposta era evasiva e geralmente na direção de “sempre gostei de fazer terapia, me faz bem ter ajuda para pensar sobre mim”, e outras vezes envolvia “bom, minha mãe é a razão de eu fazer terapia”, mas minhas inúmeras tentativas de aprofundar o tema eram em vão. As questões trazidas sempre pareciam ser irrelevantes pra ele. Era difícil definir uma queixa e a sensação era de que ele tratava a terapia como um hobby e não algo que de fato importasse ou fosse necessário. Depois de algumas semanas nessa situação, o cliente começou a trazer relatos de assuntos “mais pesados”, envolvendo outras pessoas, nunca ele mesmo. E ao mesmo tempo, relatava essas histórias como sendo banais, apesar de envolver temas como doenças graves de familiares próximos, relações incestuosas entre conhecidos e agressões físicas. Tudo para ele parecia normal, corriqueiro e nada o surpreendia ou chocava. Ao ser questionado sobre isso, ele me contou que não era assim no passado. Antigamente era explosivo, “perdia o controle” e agia de forma bastante dramática em situações banais e hoje em dia, depois de muita terapia, havia aprendido a “ser mais calmo”. “Ser mais calmo” era importante para o cliente, pois quando “explodia” recebia fortes críticas de sua mãe. O caso foi ficando mais claro e percebi que a hipótese que vinha se formando em minha cabeça fazia sentido. Aparentemente, na tentativa de se controlar e não “explodir”, o cliente mantinha-se afastado de suas emoções, assim como de vínculos mais próximos que pudessem suscitar a falta de controle que ele tentava evitar. O cliente fazia isso em seu dia-a-dia e fazia isso comigo em sessão.
Nesse sentido, a teoria da FAP compreende os comportamentos do cliente e também do terapeuta como sendo modelados pelas contingências de reforçamento de relações passadas, de modo que estímulos atuais evocam comportamentos funcionalmente semelhantes aos evocados previamente (Kohlenberg & Tsai, 1991/2001; Tsai et al., 2009/2011; Tsai, Kohlenberg, Kanter, Holman, & Loudon, 2012, Kohlenberg & Tsai, 1994). Isso quer dizer que ainda que o comportamento do cliente em sessão seja diferente dos comportamentos externos à sessão em sua forma (topografia), possivelmente será igual ou semelhante em relação às consequências que o mantém (função). No caso hipotético citado acima, é curioso observar que apesar do cliente construir vínculos em seus relacionamentos (incluindo o relacionamento com sua terapeuta), ele mantém certa distância e frieza, que evita com que entre em contato com emoções muito intensas, além de evitar suas reações explosivas, não recebendo assim as punições que recebia no passado.
Quando os comportamentos-problema do cliente, que costumam acontecer em seu dia-a-dia, são identificados como ocorrendo na sessão terapêutica, eles são nomeados, dentro da concepção da FAP, como Comportamentos Clinicamente Relevantes (ou CCRs) e são considerados como aqueles comportamentos aos quais o terapeuta tem que estar atento durante a sessão. Os CCRs podem ser essencialmente de três tipos a depender da função que apresentam. Os CCR1s são aqueles considerados como o comportamento problema do cliente ocorrendo dentro da sessão; os CCR2s são os comportamentos de melhora do cliente também apresentados em sessão; enquanto que os CCR3s são as análises feitas pelo cliente sobre seu próprio comportamento (preferencialmente tais análises devem ser funcionais, envolvendo a história de reforçamento e punição daquele comportamento) (Tsai et al., 2012). Quando tais comportamentos aparecem na sessão, é possível que o terapeuta trabalhe diretamente a relação existente entre terapeuta e cliente, levando primeiramente a uma melhora nessa relação. Como o objetivo final da terapia é promover uma melhora na vida diária do cliente, depois de trabalhada a própria relação terapêutica, é necessário que se promovam estratégias de generalização, a fim de levar essa melhora às demais relações vividas pelo cliente.
É importante explicitar que o objetivo do terapeuta FAP é responder adequadamente a tais CCRs dentro da sessão, com o objetivo de diminuir as ocorrências de CCR1 e aumentar as ocorrências de CCR2 e CCR3. Isso é mais do que simplesmente discutir tais problemas, que ocorrem fora (ou mesmo dentro) da sessão com o cliente. Para isso o terapeuta deverá estar atento a tais comportamentos ocorrendo na relação no aqui-e-agora e deve trabalhar diretamente com eles, ao invés de lidar apenas com descrições do comportamento (Kohlenberg & Tsai, 1991/2001; Tsai et al., 2009/2011; Tsai, et al., 2012; Hayes et al., 2004).
No caso representado acima, a distância e falta de expressão emocional apresentadas pelo cliente, podem ser considerados CCR1s, que têm a função de evitar as punições recebidas por suas fortes demonstrações passadas. Nesse sentido, ser capaz de se aproximar das pessoas, mostrando suas emoções de forma não tão intensa, seria um CCR2 possível. E ser capaz de analisar toda ou parte dessas interações, identificando as consequências de cada forma de ação, seria o CCR3 associado. Desse modo, um primeiro passo seria ajudar o cliente a entrar em contato e expressar tais emoções de forma apropriada durante a sessão de terapia, o que provavelmente geraria uma aproximação com o terapeuta e em seguida, auxiliar o cliente a fazer o mesmo em suas relações cotidianas. Ou seja, a mudança se daria primeiramente na relação com o próprio terapeuta e em seguida nas relações cotidianas do cliente, de modo que a relação terapêutica acaba por ser o próprio instrumento de mudança e melhora do comportamento do cliente.
Alguns exemplos podem ser citados, com o objetivo de exemplificar o trabalho feito no
aqui-e-agora, tal como a FAP aponta:
- um cliente que nunca foi ouvido por seus familiares e apresenta grande dificuldade em identificar seus sentimentos e ideias. O objetivo da FAP não é apenas descrever essa dificuldade para o cliente ou suas estratégias de mudança, mas evocar e reforçar a identificação de tais sentimentos que ocorrem em sessão;
- um cliente que tem muita dificuldade em ser assertivo pode conseguir pedir a seu terapeuta uma mudança no horário da sessão ou mesmo uma redução no valor da sessão. Nesse caso, seria importante validar os pedidos assertivos feitos pelo cliente;
- um cliente que apresenta dificuldades de concentração no trabalho, deve ter seu comportamento reforçado quando finalmente conseguir manter o foco em algum assunto importante durante a sessão;
- um cliente que costuma agredir verbalmente pessoas que apresentam ideias diferentes das suas, deve ser incentivado a discordar de forma não agressiva de seu terapeuta.
Cada um desses exemplos foi descrito apenas para exemplificar de forma geral o objetivo da FAP, mas não devem ser tomados como fórmulas para a aplicação com outros clientes, pois a identificação adequada dos CCRs deve ser baseada em uma formulação do caso. Tal formulação deve ser feita de forma cuidadosa, funcional (não-topográfica) e totalmente individual para cada cliente em questão e deve conter: a) um resumo que identifique as variáveis relevantes da história do cliente; b) os comportamentos fora de sessão importantes do cliente; c) as variáveis que mantém os problemas diários do cliente; d) as habilidades do cliente; e) os CCRs propriamente ditos; f) as intervenções planejadas; g) as dificuldades e comportamentos alvo do próprio terapeuta na relação com aquele cliente específico. Além de se levar em consideração todos esses aspectos, é necessário estar atento à contínua evolução dos CCRs, que mudam naturalmente ao longo do tempo (Tsai et al., 2009/2011; Tsai et al., 2012).
Nessa coluna, estarão sendo abordados diversos aspectos da FAP a da forma como vêm sendo usada pelos profissionais da área. Nesse primeiro texto, o foco foi sobre como a FAP entende o comportamento do cliente em sessão e no próximo será apresentado como o terapeuta deve trabalhar com tais comportamentos do cliente durante as sessões terapêuticas a fim de promover mudanças. De forma geral, todo o trabalho da FAP feito pelo terapeuta, desde a formulação do caso, até a modelagem no repertório do cliente na relação terapêutica, envolve o desenvolvimento de uma relação real de intimidade acontecendo entre as duas pessoas presentes. O terapeuta deve estar sempre atento às consequências que suas próprias ações geram no cliente e compreender que essa relação é importante e real para seu cliente. Para isso, cuidados devem ser tomados pelo terapeuta no manejo dessa interação.
Referências
Hayes, S. C., Masuda, A., Bissett, R., Luoma, J., & Guerrero, L. F. (2004). DBT, FAP, and ACT: How Empirically Oriented Are the New Behavior Therapy Technologies?. Behavior Therapy, 35, 35-54.
Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (1994). Functional analytic psychotherapy: A radical behavioral approach to treatment and integration. Journal of Psychotherapy Integration, 4, 175-201.
Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (2001). Psicoterapia Analítica Funcional (F. Conte, M. Delliti, M. Z. Brandão, P. R. Derdyk, R. R. Kerbauy, R. C. Wielenska, R. A. Banaco, R. Starling, trads.). Santo André, SP: ESETEc (Obra publicada originalmente em 1991).
Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Holman, G. I., & Loudon, M. P. (2012). Functional Analytic Psychotherapy. Cornwall: TJ International Ltd.
Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Kohlenberg, B., Follete, W. C., & Callaghan, G. M. (2011). Um guia para a Psicoterapia Analítica Functional (FAP): consciência, coragem, amor e behaviorismo (F. Conte, & M. Z. Brandão, trads.). Santo André, SP: ESETEc (Obra publicada originalmente em 2009).