Análise Comportamental da religiosidade
Seria de se esperar que a evolução humana fosse acompanhada pelo investimento cada vez maior no raciocínio lógico e na ciência, e pelo abandono de práticas místicas. Porém, a crença em forças consideradas de ordem superior, criadoras do universo, constitui uma característica presente entre povos das mais diversas culturas e ao longo de diferentes períodos históricos (Rodrigues & Dittrich, 2007).
Tais condições suscitam algumas questões ao analista do comportamento: O que mantém comportamentos religiosos particulares, tais como o ato de rezar privadamente, ou padrões culturais que envolvem o comportamento entrelaçado de diversos sujeitos, tais como rituais de consagração a deuses? Quais os motivos pelos quais a adesão a religiões permanece como prática compartilhada por tantos indivíduos, nas mais diversas culturas? Que contingências favorecem o surgimento e manutenção de práticas religiosas? Há alternativas mais vantajosas do ponto de vista do indivíduo e da cultura para o controle exercido pela religião?
Em uma perspectiva evolucionista, a manutenção de práticas religiosas nas mais diversas culturas ao longo do tempo permite-nos inferir que tais práticas provavelmente têm valores adaptativos importantes. Nessa perspectiva, autores tais como Houmanfar, Hayes e Fredericks (2001) discutem a importância da religião para a sobrevivência das culturas. Skinner (1953/1981), por sua vez, discute a religião enquanto uma agência de controle do comportamento humano, apontando, em uma análise comportamental (individual), as vantagens e desvantagens dessas relações de controle.
Porém, afora algumas poucas publicações, de um modo geral pouca atenção vem sendo dada, na Análise do Comportamento, à discussão da religião (enquanto agência de controle) e da religiosidade (aqui entendida como o conjunto de comportamentos verbais e não verbais e/ou práticas culturais reproduzidas por um grupo social ou um membro desse grupo, isoladamente). Com frequência, esses tópicos são indiretamente tratados no âmbito das discussões sobre “comportamento supersticioso”, de tal modo que o comportamento religioso é abordado enquanto um comportamento cujo responder é controlado por eventos subsequentes independentes da resposta.
Porém, como destaca Herrnstein (1966), os rituais religiosos não são arbitrários, como o comportamento supersticioso originalmente descrito por Skinner (1948), e sim produtos de uma aprendizagem social. Assim, como exemplifica aquele autor, a crença na transubstanciação por parte de um católico particular, por exemplo, não é adquirida por meio de uma relação acidental entre o responder do indivíduo e um evento ambiental reforçador, e sim por meio de reforços mediados pela cultura.
Além de não serem necessariamente arbitrários, outra diferença que pode ser apontada entre comportamentos supersticiosos e comportamentos e práticas religiosas é o fato de esses últimos, contrariamente aos primeiros, serem frequentemente permanentes (no sentido de que recorrem, ao longo do tempo).
Além disso, como bem apontou o personagem fictício Gottlieb, cristão ortodoxo do diálogo proposto por Rodrigues e Dittrich (2007), “é equivocada a consideração de que todos compreendem suas práticas religiosas da mesma maneira” (p. 528). Diferentes cristãos, embora possam reproduzir as mesmas práticas, podem estar sob controle de variáveis diferentes.
Partindo dessas considerações, a análise da religiosidade tendo em vista um processo comportamental único, que estaria na base de todas as práticas religiosas, pode se constituir uma alternativa por demais limitada para a compreensão do fenômeno. Embora processos de seleção e manutenção de respostas por eventos subsequentes independentes possam compor o complexo arranjo de contingências que constituem a religiosidade, seu caráter eminentemente social sugere que, para sua análise, faz-se necessário considerar outras possíveis relações de controle subjacentes a esse fenômeno comportamental/cultural.
Entende-se que propostas de análise que atentem, ao mesmo tempo, para o caráter aparentemente supersticioso e socialmente mediado dos processos de aquisição e recorrência de comportamentos e práticas religiosas podem constituir alternativas adequadas à discussão dos fenômenos em questão.
Na medida em que favorecem a compreensão das relações de controle presentes na religiosidade, tais análises ampliam as possibilidades de previsão e controle de uma parcela importante de comportamentos individuais e de práticas culturais. Dentre outras implicações, o conhecimento de tais relações pode favorecer o desenvolvimento de tecnologias comportamentais em contextos individuais (como na clínica), ou sociais (para o planejamento e/ou intervenções culturais).
Referências
Herrnstein, R. J. (1966). Superstition: a corollary of the principles of operant conditioning. In W. K. Honig (Ed.), Operant Behavior: areas of Research and Application (pp. 33-51). New York: Appleton-Century-Crofts.
Houmanfar, R., Hayes, L. & Fredericks, D. (2001). Religion and cultural survival. The Psychological Record, 51, 19-37.
Rodrigues, T. S. P. & Dittrich, A. (2007). Um diálogo entre um Cristão Ortodoxo e um Behaviorista Radical. Psicologia Ciência e Profissão, 27 (3), 522-537.
Skinner, B. F. (1948). “Superstition” in the pigeon. Journal of Experimental Psychology, 38, 168-172. Skinner, B. F. (1981). Ciência e Comportamento Humano. (J. C. Todorov & R. Azzi, Trads.). São Paulo: Martins Fontes, 5ª. ed. (Originalmente publicado em 1953).