Reforços naturais e reforços arbitrários – Sobre a polêmica orientação para reforçar

Tratar do tema reforço pode parecer muito simples. Afinal, basta identificar qual é a consequência que uma resposta produz, e que tenha sobre tal resposta um efeito de aumentar sua probabilidade futura, para que tenhamos descoberto o reforçador, certo? No entanto, identificar as consequências que são produzidas e que mantêm os comportamentos no dia-a-dia não é tarefa tão simples. Por que, então, os terapeutas comportamentais (dentre os Analistas do Comportamento) insistem tanto com seus clientes para que esta árdua tarefa seja feita?

Neste ponto, saímos do terreno meramente conceitual para nos aventurarmos na aplicação dos conceitos da Análise do Comportamento. Quando conseguimos saber quais são as consequências que as ações dos indivíduos produzem, estamos mais instrumentados para criar condições favoráveis para que os comportamentos desejados se repitam e que os indesejados passem a ocorrer em menor frequência. Hoje nos deteremos no primeiro caso.

Comemos nossa sobremesa favorita e, com isso, sentimos aquele sabor inigualável. Assistimos ao nosso programa de TV e temos acesso às informações ou distrações que nos agradam. A partir destes comportamentos mais simples, conseguimos pensar que, para levarmos outra pessoa a apresentar estes comportamentos, a tarefa é simples, podemos dizer a elas o que fazer para ter acesso às consequências reforçadoras: “Prove esta torta que você não vai se arrepender, vai ser a melhor experiência de sua vida!”, “Você já assistiu àquele seriado? Tem um ótimo roteiro, a diversão é garantida!”.

A esta altura, podemos nos perguntar: por que nem sempre isto funciona? Por que, ao dizermos para uma criança que estudar fará com que ela se torne mais culta e mais sábia, ela não se torna rapidamente um aluno exemplar? Por que não conseguimos levar toda a população a ter uma alimentação balanceada e a praticar exercícios físicos regularmente, se isso lhes trará melhor saúde? Os exemplos não se esgotam.

Todos os exemplos citados até agora tratam do efeito natural que os comportamentos poderão produzir para quem os emitir. Conceitualmente, referimo-nos aos reforçadores naturais, consequências que não precisam ser programadas para que sucedam os comportamentos. Estudar leva naturalmente ao acesso a informações e ao conhecimento; alimentação balanceada e prática regular de exercícios físicos naturalmente levarão a um estado de saúde de bom funcionamento do corpo, disposição, bom sono.

Existe, porém, outro grupo de reforçadores, que são os reforçadores arbitrários. Por definição, são consequências artificialmente programadas por pais, professores, terapeutas, para que sejam produzidas pelas respostas que desejamos que ocorram. É quando dizemos a um estudante: “Se você passar de ano, vai ganhar aquele presente de Natal que está querendo”, ou a um funcionário: “Se você cumprir as metas do mês no trabalho, terá o reajuste salarial que pediu ao chefe.”

Neste ponto, surgem muitas críticas – que eu chamaria de dúvidas – a respeito do conceito de reforço e da orientação para que as pessoas reforcem comportamentos de seus filhos, funcionários, cônjuges, entre outros. Quando os terapeutas comportamentais orientam que seus clientes premiem comportamentos dos filhos, façam elogios que descrevam a importância do comportamento que acabaram de presenciar, eles estão dando instruções para que o manejo do ambiente possa aumentar a probabilidade de tais comportamentos serem apresentados. Ou seja, estas orientações dizem: “apresentem reforçadores arbitrários”. 

 
Quando isso é feito, sabemos que o objetivo final não é que os filhos estudem simplesmente porque irão jogar vídeo game ao fim do dia, não é que os funcionários produzam apenas porque terão um elogio na reunião de balanço do mês. Trata-se de um procedimento: quando dispomos destas consequências arbitrariamente programadas, criamos uma situação mais motivadora para que o indivíduo apresente o comportamento que se espera. Uma vez feito isso, ele terá acesso às consequências naturais dos comportamentos (os reforços naturais): ao ler um texto, uma criança aprende as informações sobre a história de sua cidade (consequência natural da atividade de ler o texto) e poderá brincar de pega-pega no recreio (consequência arbitrariamente programada pelo professor). Outro exemplo: uma criança que reluta para seguir a instrução dos pais para tomar banho. Os pais podem criar a seguinte regra: se ele for tomar banho, além de ficar cheiroso e limpo (consequências naturais), poderá escolher o sabor da pizza que a família vai pedir para o jantar naquela noite (consequência arbitrária).

Gradativamente, a frequência e intensidade com que se apresentam tais consequências arbitrárias serão reduzidas, de forma que o objetivo final seja de que simplesmente as consequências naturais dos comportamentos sejam as responsáveis por sua manutenção. Pode-se dizer que os reforçadores arbitrários são “incentivos” programados para a ocorrência de comportamentos que se espera, porém a meta final é que sejam substituídos pelos reforçadores naturais. Assim se espera!

Agora vamos fazer um exercício: na tirinha apresentada a seguir, Manolito é corrigido por Mafalda por ter escrito de forma errada a palavra “árvore”. Qual é a consequência arbitrária e qual a consequência natural que foram produzidas pelo comportamento de Manolito escrever com letra grande?

Extraído de: http://clubedamafalda.blogspot.com.br/2014/07/tirinha-745.html

Ao escrever com letra grande, Manolito recebeu o comentário de sua professora sobre o tamanho da letra; esta foi a consequência arbitrária para o comportamento de escrever. Pela sua última fala, ele só foi compreender o comentário da professora (ou seja, ficar sob controle da fala dela) quando precisou apagar a letra escrita a mais na palavra árvore: esta sim foi a consequência natural de ele ter escrito em letras grandes, e teve que arregaçar as mangas para apagar tamanha letra!

REFERÊNCIAS

Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: comportamento, linguagem e cognição. Tradução Deisy das Graças de Souza. 4ª edição. Porto Alegre: Artes Médicas Sul.

Moreira, M. B., & Medeiros, C. A. (2007). Princípios básicos de Análise do Comportamento. Porto Alegre: ArtMed.

Martin, G., & Pear, J. (2009). Modificação de comportamento: o que é e como fazer. Tradução Noreen Campbell de Aguirre. 8ª edição. São Paulo: Roca.

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Escrito por Marília Zampieri

Graduada em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCar, Especialista em Psicologia Clínica Comportamental pelo Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento - ITCR-Campinas, Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCar. Atua como psicóloga clínica e supervisora de atendimentos a adultos em Campinas - SP e online, e como supervisora dos cursos de especialização do ITCR - Campinas.
Possui acreditação como Analista do Comportamento pela ABPMC.

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