A temática de desenvolvimento ou aprimoramento de habilidades sociais com frequência é levantado tanto no ambiente familiar como nos múltiplos contextos que a criança frequenta. Com frequência habilidades sociais são definidas como capacidades da criança e, dizer “obrigado”; “por favor” ou outras palavras categorizadas sob a temática de “boas maneiras”, ser gentil com os adultos que compõem seu meio, com seus pares ou demais pessoas (Del Prette & Del Prette, 2013; Falcão & Bolsoni-Silva, 2016).
No entanto, o repertório de habilidades sociais envolve múltiplas competências que são requeridas a criança. De acordo com Zilda Del Prette & Almir Del Prette (2013), referencias no estudo e discussão do desenvolvimento e ensino de habilidades sociais para crianças, adolescentes e adultos, identificam que habilidades sociais são compostas por sete competências básicas, que podem inclui habilidades de autocontrole (isto é, nomeação e identificação dos estados emocionais e habilidades para envolver-se em atividades alternativas para se autorregular); competências que são descritas por Del Prette & Almir Del Prette (2013) como habilidades empáticas (o que inclui noção de perspectiva, balancear o que a outra pessoa pode estar sentindo diante de uma situação); habilidades de civilidade; habilidades de assertividade (o que inclui, comunicação funcional); habilidades de fazer amizade; sociais-acadêmicas e habilidades de solução de problemas (Del Prette & Del Prette, 2013; Falcão & Bolsoni-Silva, 2016).
Diante disso, o repertório de habilidades sociais, em seu caráter descritivo, envolve as sete competências listadas anteriormente. No entanto, no caráter prático o repertório de habilidades sociais, envolve o que Del Prette & Almir Del Prette (2013) caracterizaram como desempenho ou competência social. O desempeno social envolve competências da criança em expressar seus pensamentos, sentimentos e estados emocionais de modo apropriado, de acordo com suas demandas pessoais, o que o contexto possibilita e pode possibilitar naquela condição, assim como tomando como parâmetro os comportamentos que são considerados como socialmente apropriados (o que pode incluir: falar em tom de voz calmo, pedir permissão para brincar com um brinquedo de um colega, expressar através de relato verbal ou não verbal seus sentimentos e/ou estados emocionais, pedir permissão ao adulto para realizar um intervalo, dentre outros comportamentos funcionais e socialmente relevantes) (Del Prette & Del Prette, 2013; Falcão & Bolsoni-Silva, 2016).
A competência social é a capacidade de articular pensamentos, sentimentos e ações em função dos objetivos pessoais e de demandas da situação e da cultura, erando consequências positivas para o indivíduo e para a sua relação com as demais pessoas (Del Prette & Del Prette, 2013, p. 33).
O ensino de habilidades sociais para crianças é de extrema relevância para que essas possam participar ativamente no contexto social ao qual fazem parte. O desempeno social é ensinado às crianças desde a sua mais tenra idade através das suas relações e interações com pais, familiares, pares e profissionais. Contudo para algumas crianças esse processo deve ser feito de modo gradual, isto é fragmentadamente, podendo demandar tempo, preparo e muita cautela da/s pessoa/s envolvida/s. Neste patamar encontram-se as crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) ou questões relacionadas (Del Prette & Del Prette, 2013; Falcão & Bolsoni-Silva, 2016; Vannest, Reynolds & Kamphaus, 2016; Borba & Barros, 2018).
Conforme destacado anteriormente o ato da pessoa desempenhar papeis e funções sociais ao longo do seu dia-a-dia e da sua interação com o contexto no qual está inserido, envolve a competência da criança em comunicar-se de modo expressando seus pensamentos, sentimentos ou demais comportamentos privados, fazer solicitações, assim como comportamentos públicos. Sendo assim, essa competência demanda da criança habilidades de comunicação, seja ela verbal ou não verbal, assim como comportamento de manusear ou se aproximar de itens ou pessoas, demonstrar interesse em estar com ou próximo a algum objeto ou alguém, assim como outros comportamentos classificados como facilitadores de interações sociais e inserção e participação do contexto cultural (Del Prette & Del Prette, 2013; Falcão & Bolsoni-Silva, 2016; Vannest, Reynolds & Kamphaus, 2016; Borba & Barros 2018).
No entanto, crianças com autismo possuem déficits e excessos comportamentais nessas áreas fundamentais. Sendo que essas competências são os pilares para efetivação do diagnóstico. O DSM-V postula que uma pessoa para ser diagnosticada com autismo deve apresentar comportamentos que se enquadrem nos dois critérios chaves que são caracterizados por déficits e/ou excessos comportamentais. A saber: Critério A – Déficit na comunicação social, podendo estar presentes dificuldades na reciprocidade socioemocional isso é habilidade de colocar-se no lugar do outro e/ou ter noção de perspectiva, comportamentos com função de comunicação, sejam eles verbais ou não verbais, podem ser deficitários ou apresentar- se de modo incoerente com a idade que a criança apresenta (Por exemplo: apresentar comportamentos disruptivos e/ou gestos como forma de comunicação, fala infantilizada e/ou robotizada), a pessoa pode apresentar, também, dificuldade em estabelecer e manter uma interação social com pares. Já no Critério B é estabelecido que a pessoa deve apresentar padrões restritos e repetitivos de comportamentos, sendo visualizados na forma de movimentos motores repetitivos e/ou estereotipados, rotinas e interesses inflexíveis, assim como alta e/ou baixa reatividade a estímulos sensoriais. Esses comportamentos podem estar presentes desde os primeiros anos de vida do indivíduo (a partir dos 18 meses) ou podem se manifestar em idades mais avançadas (a partir dos 3 anos de idade) (Critério C). Além disso, o repertório que a pessoa apresenta deve estar acarretando em prejuízo para sua plena participação nos contextos que compõe (Critério D), assim como não ser atribuído perturbações decorrentes de Deficiência Intelectual e/ou Atraso Global no Desenvolvimento (Critério E) (APA, 2014; Borba & Barros, 2018). Além desses critérios pesquisas apontam que o diagnóstico de autismo é mais frequente em meninos, numa proporção de quase 5 vezes se comparado a pessoas do sexo feminino (Dumas; 2011; APA, 2014; Borba & Barros, 2018).
Conforme referido acima, crianças diagnosticadas com TEA ou questões relativas podem apresentar déficits no desempenho social em um determinado ambiente ou em múltiplos contextos que a criança frequenta, o que pode incluir dificuldade em expressar sentimentos e estados emocionais ou expressar esses de modo inapropriado, alta reatividade a contato físico com adultos ou pares, baixa tolerância em permanecer engajado na realização de atividades acadêmicas de grupo ou permanecem nessas por um período restrito de tempo, dentre outras características (Del Prette & Del Prette, 2013; Falcão & Bolsoni-Silva, 2016; Vannest, Reynolds & Kamphaus, 2016; Borba & Barros 2018).
Dito isso, devido à presença dessas dificuldades justificasse o uso de estratégias e procedimentos de ensino com o objetivo de treinar o desempenho social da criança em múltiplos contextos. O treinamento de habilidades sociais (THS) trata-se de um procedimento de ensino que visa ensinar as crianças uma série de habilidades que possibilitem o desenvolvimento ou aprimoramento de seu desempeno social, o que pode incluir: tratamento para que a criança possa comunicar-se de modo apropriado e funcional, solicitar ao adulto de modo adequado para ter acesso a um item ou atividade preferida, expressar sentimentos ou estados emocionais de modo assertivo (o que pode incluir, fala em tom de voz apropriado, isso é em tom de voz regulado, mantendo o contato visual com o ouvinte, respeitando o espaço pessoal do outro; pedir ajuda diante de uma situação avaliada como um problema; utilizar escalas de automonitoramento do estado emocional; engajar-se em atividades alternativas para acalmar-se, isto é estratégias de autorregulação; etc), respeitar espaço dos pares (isto é, ausência de empurrões, aproximação inadvertida de pares ou adultos, beijar e abraçar esses sem permissão dos mesmos, aceitar solicitações de estranhos, dentre outros comportamentos), permanecer engajado na realização da tarefa apresentada pelo adulto e concluí-la no período delimitado por esse, tolerar participar de atividades com o grupo (o que inclui imitar respostas motoras similares ao pares, permanecer sentado junto com o grupo por um determinado período de tempo delimitado pelo adulto ou durante toda a execução da atividade proposta, etc), dentre outras competências que podem ser ensinadas e desenvolvidas pela criança (Del Prette & Del Prette, 2013; Falcão & Bolsoni-Silva, 2016; Vannest, Reynolds & Kamphaus, 2016; Borba & Barros 2018).
Dado a discussão acima, para que uma intervenção possa ser realizada, dito de outra forma para que seja avaliado a possibilidade e iniciado um treinamento de habilidades sociais para crianças com Autismo é de fundamental importância que o terapeuta aquém do processo interventivo realize com cautela uma avaliação funcional dos repertórios comportamentais apresentados pela criança. O processo de avaliação funcional demanda que o profissional identifique os antecedentes e consequentes aos comportamentos apresentados pela pessoa, a fim de que identificar as funções destes repertórios e seus aspectos mantenedores. O procedimento de avaliação funcional além de possibilitar que o terapeuta identifique suas funções e aspectos mantenedores, viabiliza que o/a analista do comportamento identifique os déficits e excessos comportamentais (Kanfer; Saslow, 1976). Os autores Kanfer & Saslow (1976) conceituam déficits comportamentais como respostas ou uma classe de respostas que deixam de ocorre em frequência e intensidade adequada, isto é respostas funcionais e socialmente e adaptativas a pessoa passam a serem observadas em menor frequência, já os excessos comportamentais são conceituados pelos mesmos autores como comportamentos ou uma classe de comportamentos que se tornam um problema para a pessoa devido a sua alta frequência, intensidade e duração superiores ao esperado para determinado tipo de comportamento.
Seguindo esses parâmetros o analista do comportamento poderá delimitar estratégias de intervenção e ensino de habilidades sociais as crianças com Autismo de modo apropriado, ético, assertivo e eficaz. Atualmente existem vários protocolos ou modelos de intervenção em habilidades sociais e emocionais que foram desenvolvidos para serem trabalhados como crianças neutorípicas (crianças que não possuem diagnósticos de algum dos transtornos do neurodesenvolvimento) ou neuroatípicas (crianças diagnosticadas com algum dos transtornos especificados como do neurodesenvolvimento) (Del Prette & Del Prette, 2013; Falcao & Bolsoni-Silva, 2016; Vannest, Reynolds & Kamphaus, 2016). Encerro este artigo com indicações de estratégias e ferramentas de intervenção que utilizo ao longo do meu fazer profissional[1]. Algumas estratégias que podem ser utilizadas podem incluir uso de cenários sociais, desenhos, jogos com regras, cartas de apoio com dicas de frases que a criança pode verbalizar diante de determinadas pessoas ou situações, vídeos de desenhos animados ou partes de filmes, atividades alternativas individualizadas e diferenciadas, tendo como parâmetro aspectos que são favoráveis e agradáveis os desenvolvimento da criança, escalas de emoções, para ensinar a pessoa estratégias de automonitoramento do seu estado emocional, assim como ferramentas e procedimentos para se autorregular, ensaio comportamental, modelação por vídeo, assim como outras estratégias que podem ser desenvolvidas no decorrer do treinamento (Del Prette & Del Prette, 2013; Falcao & Bolsoni-Silva, 2016; Vannest, Reynolds & Kamphaus, 2016).
Sendo assim, a condução do treinamento de habilidades sociais é realizado e mediado por um adulto, onde este irá propor e engajar a criança na realização das atividades delineadas, posteriormente a criança será orientada a engajar-se na realização da prática proposta pelo adulto, tendo esse, o adulto, como referencia para solicitar auxílio. O adulto terá papel primordial neste processo, no entanto espera-se que, dado a continuidade das intervenções, a criança demande o mínimo de suporte do adulto, trabalhando, assim, para que a criança adquira independência nas atividades que realiza, possibilitando que essa, também, pratique o que aprendeu em outros ambientes (Del Prette & Del Prette, 2013; Falcao & Bolsoni-Silva, 2016; Vannest).
Ao escrever este artigo tive como objetivo delinear introduções a respeito da temática de ensino de habilidades sociais para crianças ou Autismo ou questões relacionadas ou, até mesmo, para crianças que não possuem diagnósticos de transtornos do neurodesenvolvimento. No meu próximo artigo buscarei aprofundar, um pouco mais, nos benefícios do ensino de habilidades sociais, assim como, os desafios que podemos encontrar ao longo da nossa prática profissional neste ramo.
Nota:
[1] O uso de estratégias e ferramentas para intervenção e treinamento em habilidades sociais e emocionais deve ser realizado por um profissional experiente, isto é que domine com precisão os processos discutidos ao longo deste texto. Na ausência desse histórico de atuação, caso o analista do comportamento deseje implementar essas estratégias ao longo do seu fazer profissional é de extrema importância que esse busque por um profissional mais experiente que possa o supervisionar e orientar sua prática.
Referências:
Association, A.P. (2014). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 5 ed. Porto Alegre: Artmed, p. 50-59;
Borba, M.M.C., Barros, R.S. (2018). Ele é autista: como posso ajudar na intervenção? Um guia para profissionais e pais com crianças sob intervenção analítico-comportamental ao autismo. Cartilha da associação brasileira de psicologia e medicina comportamental: ABPMC. Disponível em: http://abpmc.org.br/arquivos/publicacoes/1521132529400bef4bf.pdf. Acesso: 18 nov. 2018;
Del Prette, Z.A.P., Del Prette, A. (2013). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. 6 ed. Rio de Janeiro: Vozes;
Dumas, J.E. (2011). Psicopatologia da infância e da adolescência. 3 ed. Porto Alegre: Artmed;
Falcão, A.P., Bolsoni-Silva, A.T. (2016). Promove-crianças: treinamento de habilidades sociais: promovendo melhores interações sociais e prevenindo problemas de comportamento. São Paulo: CETEPP;
Kanfer, F.H., Saslow, G. (1976). Um roteiro para o diagnóstico comportamental. Instituto TCR. São Paulo, 1976. Disponível em: http://www.itcrcampinas.com.br/pdf/outros/roteiro_diagnostico_comportamental.pdf. Acesso: 18 nov. 2018;
Vannest, K.J., Reynolds, C.R., Kamphaus, R.W. (2016). BASC 3: guia de desenvolvimento de habilidades comportamentais e emocionais. São Paulo: Casa do Psicólogo (Pearson).