Tenho observado que a maioria das pessoas conhecem apenas a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC), que foca nos pensamentos e cognições e, assim, desconhecem a linha da Terapia por Contingências de Reforçamento (TCR) e as nuances apresentadas entre as duas.
A análise do comportamento surgiu do Behavorismo Radical, que é uma filosofia da Ciência do Comportamento criada pelo psicólogo B.F. Skinner, e oferece uma concepção do ser humano e de sua inserção no mundo natural. Essa teoria diz que tudo é comportamento e todos os comportamentos – encobertos e públicos – são da mesma natureza. Por comportamentos encobertos entendemos aquilo que pensamos, sentimos, como exemplo, sentir sede; e comportamentos públicos são aqueles nos quais outras pessoas podem ter acesso, nossas ações, como exemplo pedir água para alguém. O behaviorismo radical ressalta a interação do homem com seu ambiente. A ação humana produz consequências no ambiente e, reciprocamente, é influenciada pelas mesmas consequências que as gerou. Também propõe que o estudo dos comportamentos e dos sentimentos humanos se baseia na sistematização e manejo das contingências de reforçamento das quais são função. A TCR utiliza esses fenômenos comportamentais como objetos de estudo, de análise e de intervenção.
O que é comportamento? De modo genérico, é toda atividade do homem que produz intercâmbio com o ambiente. Para análise do comportamento, separamos os comportamentos em operantes e respondentes. Nos comportamentos respondentes, uma resposta é eliciada (provocada) por um estímulo antecedente involuntariamente (comida na boca- estímulo antecedente- elicia salivação- resposta). Sendo essas respostas inatas, sem aprendizagem prévia, os estímulos e respostas são chamados de incondicionados e são essenciais para a sobrevivência do organismo. Mas estas respostas podem se tornar condicionadas pela associação entre um estímulo neutro com um estímulo incondicionado. Por exemplo, o grito de um adulto era um estímulo incondicionado para o bebê, que gerava nele a emoção de medo. Associando o grito com a presença de um adulto, depois de um certo tempo e vários pareamentos, apenas a presença do adulto é suficiente para eliciar o medo (ROSE, s.d)
Já os comportamentos operantes, segundo Skinner, não são eliciados por estímulos antecedentes. Esses comportamentos modificam o ambiente e essas modificações levam, por sua vez, a modificações nos comportamentos subsequentes. Os comportamentos operantes constituem a maior parte de nossas ações, como dirigir, cozinhar e neles estão até mesmo os pensamentos (ROSE, s.d).
Para a TCR, um comportamento não existe isoladamente e só é possível de ser analisado observando sua função (qual seria sua funcionalidade, intenção). Uma ação do organismo vista de forma isolada é uma resposta e não um comportamento, por exemplo “ele se levantou e foi embora”. Se identificarmos a função dessa ação- ele se levantou e foi embora para fugir das perguntas do professor, podemos então chamar a ação de comportamento.
Segundo Guilhardi (2009),
“Tais eventos encobertos são determinados por contingências de reforçamento atuais e as funções que apresentam foram adquiridas no processo de desenvolvimento da pessoa, como resultado da história de contingências que lhe é própria, ou seja, são comportamentos causados a serem explicados; e não causas que explicam comportamentos e sentimentos. Ou seja, a TCR exclui a concepção de que comportamento (ou sentimento) causa comportamento. Todos os fenômenos comportamentais humanos são objetos de interesse, de análise e de intervenção da TCR, que inclui pensamentos, imagens, cognições, ideias etc. como objeto de investigação na análise e intervenção terapêutica. No entanto, de forma completamente distinta das concepções cognitivo-comportamentais, não lhes atribui função causal”.
Na Terapia Cognitivo Comportamental, a atividade cognitiva influencia o comportamento e pode ser monitorada e alterada para acontecer a mudança comportamental, sendo, por isso, um modelo mecanicista. Já a TCR segue a margem do behaviorismo radical proposto por Skinner, que evoluiu do modelo da seleção natural darwiniana, o modelo causal selecionista, em três níveis: filogenético (história da espécie), ontogênico (história do indivíduo) e cultura (influências culturais). Para a TCR, os pensamentos, sentimentos- atividade cognitiva – não são causa do comportamento e sim, são comportamentos em seu estágio inicial.
A atenção deve ser dirigida para as condições ambientais em que determinado organismo se encontra, para a reação desse indivíduo a essas condições, para as consequências que essa reação lhe traz e para os efeitos que essas consequências produzem – processo denominado “tríplice contingência”, que é o objeto de estudo da análise do comportamento. Contingência é unidade funcional dessa ciência, ou seja, a relação entre os estímulos, respostas e consequências (“Se…então..”), e o comportamento só pode ser estudado dentro dessa tríplice (GUILHARDI, 2004).
Lembrando que o terapeuta deve sempre trabalhar com a função dos comportamentos e sempre analisar a história de contingências (descrição de episódios ou eventos com investigação sistemática) e não com a história de vida, que é a descrição ou menção de episódios, eventos vivenciados, sem identificação sistemática das funções comportamentais que tais eventos têm para pessoa.
Tomar consciência e tentar mudar o pensamento de que “não posso comer doce quando estiver ansioso” é diferente de mudar esse comportamento e introduzir outros mais funcionais e de mudar as contingências em operação. Então, para TCR, não basta apenas modificar pensamentos como diz a TCC, mas modificar as condições no meio que influenciam esses comportamentos. Por fim, enquanto a TCC considera sentimentos e pensamentos como causas de comportamentos, a TCR considera eles, mas não lhes atribui função causal (GUILHARDI, s.d.)
REFERÊNCIAS
Texto redigido por Hélio J. Guilhardi, a pedido do autor, para inclusão no Cap. 28 do livro Modificação de Comportamento – O que é e como fazer, de Martin, G e Pear, J, publicado no Brasil pela Editora Roca, em 2009.
GUILHARDI, H. J. (2004) Terapia por contingências de reforçamento. In: C. N. Abreu e H. J. Guilhardi (Org.). Terapia Comportamental e Cognitivo-Comportamental práticas
clínicas. São Paulo, Roca.
GUILHARDI, Hélio. Perguntar mais frequentes sobre TCR. Disponível em: <http://www.itcrcampinas.com/perguntas>. Acesso em: 27 set. 2017.
ROSE, Julio Cesar Correia de. O que é comportamento. Disponível em: <http://www.itcrcampinas.com.br/txt/julio.pdf>. Acesso em: 27 set. 2017.