Sobre o comportamento ecoico e linguagem de sinais: uma “nova” categoria?

O conceito mister de comportamento verbal para Skinner (1957) é que ele é um comportamento operante como qualquer outro, com a caraterística cabal de ser mediado socialmente por um ouvinte (Abreu & Hübner, 2012; Cruvinel & Hübner, 2010; Hübner, 2013; Plavnick & Normand, 2013).

Possui diversas dimensões, isto é, pode ser falado/audível, impresso/visual, motor/tátil, admitindo que seja vocal, escrito, gestual, pictográfico… se houver mediação social e respeitar os princípios do comportamento operante, desde uma expressão facial até um complexo texto como O Lobo da Estepe de Herman Hesse são comportamentos verbais e podem servir como unidades de análise se respeitar as categorias propostas por Skinner no Verbal Behavior (1957).

Essas categorias são divididas, basicamente, em Mando, Ecoico, Textual[1], Intraverbal e Tato, no que contempla os operantes verbais de primeira ordem; e autoclítico, como operante verbal de segunda ordem.

Podendo admitir as dimensões mencionadas acima, qualquer comunidade verbal e qualquer tipo de comportamento verbal poderia ser analisado de acordo com a proposta de Skinner (1957), seja o comportamento falado e ouvido da nossa comunidade verbal, sejam as Libras dos surdos-mudos seja o braile dos indivíduos com deficiência visual.

Por Verbal Behavior ser uma obra que não basta ser apenas lida, mas estudada, é natural que tenhamos dificuldades de compreensão e que surjam muitas dúvidas e indagações acerca do tema do que Skinner quer dizer quando nos apresenta essa nova concepção.

O presente texto visa sanar uma dúvida que o autor que vos escreve teve enquanto estudava a obra citada e que recai sobre o conceito skinneriano de um dos operantes verbais primários em específico: o comportamento ecoico. Falaremos da conceituação básica e tentaremos estabelecer uma ponte com um tipo de comportamento verbal gestual em específico: a linguagem de sinais.

O comportamento ecoico é um operante verbal que possui o que Skinner (1957) chama de correspondência ponto a ponto, fazendo parte dos operantes verbais primários que estão sob controle formal (Hübner, Borloti, Almeida & Cruvinel, 2012; Hübner, 2013).

O ecoico tem como princípio básico possuir tanto estímulo verbal como resposta verbal a nível fonético, isto é, sonoro; tanto o estímulo antecedente quanto a resposta deve ser falada. A consequência do comportamento ecoico, é o que Skinner chama de reforçamento educacional (1957), que é um reforçamento social generalizado.

Uma situação que evidencia o comportamento ecoico é, convenientemente, de uma sala de aula em que a professora manda que os alunos repitam o que ela disser: “repitam depois de mim: casa” e os alunos repetem, ponto a ponto: “casa” e há a consequenciação da professora “isso mesmo! Parabéns! Acertaram!”.

Esse operante admite um subtipo que é o comportamento autoecoico. Acontece quando você fica repetindo um número de telefone “mentalmente” até que chegue num aparelho telefônico para discar o número desejado.

Uma das principais funções desse operante verbal é de facilitar a modelagem dos outros operantes verbais de primeira ordem. É como se o ecoico fosse a porta de entrada para os outros operantes acima mencionados (Cruvinel & Hübner, 2010; Abreu & Hübner, 2012).

Muito bem. Visto, mesmo que superficialmente, o conceito skinneriano de comportamento ecoico, de que forma explaná-lo fará com que cheguemos nos questionamentos com relação à linguagem de sinais? O ponto que quero salientar é que, por ser uma comunidade verbal composta por surdos-mudos, o ecoico, por definição, não tem como operar enquanto relação verbal. Se isso é verdade, ou 1) a definição skinneriana é insuficiente ou 2) a linguagem de sinais não adentra como comportamento verbal na definição aqui adotada.

O ponto é que há uma comunidade verbal ativa e o conceito de imitação não necessariamente envolve comportamento verbal para dizermos que o falante gesticula “casa” e o ouvinte o imita. Dessa forma, a definição skinneriana precisa repousar num complemento apontado por Michael (1982) e não apontado por Skinner no Verbal Behavior (1957).

Esse complemento são dois termos que Michael (1982) adiciona às relações verbais elementares[2] de Skinner. Não são categorias novas, ao contrário, são nomes para comportamentos não classificados de forma aberta por Skinner no Verbal Behavior. Esses dois termos são chamados Códice e Dúplice (Michael, 1982; Hübner, 2013).

Essas duas relações parecem pouco abordadas nos textos de análise do comportamento verbal, porque geralmente se fala de comunidades verbais em que há estímulos e respostas sonoras como material básico de análise, portanto, se faz necessária uma conceituação, mesmo que básica.

A relação Códice tem três características definidoras, para Michael (1982). O estímulo antecedente dessa relação é um estímulo verbal, há correspondência ponto a ponto, mas não há qualquer similaridade formal no quesito dimensão (ou seja, há um estímulo verbal audível, mas não necessariamente uma resposta verbal falada). Adentram os operantes verbais textual e transcrição nessa relação.

A relação Dúplice envolve duas características definidoras; como a relação Códice, possui um estímulo antecedente verbal, mas estabelece uma relação em que há dimensões iguais (Se o estímulo antecedente é audível, a resposta é falada). Adentram essa relação os operantes ecoico e cópia.

Sendo assim, um comportamento virtualmente similar ao ecoico numa linguagem de sinais precisa da complementação do conceito de relação Dúplice de comportamento verbal. O estímulo gestual verbal gera uma resposta gestual verbal que respeita categorias formais. Exatamente como o ecoico. A diferença é que, aqui, a dimensão não é mais fonética, mas motora. E há a mediação social, fator que categoriza essa relação dúplice como verbal na definição adotada e que respeita a contingência tríplice como unidade de análise, exatamente como Skinner propõe em 1957.

A análise do comportamento verbal é um dos temas mais fascinantes que existem dentro do Behaviorismo Radical e da Análise do Comportamento. Isso pode ser uma visão pessoal, mas parece que eu não sou o único que pensa assim, visto que, para que tenhamos uma compreensão satisfatória de comportamento humano, devemos englobar o comportamento verbal (Keller & Schoenfeld, 1966).

 

 

Referências

Abreu, P. R.; Hübner, M. M. C. (2012) O comportamento verbal para B. F. Skinner e S.C. Hayes: uma síntese com base na mediação social arbitrária do reforçamento. Acta Comportamentalia. v. 20, n. 3, pp. 367-381.

Cruvinel, A. C. C.; Hübner, M. M. C. (2010) Análise da aquisição de comportamento verbal em uma criança dos dezoito meses aos dois anos de idade. Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de Psicologia da Universidade de São Paulo. São Paulo: USP.

Hübner, M. M. C.; Borloti, E.; Almeida, P.; Cruvinel, A. C. C. (2012) Linguagem. In Hübner, M. M. C.; Moreira, M. B. (orgs). Temas Clássicos da Psicologia sob a ótica da Análise do Comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.

Hübner, M. M. C. (2013) Comportamento verbal de ordem superior: análise teórico-empírica de possíveis efeitos de autoclíticos sobre o comportamento não verbal. Tese de Livre Docência apresentada ao Departamento de Psicologia da Universidade de São Paulo. São Paulo: USP.

Keller, F. S.; Schoenfeld, W. N. (1966) Princípios de Psicologia. São Paulo: E. P. U.

Michael, J. (1982) Skinner’s elementary relations: some new categories. The Analysis of Verbal Behavior. v.1, n.1, pp. 1-3.

Plavnick, J. B.; Normand, M. P. (2013) Functional Analysis of Verbal Behavior: a brief review. Journal of Applied Behavior Analysis. v.46, n.1, pp. 349-353.

Skinner, B. F. (1957) Verbal Behavior. Cambridge: Copley Publishing Group.

 

 

 

[1] Skinner quase categoriza mais duas relações “dentro” do operante Textual, a saber: Cópia e Transcrição/Tomada de Ditado (Michael, 1982).

[2] Relações verbais elementares = operantes verbais primários.

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Classificação do artigo

Escrito por Renan Miguel Albanezi

Graduado em Psicologia pelo Centro Universitário Cesumar (UniCesumar), especialista em Análise do Comportamento e Psicoterapia Cognitivo-Comportamental pelo Núcleo de Educação Continuada do Paraná (NECPAR) e em Terapia Comportamental pela Universidade de São Paulo (USP). Tem como principais áreas de estudo o Behaviorismo Radical e a Análise do Comportamento com interesse em comportamento verbal, agências controladoras do comportamento, psicoterapia comportamental e psicoterapia analítica funcional.

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