Estudar pra que? – Como instalar hábitos de estudos

Início de ano letivo parece ser um pesadelo para muitos pais e, principalmente, para os estudantes. Problemas que durante as férias escolares estavam adormecidos voltam a todo vapor: os conflitos recomeçam e a relação pais/filhos/escola se torna desgastante. Infelizmente não vivemos em uma sociedade pró-saber, pró-escola. As atividades escolares geralmente são vistas como chatas, desinteressantes e pouco conectadas com a vida cotidiana.

E o que nós, analistas do comportamento, temos a ver com isso?

Uma das grandes preocupações de Skinner era com a educação. Ele dizia que ensinar é arranjar contingências de reforçamento. Além do que ensinar seria o ato de facilitar a aprendizagem; quem é ensinado aprende mais rapidamente do que quem não é [1].

Então, como analistas do comportamento, podemos direcionar nossa prática também ao arranjo de contingências de reforçamento e contribuir para uma sociedade mais voltada ao saber, ao aprender.

No contexto clínico não é raro receber clientes com queixas de baixo desempenho acadêmico, problemas de aprendizagem, conflitos na escola etc. Um dos trabalhos que podem ser realizados diante de tais queixas – claro que aqui descrito de uma forma bem geral e sem considerar as especificidades de cada caso – é o desenvolvimento de repertório de hábitos de estudo.

Estudar não é um comportamento intrínseco, inato. É um comportamento que necessita de aprendizagem. Assim, quais procedimentos comportamentais poderiam ser usados para alcançar um comportamento tão desejado, como o de estudar? Como é possível instalá-lo e fortalecê-lo no repertório dos nossos estudantes?

Em primeiro lugar, deve ficar claro que estudar é diferente de fazer as lições de casa. As lições de casa são demandas da escola, importantes para a aquisição do conhecimento formal. Poderíamos definir o ato de estudar de uma forma mais ampla, que envolve repertórios diversos, tais como: buscar conhecer, aprender, explorar, perguntar, estabelecer relações. É algo que vai além do conhecimento formal. Entretanto, podemos utilizar do conhecimento formal e das demandas escolares para desenvolver hábitos de estudos mais funcionais, cujo objetivo final seria desenvolver o amor por aprender e estudar [2]!

Um dos procedimentos que podemos utilizar para desenvolver hábitos de estudo é o de modelagem. Modelagem é um procedimento utilizado para desenvolvimento de um novo comportamento por meio do reforçamento sucessivo de respostas cada vez mais próximas ao comportamento final desejado e da extinção das respostas anteriormente emitidas [3]. Assim, para que se estabeleça um procedimento de modelagem, é necessário:

  1. Especificar o comportamento final desejado – que nesse caso seria o de estudar [que poderia ser definido como repassar as matérias que foram vistas em sala de aula, produzir um registro escrito do que foi lido (resumo, gráfico, grifos em textos etc.). É algo além de fazer as tarefas escolares].
  2. Identificar uma resposta que possa ser usada como ponto de partida em direção ao comportamento final desejado. Pode-se iniciar com a disciplina escolar que o estudante prefere, a mais fácil ou a que exige menos esforço. Dividir em unidades mínimas (um conceito, uma informação mais importante) com baixa probabilidade de erro por parte do estudante [2, 3].
  3. Reforçar a resposta inicial; depois, realizar tentativas sucessivas e cada vez mais próximas à resposta final desejada, até que por fim a resposta desejada seja alcançada.

O procedimento de modelagem pode e deve ser combinado com procedimento de instruções verbais para que o estudante aprenda como selecionar as informações mais relevantes, como produzir um resumo escrito, criar gráficos e esquemas que contemplem o conteúdo. Em muitas ocasiões, procedimentos combinados aumentam a probabilidade de sucesso de todo o processo.

Não podemos esperar que o comportamento de estudar seja emitido espontaneamente. É preciso criar condições para que ele ocorra e, assim, possa ser consequenciado. Uma boa alternativa é preparar o ambiente para que as respostas esperadas sejam emitidas. Por exemplo, estabelecendo uma rotina por meio de horários reservados para o estudo, em um local adequado (sem barulhos, interrupções e outros distratores) e fornecendo materiais que aumentem a probabilidade de ocorrência do ato de estudar.

Além da preparação do ambiente, as consequências para o estudo precisam ser planejadas. É importante sempre lembrar que são as consequências do comportamento emitido que alteram a probabilidade da ocorrência daquele comportamento no futuro. Nem sempre as consequências naturais do comportamento de estudar – o aprender – controlam o comportamento do estudante. Dessa forma, consequências arbitrárias podem ser utilizadas. Por exemplo, a cada período de 15 minutos de estudo, o estudante pode fazer uma interrupção breve para se levantar, dar uma volta, checar o celular, ter acesso a algum item gratificante. As consequências arbitrárias deverão ser substituídas gradualmente pelas consequências naturais do ato de estudar.

Outro ponto importante no manejo das consequências durante o desenvolvimento de hábitos de estudo é o monitoramento. Não podemos esperar que um estudante que esteja desenvolvendo esse novo repertório tenha o autocontrole e disciplina necessários para se manter engajado e sob controle das respostas que deve emitir. Assim, os pais ou um acompanhante terapêutico (ambos devidamente treinados) devem ser os responsáveis pelo acompanhamento e monitoramento das novas atividades. A presença desse monitor vai ser gradualmente retirada – realiza-se um fading out da presença desse acompanhante – a medida em que o estudante apresentar progressos.

A participação de pessoas preparadas para implementar um programa de desenvolvimento de hábitos de estudo é de extrema importância. Além disso, a participação da família é essencial. A atenção pessoal, a presença, a interação e o acompanhamento de todo processo é o que faz a diferença entre resultados medíocres e excepcionais. É preciso reconhecer que não é apenas obrigação do estudante estudar. É preciso valorizar – por meio de incentivos, elogios sinceros, imediatos e descritivos – o esforço do estudante. O objetivo ao se instalar hábitos mais saudáveis de estudo não é apenas tirar boas notas, passar de ano. Mas também desenvolver amor por aprender e estudar.

 

[1] Skinner, B. F. (1972) Tecnologia do Ensino. São Paulo: Herder, Editora da USP.

[2] Guilhardi, H. J. (2012). Procedimentos para instalar comportamento de estudar. Disponível em www.itcrcampinas.com.br

[3] Para saber mais sobre modelagem e outros procedimentos para instalação e manutenção de novos comportamentos consultar: Martin, G. e Pear, J. (2009) Modificação do comportamento – o que é e como fazer (Tradução Noreen Campbell de Aguirre; revisão científica Hélio José Guilhardi). 8 ed. São Paulo: Roca.

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Escrito por Priscila Ribeiro

Psicóloga graduada pela Universidade Estadual de Londrina, Especialista em TCR - Psicologia Clínica pelo ITCR-Campinas e Mestre em Psicologia pela USP - Ribeirão Preto. Psicoterapeuta de crianças e adultos, professora e supervisora do curso de Especialização e Qualificação Avançada do ITCR-Campinas.

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