O analista do comportamento Júlio César Coelho de Rose, professor titular da Universidade Federal de São Carlos, tem o hábito de compartilhar reflexões sobre a contemporaneidade em seu facebook, abordando temas variados relacionados a comportamento e cultura. Nesta quarta feira, ele falou sobre as análises do cenário político que os usuários da rede e especialistas no assunto se aventuram a fazer, as vezes sem o conhecimento necessário para tanto, interpretando-as com base no fenômeno chamado split brain. Confira:
Vou arriscar dizer uma coisa que pode ser bobagem. As análises políticas muitas vezes me lembram o conceito de “intérprete” de Michael Gazzaniga, que estudou pacientes com “split brain” (secção do corpo caloso que impedia a comunicação entre os hemisférios cerebrais). Nesses casos, às vezes o paciente se comporta como se tivesse duas “mentes” ou “consciências” independentes, cada uma resultando da atividade de um hemisfério. A fala é função de uma área do hemisfério esquerdo; é possível apresentar uma instrução só ao hemisfério direito (por exemplo tocar um objeto) e o hemisfério esquerdo “não sabe” porque a instrução é seguida. Gazzaniga observou que nessas situações, o hemisfério esquerdo, embora não tenha nenhuma ideia de porque o objeto foi tocado, fabrica uma explicação e fica absolutamente convencido dela. Pesquisadores supõem que esse “intérprete” atua também em pessoas sem “split brain”, dando explicações para ações ou sentimentos cujos determinantes estão fora da consciência. É possível que este intérprete esteja frequentemente confabulando explicações para coisas que as pessoas não compreendem, explicações das quais as pessoas logo ficam convencidas. Será que é por isso que quando ocorre um fato político incompreensível, logo as pessoas dão uma explicação, e a explicação ainda tem a conveniência de se encaixar perfeitamente na ideologia da pessoa, confirmando todas as noções políticas que a pessoa já tinha? Vamos ver como os analistas políticos, tanto os profissionais quanto os do facebook, vão explicar a vitória de Trump. Tenho certeza de que logo teremos explicações perfeitas. E poucos serão os que vão dizer: “Caramba! Isso mostra que havia muitas coisas que eu não entendia e que requerem uma mudança no meu modo de pensar!”