O que é preciso para ser feliz? Essa pergunta pressupõe que a felicidade se caracterizaria e dependeria da ocorrência de um certo número de eventos: ter saúde? ter dinheiro? conseguir reconhecimento profissional? viver um grande amor? ter filhos? Quais seriam as condições necessárias para ser feliz?
Ao propor um modelo explicativo para o comportamento, Skinner defendeu que o comportamento é selecionado por suas consequências em três níveis que interagem entre si. O primeiro nível de seleção, nível filogenético, faz referência aos comportamentos próprios da espécie (e a carga genética) que garantem a sua sobrevivência e reprodução. O segundo, nível ontogenético, é caracterizado pela história individual, é o que compõe o nosso repertório comportamental, construído com a interação com o ambiente por meio da aprendizagem (história de Contingências de Reforçamento). Finalmente, o terceiro nível de seleção, nível cultural, inclui as interações sociais e a evolução da cultura. Onde deveríamos investir para chegar à felicidade?
Acredito que, ao falar de busca pela felicidade, deveríamos nos ater aos níveis ontogenético e cultural. Primeiro, por questões óbvias, afinal, não seria simples, (ainda), alterar a carga genética dos indivíduos. Considerando este nível de análise do comportamento, seria mais simples identificar o que nos faz feliz: termos nossas necessidades biológicas atendidas. Segundo, o sentimento de bem-estar está relacionado ao que é importante para o indivíduo, que caracterizaria a felicidade pessoal e aquilo que garante o bem-estar do grupo. Considerando apenas o nível ontogenético, seria possível chegar a uma resposta a respeito do que é preciso para ser feliz? Existe um caminho? Responder a essa pergunta de forma genérica e fixa equivaleria a estabelecer um conjunto de regras, tal como seguir uma receita de bolo, sem levar em consideração variáveis individuais que, no caso do bolo, poderiam ser o tipo de forno, a umidade da farinha, o tipo de fermento etc.
O termo regra foi definido por Skinner (1969) como estímulo verbal antecedente que descreve uma contingência (relação entre os eventos ambientais antecedentes, as respostas e os eventos ambientais consequentes). As regras permitem a aprendizagem de novas respostas sem a necessidade de exposição direta às contingências. Ou seja, muito do que fazemos em nossas vidas depende daquilo que fomos instruídos a fazer. De certo modo, as instruções e os conselhos que nos são dados prontos podem diminuir o sofrimento inerente à vivência de algumas situações. Vivemos inundados de estímulos e, quanto maior as possibilidades e variáveis de escolha, pode ser maior o sofrimento para escolher, maior o custo de resposta diante das situações. Então, a busca por uma “receita” para a felicidade cria a ilusão de que o sofrimento para atingir o melhor que sempre está por vir será amenizado.
A busca por essa receita e por essa unidade para que a felicidade possa ser alcançada pressupõe que os indivíduos e as situações sejam iguais. Seria único o caminho a trilhar? Voltemos para o segundo nível de seleção. Cada indivíduo possui a sua história e o seu processo de aprendizagem. É a partir dessa história individual que os estímulos passam a ter significado, valor e função. Aquilo que é reforçador para um pode ser aversivo para outro e vice-versa. A busca pela felicidade baseada excessivamente no seguimento de regras nos tornaria insensíveis a muitos eventos que estão ao nosso redor, e que podem ter potencialidade de produzir bem-estar, mas, por não estarem definidos dentro dos parâmetros das regras, podem não ser notados. Seria como valorizar apenas os vinhos “eleitos” como os melhores e desprezar os demais sem ao menos experimentar apreciá-los. Um olhar cuidadoso à nossa volta e às contingências vigentes amplia a percepção de possibilidades de felicidade e das ocorrências de inúmeros eventos no dia a dia que produzem esse sentimento. O responsável pela sua felicidade é você mesmo e ela está em diferentes contextos e relações que vivemos. O melhor está aqui e ali. E a minha felicidade pode e deve comportar a felicidade do outro.
Referências
Veiga, D.I. & Leonardi, J.L. (2012). Considerações conceituais sobre o controle por regras na clínica analítico-comportamental. In: Borges, N.B e cols (Org.). Clínica analítico-comportamental: aspectos teóricos e práticos. (pp.171-177). Porto Alegre: Artmed.
Skinner, B.F. (1969). Contingencies of Reinforcement: a theoretical analysis. New York: Appleton Century-Crofts.