Este é o quarto artigo de uma série que discute a vida de Burrhus Frederic Skinner. Quem é o homem por trás da teoria que inspira tantas pessoas até hoje? O objetivo desta série é reconstruir o caminho percorrido por Skinner, apontando aspectos de sua vida pessoal que determinaram seu comportamento e, consequentemente, o de muitos outros. Espera-se que esta narrativa possa não apenas cativar o leitor, mas também tornar natural e humano aquilo que mais nos fascina.
Foi em 1928 que um jovem de 24 anos chamado Frederic Skinner (apelidado “Fred”) ingressou seus estudos na pós-graduação em psicologia na Universidade de Harvard. Diferentemente da maioria dos alunos ingressantes que tinham vindo de cursos de graduação de psicologia ou biologia, Skinner vinha da literatura. Seu escasso conhecimento da área, apesar da enorme curiosidade, e sua fuga do contexto do “dark year” marcaram sua busca.
Como destaca Cruz (2013), o ambiente institucional que Skinner encontrou em Harvard retrata o processo de construção da própria psicologia enquanto ciência. Isso porque sua configuração como um campo de estudo que se sustente por si próprio ainda não estava consolidada. O exemplo concreto disso é a subordinação do departamento de psicologia ao de filosofia, que tinham posições frequentemente incompatíveis. O departamento de psicologia estava em uma crise financeira e tentava se reerguer após a saída de membros importantes (entre eles, Thorndike) e a morte de William James. O chefe do departamento de psicologia experimental era Edward Boring, um discípulo de Titchner, que desprezava pesquisas aplicadas e era avesso ao comportamento enquanto objeto de estudo da psicologia (Cruz, 2013).
De outro lado, o departamento de fisiologia tinha instalações excelentes, financiamento para pesquisa e foi o primeiro a apresentar o que Skinner estava buscando, o conceito de reflexo condicionado. O chefe deste departamento era William Crozier, um ambicioso pesquisador discípulo de Jacques Loeb, um biólogo que fez pesquisas que havia interessado Fred durante a graduação em Hamilton.
O contato inicial de Fred com a psicologia em Harvard foi decepcionante, as matérias de psicologia clínica e do indivíduo apresentavam interpretações mentalistas, oque incomodava muito o jovem que já advogava em favor da perspectiva behaviorista, fruto de estudo um pouco antes de entrar no doutorado, com as obras de Pavlov (1927) e Watson (1928). Sua precoce identificação com o behaviorismo então vigente e a rejeição ao mentalismo foi comentada pelo próprio autor anos depois “Eu mal poderia saber sobre o que estava falando. Eu não tinha feito nenhum curso de psicologia antes da faculdade e estava na graduação há apenas um mês” (Skinner, 1979, p.14).
Para compensar este déficit, Skinner estabeleceu uma rotina rígida de estudos: “Eu acordava às 6 horas, estudava até o café da manhã, ia às aulas, laboratórios e bibliotecas sem ter mais de 15 minutos de atividades não programadas ao longo do dia, estava até exatamente 21 horas e ia dormir. Não via filmes ou peças de teatro, raramente via um concerto, quase nunca tinha um encontro, e não lia nada que não fosse psicologia ou fisiologia” (1979, p.15).
O calouro estava imerso em seus estudos e insatisfeito com a maior parte do ensino que recebia, dando lugar a um crescente sentimento de isolamento. Contudo, conhecer Fred Keller foi um fator importantíssimo não somente percurso de Skinner, mas na consolidação da análise do comportamento como uma ciência. Em 1929 Keller era um aluno veterano do departamento de psicologia, e apesar de terem gostos diferentes em esportes, música e mulheres se tornaram melhores amigos (Bjork, 1997). Como o grupo de alunos que se identificavam com o behaviorismo era pequeno, as oportunidades de diálogo com interlocutores convergentes eram raras. Os dois, então, começaram a passar muito tempo juntos, discutindo sobre psicologia, construindo instrumentos de pesquisa e driblando a Lei Seca (período de 1920 a 1933 durante o qual a fabricação, transporte e venda de bebidas alcoólicas para consumo foram banidas nacionalmente) ao fabricar a própria cerveja.
Skinner estava dividido entre a psicologia e a fisiologia, para resolver seu dilema (e seu tema de doutorado!) cursou uma disciplina com cada chefe de departamento e, ao final do semestre, optou pela fisiologia. Entretanto, suas conversas com Fred Keller, seu interesse inicial pelo comportamento enquanto objeto de estudo da psicologia e seu fascínio pelo comportamento humano e animal não permitiram que ele se distanciasse da psicologia. Em 1928, em uma carta para o amigo e ex-professor Percy Saunders o jovem Skinner afirmou: “Estou trabalhando mais duro do que nunca, mas tenho tempo e posso escolher a minhas matérias de estudo. Eu quase migrei para a fisiologia, que acho fascinante. Mas os meus maiores interesses estão no campo da psicologia e eu devo permanecer, nem que eu tenha que, se necessário, reformar o campo inteiro para adequá-lo a mim”.
Os primeiros anos de Skinner em Harvard foram marcados por uma liberdade institucional que desconhecia durante sua graduação. Skinner agora morava sozinho e Harvard fornecia muita liberdade para que os alunos realizassem suas pesquisas. Principalmente depois de ter ganhado uma bolsa do National Research Council Fellowship de 1931 a 1933, que lhe forneceu uma sala, livros, acesso a publicações recentes, um pouco de dinheiro para realizar pesquisas e, o mais importante, material para construção de novos equipamentos de pesquisa. Uma carta de suporte de Boring para a renovação da bolsa descrevia que Skinner tinha “(…) um entusiasmo febril e efervescente. Nós pensamos nele aqui como um possível ‘gênio’, essa palavra para representar esta imagem”. (1930, citado por Bjork, 1993/2006, p. 101).
A vida de Skinner deu mais um salto quando ganhou outra e mais prestigiosa bolsa, a Junior Fellowship da Harvard Society of Fellows. Passou então a morar com outros cinco membros da sociedade em uma residência que mais parecia com um hotel de luxo. Além de ter liberdade científica e ausência de obrigações docentes, os alunos mantinham um contato com importantes pesquisadores, incluindo até vencedores do prêmio Nobel (Cruz, 2013; Skinner, 1979).
Foi neste ambiente profícuo que Skinner deu o pontapé inicial na sua obra científica. Com os recursos e a liberdade fornecidos pela instituição, Skinner pode desenvolver instrumentos de pesquisa e perguntar diretamente para a natureza qual a relação entre um estímulo e uma resposta. Suas caixas experimentais (que não eram chamadas de caixas de Skinner ainda, talvez somente caixas do Skinner) ganharam notoriedade, pois permitiam um registro fidedigno, preciso e previsível de respostas do organismo. Isso porque a maioria das pesquisas experimentais da época utilizava labirintos como instrumento, o que gerava uma variabilidade consideravelmente maior, dificultando a previsão e o controle do comportamento. As caixas foram construídas após mais de 3 anos de estudo e tentativas frustradas do jovem. Neste momento, sua habilidade manual e a inventividade que foram marcas de sua infância e adolescência forma fundamentais. Skinner reutilizou diversas ferramentas descartadas pelo departamento de física para construir seu material.
O conceito de comportamento operante ainda não havia sido cunhado, que o Skinner de 1936 iria fazê-lo, portanto o autor tratava todo o comportamento sob a denominação de “reflexo”. O processo de descoberta deste “reflexo não-pavloviano” e seu impacto inicial de seus estudos merecem um capítulo a parte. Não percam!
Referências:
Bjork, D. W. (1997). B.F. Skinner: A life. American Psychological Association.
Cruz, R. N. (2013). B.F. Skinner e a vida científica: uma história da organização social da análise do comportamento. Tese (Doutorado em Psicologia). Departamento de Psicologia, Universidade Federal de Minas Gerais.
Pavlov, I. P. (1927). Conditioned reflexes. An Investigation of the physiological activity of the cerebral cortex.
Skinner, B. F. (1979). The shaping of a behaviorist: Part two of an autobiography.
Watson, J. B. (1928). Psychological care of infant and child.