A Terapia Comportamental Dialética (DBT) está crescendo no país, e no mesmo ritmo, cresce a quantidade de pessoas que tem dúvidas em relação a alguns aspectos da abordagem, até então pouco conhecida no Brasil. Pensando nisso, convidamos Jan Luiz Leonardi para falar sobre o tema. O entrevistado, um analista do comportamento experiente e com formação sólida em Terapia Analítico-Comportamental, está cursando a formação oficial em DBT oferecida pelo Behavioral Tech em parceria com o The Linehan Institute e com o InTCC. Sua formação, portanto, permite que fale sobre a proposta de terapia criada por Marsha Linehan tanto do ponto de vista de um Analista do Comportamento aos moldes brasileiros, como do ponto de vista de um Terapeuta Comportamental Dialético.
Jan Luiz Leonardi é graduado em Psicologia pela PUC-SP, especialista em Terapia Analítico-Comportamental pelo Paradigma, mestre em Análise do Comportamento pela PUC-SP e doutorando em Psicologia Clínica na USP. Está cursando o Dialectical Behavior Therapy Intensive Training do Behavioral Tech – The Linehan Institute. É terapeuta, coordenador e docente do curso de Qualificação Avançada em Terapia Analítico-Comportamental do Paradigma e vice-presidente da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental (ABPMC). Tem experiência com Terapia Comportamental e Prática Baseada em Evidências em Psicologia.
Comporte-se: Você tem se destacado como um dos principais clínicos e pesquisadores brasileiros em Terapia Analítico-Comportamental. Já possuía carreira e formação consistentes na área. Que contingências te levaram a se interessar pela Terapia Comportamental Dialética?
Jan: A primeira vez que eu ouvi falar da Terapia Comportamental Dialética (DBT) foi estudando a história das terapias comportamentais, quando eu estava tentando entender o porquê de tantos nomes, modelos, etc. (um produto disso é meu artigo “O lugar da terapia analítico-comportamental no cenário internacional das terapias comportamentais: um panorama histórico”). Inicialmente, ao ler uma descrição de apenas um parágrafo sobre o que era a DBT, eu torci o nariz, por falar em zen, mindfulness e todas essas coisas que costumam desagradar os analistas do comportamento Skinnerianos. Em paralelo aos meus estudos sobre a história da terapia comportamental, eu estava lendo muito sobre Prática Baseada em Evidências em Psicologia, tema do meu doutorado, e descobri algo impressionante sobre a DBT: ela era a ÚNICA terapia comprovadamente eficaz para indivíduos cronicamente suicidas e/ou com alta frequência de automutilação. Você sabia que, antes do surgimento da DBT, esses casos eram considerados por psiquiatras e psicólogos como intratáveis e incuráveis? No primeiro ensaio clínico randomizado que a Marsha Linehan fez sobre a DBT, ela recrutou os pacientes mais graves dos hospitais locais e teve uma taxa de sucesso impressionante. Era minha obrigação como psicólogo, como cientista e como ser humano conhecer melhor essa intervenção, fosse ela compatível ou não com o que eu acreditava ou com os fundamentos teóricos da minha prática. Afinal, como aprendi com Skinner, “ciência é a disposição para aceitar fatos mesmo quando eles são opostos aos desejos”.
Comporte-se: Muitos rotulam a “Terapia Comportamental Dialética” como uma abordagem “Cognitivo-Comportamental”, tomando como referência, inclusive, algumas passagens do site do The Linehan Institute ou o título de um dos principais livros da área, o “Terapia Cognitivo-Comportamental para Transtorno de Personalidade Borderline”. Por outro lado, muitos a consideram uma Terapia Comportamental. O que explica esta polêmica? E de qual vertente ela de fato mais se aproxima?
Jan: Essa é uma pergunta realmente difícil de responder. Por um lado, a Marsha Linehan e outras figuras importantes no desenvolvimento da Terapia Comportamental Dialética (DBT) afirmam que ela é embasada no behaviorismo, mas, por outro, a denominam cognitivo-comportamental. No Dialectical Behavior Therapy Intensive Training, formação oficial em DBT do Behavioral Tech – The Linehan Institute que estou cursando, meu treinador, Anthony DuBose, contou que ele perguntou para a Marsha por que o título do livro era “cognitivo-comportamental” se a terapia era comportamentalista radical, e ela respondeu que foi uma exigência da editora. Nesse sentido, vale lembrar que a denominação “terapia cognitivo-comportamental” costuma ser utilizada nos EUA como um termo guarda-chuva para abarcar diversas terapias (terapia cognitiva, terapia de aceitação e compromisso, terapia comportamental, etc.). Ainda assim, a resposta para essa pergunta continua difícil. A DBT tem como estratégia central a análise de contingências, mas, em situações específicas, faz uso da técnica de restruturação cognitiva. Isso a torna uma terapia cognitiva? E quando um terapeuta analítico-comportamental faz a mesma coisa e chama isso de “modificar o controle por regras”? Isso faz com que ele não seja um terapeuta cognitivo? Tentando responder a sua pergunta: talvez o que explique essa polêmica tenha mais a ver com a falta de clareza que a gente tem sobre as semelhanças e diferenças entre a prática das terapias comportamentais e a prática das terapias cognitivo-comportamentais. Note que estou falando de semelhanças e diferenças entre a prática e não entre as teorias.
Comporte-se: De seu ponto de vista, quais as principais semelhanças e diferenças entre a Terapia Comportamental Dialética e a Terapia Analítico-Comportamental brasileira?
Jan: Atualmente, não é possível dizer, porque a Terapia Analítico-Comportamental (TAC) não foi sistematizada e descrita de forma que seja possível estabelecer com clareza a sua identidade. Para entender melhor o que eu quero dizer, é importante entender a origem da TAC. No fim da década de 1960 e início da década de 1970, alguns psicólogos brasileiros com formação em análise experimental do comportamento começaram a transpor os princípios da análise do comportamento, incluindo as considerações de Skinner sobre comportamento verbal e subjetividade, para o ambiente de consultório, criando uma terapia fundamentada no behaviorismo radical. Em poucas palavras, analistas do comportamento brasileiros construíram uma prática clínica sem terem modelos, livros, supervisores, etc., o que hoje é chamada por alguns de Terapia Analítico-Comportamental (TAC), por outros de Terapia por Contingências de Reforçamento (TCR), e assim em diante. Sem dúvida, o esforço desses pioneiros (Luiz Otávio de Seixas Queiroz, Hélio Guilhardi, Rachel Kerbauy, Diana Laloni, Jaíde Regra, Vera Otero, Maly Delitti, Yara Ingberman, Sonia Meyer, Roberto Banaco, entre outros) é louvável. Contudo, os dados que coletei para minha tese de doutorado revelaram que a esmagadora maioria dos procedimentos de intervenção dessa terapia criada no Brasil a partir da transposição dos princípios comportamentais básicos não costuma ser descrita de forma que um leitor treinado seja capaz de replicá-los em uma pesquisa ou reproduzi-los em sua prática. Além disso, a transposição dos dados da ciência básica não é suficiente para fundamentar procedimentos de intervenção: estes precisam ser operacionalizados e testados empiricamente (essa questão é discutida com mais profundidade em um artigo que escrevi com a Prof. Sonia Meyer intitulado “Evidências de eficácia e o excesso de confiança translacional da Análise do Comportamento Clínica”, que será publicado neste ano pelo periódico Temas em Psicologia). Enfim, sem uma descrição meticulosa dos procedimentos da TAC, fica difícil saber qual é a relação entre ela e a DBT. Vale observar que os procedimentos da DBT já estão muito bem descritos, operacionalizados e sistematizados nos dois manuais, o que é fundamental para treinar profissionais a praticá-los com fidedignidade.
Comporte-se: Muitos analistas do comportamento brasileiros apresentam certa resistência à Terapia Comportamental Dialética, por considerá-la uma abordagem não behaviorista. Qual a sua opinião, enquanto Analista do Comportamento clínico e pesquisador, sobre esta resistência?
Jan: Lembra que eu te disse antes que, ao ler uma descrição de apenas um parágrafo sobre o que era a DBT, eu torci o nariz? Em primeiro lugar: não faça o que eu fiz naquela época, ou seja, não tire conclusões com base em leituras rasas ou no que você ouviu falar. Portanto, antes de ser resistente a essa terapia, aprenda o máximo sobre ela. Leia os textos que o Vinícius Dornelles escreve para o Comporte-se, leia livros introdutórios (como o “Doing Dialectical Behavior Therapy”, da Kelly Koerner) e leia os dois manuais que a Marsha Linehan escreveu (“Cognitive-Behavioral Treatment of Borderline Personality” e o “DBT Skills Training Manual”). Em segundo lugar, um analista do comportamento deveria ser, antes do que qualquer coisa, um cientista. E, para um cientista, as evidências empíricas deveriam ser soberanas. Em um artigo que estou preparando (que provavelmente vai chamar “Reflexões sobre o futuro da terapia analítico-comportamental no contexto da prática baseada em evidências”) com base na minha tese de doutorado, ofereço a seguinte reflexão: suponha a existência de dois tratamentos para câncer: o X teve eficácia de 95% nos ensaios clínicos randomizados, mas é totalmente ilógico do ponto de vista téorico; o Y é totalmente compatível com a teoria, mas nunca foi testado empiricamente. Qual desses tratamentos seria a melhor opção para um paciente oncológico? Duvido que alguém escolheria o Y. Será que não deveríamos aplicar o mesmo raciocínio para a DBT? Se alguém considera que a DBT é uma abordagem não behaviorista, será que não é o caso de olhar para os seus procedimentos, comprovadamente eficazes, e explicá-los com os conceitos behavioristas em vez de ignorá-los? Será que é ético não oferecer uma intervenção cientificamente comprovada para um cliente em profundo sofrimento porque eu acho que ela não é compatível com minha filosofia?
Comporte-se: Os recursos explicativos e terapêuticos da Terapia Comportamental Dialética podem contribuir de forma significativa com a prática do Terapeuta Analítico-Comportamental? De que forma?
Jan: Sim, sem dúvida. A Terapia Comportamental Dialética (DBT) é baseada em princípios terapêuticos e não em um protocolo rígido que precisa ser seguido sessão a sessão. Além disso, tais princípios foram muito bem descritos nos manuais da Marsha Linhean, o que torna possível saber o que fazer e quando fazer. Por exemplo, se você tem um cliente com déficit de habilidades sociais, o indicado é fazer um treino de habilidades sociais, certo? Muitos terapeutas fazem mais ou menos o que acreditam ser útil ou do jeito que aprenderam com seu supervisor. A DBT tem esse treino operacionalizado e um conjunto de handouts e worksheets para fazê-lo. O mesmo vale para situações em que o cliente está inclinado a fazer algo que não gostaria de fazer e simplesmente não consegue, como usar droga, se cortar ou agredir alguém. A DBT tem um conjunto de estratégias operacionalizadas para isso. Eu poderia dar muito mais exemplos, mas espero que tenha ficado claro que, sim, os recursos da DBT podem contribuir de forma significativa com a prática do Terapeuta Analítico-Comportamental.
Comporte-se: Você está participando do DBT: Treinamento Intensivo Brasil, desenvolvido em parceria pelo Behavioral Tech, The Linehan Institute, o GEP Personalidade e o InTCC. Esta é a formação oficial em Terapia Comportamental Dialética. Como está sendo a experiência?
Jan: A experiência está sendo excelente, pois o treinamento é muito completo. Na primeira parte (40 horas), realizada em outubro de 2015, os treinadores revisaram todos os aspectos teóricos da Terapia Comportamental Dialética (DBT) e apresentaram as estratégias de intervenção por meio de role-plays e gravações de sessões da própria Marsha Linehan, sempre conectando a intervenção com a teoria e, o mais importante de tudo, explicitando as evidências de eficácia. Para a segunda parte do treinamento (40 horas), a ser realizada em abril deste ano (2016), eu e meus colegas devemos apresentar os dados de uma intervenção “padrão” da DBT (terapia individual, treino de repertórios comportamentais em grupo, atendimento via telefone em momentos de crise e reunião semanal com uma equipe de terapeutas DBT), o que inclui escrever formulações de caso, conduzir o treinamento de habilidades, coletar medidas de efetividade, etc. Como você pode ver, o Dialectical Behavior Therapy Intensive Training do Behavioral Tech – The Linehan Institute é bastante exigente, o que, a meu ver, é fundamental para a formação de terapeutas realmente preparados para lidar com os diferentes tipos de caso.