Culturas, Práticas Culturais e Metacontingências: uma brevíssima introdução

“Pesca Artesanal”, originalmente retirada de Flickr.

Neste texto, introduziremos os principais conceitos envolvidos no estudo da cultura em análise do comportamento. Como se trata de um campo particularmente novo, alguns conceitos podem parecer confusos e complicados, deste modo, buscaremos apresentá-los de maneira mais simples e didática possível.

A partir do texto seminal “Seleção por Consequências” de Skinner (2007), entramos em contato com uma proposta evolucionista de análise do comportamento e da cultura, baseada no contínuo entre seleção natural filogenética, ontogenética e, por fim, cultural. Glenn (1986) propõe uma unidade de análise dos fenômenos culturais análoga à unidade de análise do comportamento operante. Deste modo, metacontingência está para unidade de análise da cultura, assim como contingência está para unidade de análise do comportamento operante. Desde 2004, com o trabalho de Vichi et. al. (2009, originalmente publicado em Vichi, 2004), houve a inauguração de um campo de estudo: pesquisas experimentais com metacontingência. Desde então diversas pesquisas vêm ocorrendo em número crescente dando maior sustentação às proposições teórico-conceituais de Glenn.

Uma cultura é um conjunto de diversas práticas culturais (Skinner, 2003; Dittrich, 2004; Fernandes & Carrara, 2015). Práticas culturais são conteúdos comportamentais e ambientais transmitidos através de gerações mantidas pelas suas consequências (Skinner, 1991, p. 75; Glenn, 2004, p. 140). Metacontingência é a unidade de análise do terceiro nível de seleção do comportamento. Segundo o esquema de Brunkow (2014, p. 85), temos pelo menos três tipos de práticas culturais descritas por Glenn e nem todas necessitam do uso de metacontingência como ferramenta de análise:

Sem títuloRetirado diretamente de Bruwkon (2014)

Assim, metacontingências não analisam práticas culturais. Metacontingência analisa a recorrência de Contingências Culturais Entrelaçadas (CCEs) e seus Produtos Agregados (PAs), que são selecionados por uma Consequência Cultural (CC) (Glenn, 2004; Tourinho e Vichi, 2012).

Macrocontingências, por sua vez, descrevem relações entre uma série de operantes recorrentes não entrelaçados que geram um Produto Cumulativo que não retroage na manutenção desses operantes. Os operantes envolvidos em uma relação de macrocontingência são mantidos por consequências individuais (Idem).

Retomando a discussão do esquema de Brunkow (2014), daremos alguns exemplos de práticas culturais como foi esquematizado, mas com um pequeno ajuste conceitual. As referências utilizadas por Brunkow não diferenciam Produto Agregado de Consequências Culturais. A partir do refinamento conceitual de Tourinho e Vichi (2012), compreendemos que em práticas culturais mais complexas envolvendo metacontingência o Produto Agregado tem natureza distinta da Consequência Cultural, enquanto práticas culturais menos complexas não há tal diferenciação.

Deste modo, propomos que os tópicos sejam renomeados funcionalmente da seguinte forma seguido de exemplos cotidianos para ilustrar:

  • Operantes Transmitidos: prática do uso de instrumentos musicais;
  • Operantes Similares Sem Produto Cumulativo: prática de exercícios físicos;
  • Operantes Similares Com Produto Cumulativo: uso de transporte individual com produção de acumulo de CO2;
  • Contingências Entrelaçadas Sem Recorrência: cerimonia de sepultamento de um parente próximo;
  • Contingências Entrelaçadas Com Recorrência: organização de aniversário de um parente querido.

Deste modo, temos um esquema atualizado de possíveis práticas culturais. Com o avanço das pesquisas experimentais, pode ser possível que outras reformulações conceituais e epistemológicas sejam necessárias. No entanto, alguns pesquisadores poderão defender que tanto operantes similares com ou sem produto cumulativo e contingências entrelaçadas sem recorrência não preencham os critérios de prática cultural pelo fato de que não tenha ocorrido em algum momento transmissão cultural entre gerações e/ou recorrência. É importante frisar que por “entre gerações” dizer respeito a qualquer forma de transmissão entre pares, podendo ser feito de um jovem para um idoso (ensino do uso de novas tecnologias) como de um idoso para um jovem (ensino de normais éticas e morais). O critério entre gerações não é a idade ou experiência entre os pares, mas se um aprender determinado padrão comportamental com outro, cujo repertório já estava instalado.

Sendo assim, buscamos atualizar brevemente o atual estado das discussões envolvendo a Análise do Comportamento da Cultura. Esperamos que este texto tenha ajudado a diminuir pequenas confusões conceituais e possibilitado aprendizado. Assim, finalizamos com a frase de Skinner (2003, p. 10) que parece bastante atual para nossos estudos:

“Se esta fosse uma questão meramente teórica, não haveria motivo pra alarde; mas as teorias afetam a prática. […] Confusão na teoria significa confusão na prática.”

REFERÊNCIAS:

Brunkow, F. (2014). Análise do comportamento e evolução cultural: relações entre as propostas conceituais de B. F. Skinner e S. S. Glenn. Dissertação de Mestrado. Curitiba: Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Paraná.

Dittrich, A. (2004). Behaviorismo Radical, Ética e Política: aspectos teóricos do comportamento social. Tese de doutorado. Universidade de São Carlos.

Fernandes, D. M.; Carrara, K. (2015). Uma análise comportamental da cultura é uma análise do que? Congresso Brasileiro de Terapia de Contingência de Reforço – Comunicação oral. Acessado em: www.congressobrasileirotcr.com.br/resumos2015/co-diegofernandes.html Em: 02/09/2015

Glenn, S. S. (1986). Metacontingencies in Walden Two. Behavior and Social Action, 5, 2-8.

Glenn, S. S. (2004). Individual behavior, culture, and social change. The Behavior Analyst, 27, 133-151.

Skinner. B. F. (2003). Ciência e Comportamento Humano, São Paulo: Martins Fontes. (Originalmente publicado em 1956)

Skinner, B. F. (2007). Seleção por conseqüências. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 9, 129-137. (Originalmente publicado em 1981).

Skinner, B. F. (1991). Questões recentes em análise do comportamento. Campinas: Papirus.

Tourinho, E. Z., & Vichi, C. (2012). Behavioral-analytic research of cultural selection and the complexity of cultural phenomena. Revista Latinoamericana de Psicologia, 44, 169-179.

Vichi, C. (2004). Igualdade ou desigualdade em pequeno grupo: Um análogo experimental de manipulação de uma prática cultural. Dissertação de mestrado, Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento, PUC-SP, São Paulo.

Vichi, C., Andery, M. A. P. A., & Glenn, S. S. (2009). A metacontingency experiment: The effects of contingent consequences on patterns of interlocking contingencies of reinforcement. Behavior and Social Issues, 18, 41-57.

0 0 votes
Classificação do artigo

Escrito por Denilson Paixao

Graduado pela Universidade Federal do Ceará - UFC, campus Sobral, tem se dedicado na atuação e pesquisa no campo da Saúde Pública e Assistência Sociais a partir da Análise do Comportamento. Recém-ingresso no Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento, na Universidade Federal do Pará - UFPA, com interesse em estudar Análise do Aplicada do Comportamento envolvendo Práticas Culturais e Saúde Pública. Não menos importante: fã de quadrinhos, RPG e literatura fantástica.

ABPMC disponibiliza as fotos do XXIV Encontro Brasileiro de Psicologia e Medicina Comportamental

Dica de leitura: Antropologia Cultural – Uma Perspectiva Contemporânea