“Os Métodos da ciência tem tido sucesso enorme onde quer que tenham sido experimentados. Apliquemo-los, então, aos assuntos humanos” Skinner (1953/2003).
A análise do comportamento nos esportes, ou, psicologia comportamental do esporte, como Garry Martin (2001) define a área, deu seus primeiros passos a partir da publicação do Verbal Behavior – Comportamento Verbal – de Skinner (1957), permitindo aos analistas do comportamento a extensão dos conceitos básicos de laboratório aos contextos aplicados e aos chamados comportamentos humanos complexos (Kazdin 1978; Cillo, 2002).
Estamos constantemente nos comportando e encontramos o comportamento humano em todos os espaços em que estivermos. Realizar e praticar atividades ou exercícios físicos também significa estar se comportando. No campo dos esportes, assim como em outros campos de trabalho do analista do comportamento, é comum trabalhar-se com comportamentos alvo, modificando as variáveis que exercem influência sob o mesmo e verificando eventuais mudanças de comportamento nos sujeitos envolvidos em determinada prática ou contexto esportivo.
O conhecimento da modalidade esportiva com a qual pretende-se trabalhar é um fator importante, porém, não conhecer a fundo não impede a atuação em psicologia do esporte, mas pode limitar a objetividade e efetividade dos trabalhos. Conhecer aspectos inerentes a tal modalidade permite ao Psicólogo Comportamental do Esporte maior especificidade no modo como lida e identifica problemas. Gomes (2003) indica a necessidade de um profissional em ciência esportiva, que pretende aplicar seus conhecimentos sobre uma modalidade, conhecer suas raízes, regras e outras idiossincrasias relacionadas a ela. Além do mais, prévio conhecimento do funcionamento institucional de uma modalidade permite maior compreensão do ambiente e regras em que um atleta e equipe, alvo de intervenção, estão inseridos.
“Se pudemos observar o cuidadosamente o comportamento humano, de um ponto de vista objetivo e chegar a compreendê-lo pelo que é, podemos ser capazes de adotar um curso mais sensato de ação” (Skinner, 1953/2003).
Ainda, segundo Skinner (1953/2003), o comportamento é uma matéria difícil não por ser inacessível e sim algo complexo, sendo um processo dependente de múltiplas variáveis e exige grande engenhosidade para sua observação. Logo, ter um bom conhecimento acerca do processo envolvido em determinada prática esportiva pode propiciar ao profissional do esporte vantagens na identificação das variáveis que exercem influência sob o comportamento alvo, melhorando o processo de planejamento e intervenção nos problemas passíveis de resolução presentes num contexto esportivo.
Tudo que aprendemos em nossas vidas, ou quase tudo, é proveniente de treino, aproximações sucessivas e suas consequências, sejam por regra ou contato direto com as contingências. Logo, aplicar conceitos da análise do comportamento nos esportes também é um treino, podendo exigir grande demanda de energia ou pode ser facilitada por condições antecedentes já estabelecidas, como as situações apontadas anteriormente. Comentaristas de futebol, por exemplo, podem não ter sido jogadores, porém, supõe-se que houve grande investimento em estudo e observação da modalidade. Por outro lado, podemos encontrar comentaristas de futebol narrando eventos de lutas, tecendo comentários sobre táticas e técnicas adotadas por um atleta que não são exatamente do modo como um estudioso no assunto as abordariam.
Um estudo publicado no Journal of Applied Behavior Analisys, de Harding et al (2004), teve como objetivo realizar intervenções em situação natural de treino, de forma experimental, trabalhando com variabilidade nas artes marciais. O primeiro objetivo do estudo foi determinar se o reforço para a variabilidade e a extinção para a não variabilidade resultariam em um aumento na diversidade técnica demonstrada pelo aluno de artes marciais durante o treinamento. Inicialmente o instrutor de artes marciais reforçava somente técnicas diferentes emitidas pelo aluno durante a sessão treino. Já o segundo objetivo foi avaliar se a variabilidade de repertório adquirido se generalizava para um contexto mais natural de competição, o sparing. Durante o treino de sparing os alunos não recebiam feedback algum de seus treinadores.
O primeiro autor do estudo, além de pesquisador, é faixa preta em Kempo com 25 anos de experiência em ensino de artes marciais. Os dois sujeitos do estudo receberam treinamento prévio na modalidade de arte marcial, durante cem horas, em um período médio de oito meses. As sessões foram conduzidas ao longo de três a cinco semanas, para ambos os sujeitos. Todas as sessões foram vídeo-gravadas para assim poder medir o comportamento dos alunos e instrutor. Cada sessão tinha a duração de aproximadamente 96 segundos por 3 minutos de descanso, a fim de evitar a fadiga dos sujeitos. Os pesquisadores elencaram um total de 28 técnicas diferentes para socos e 26 técnicas diferentes para chutes.
O procedimento foi o seguinte: Fase I – Linha de Base, os pesquisadores mediram a frequência da utilização dos movimentos de braços e pernas dos sujeitos, movimentos estes já instalados em seu repertório. Essa medição foi realizada durante o treino entre aluno e instrutor, na condição chamada de infiltração. O técnico permanecia em posição de defesa e em seguida simulava um ataque; cabia ao aluno desviar deste ataque e emitir um movimento de contra ataque, a infiltração.
Na Fase II – Reforço Diferencial mais Extinção – o objetivo foi avaliar se o feedback verbal após a emissão de uma técnica diferente por parte do aluno serviria de reforço e, assim, aumentar o número de diferentes técnicas emitidas. O procedimento foi semelhante ao método utilizado na fase I do experimento, mas após cada movimento novo – em uma sessão de vinte chances de contra ataque por parte do aluno direcionadas ao oponente – o sujeito recebia o feedback do instrutor.
Após esta fase foi verificado se o aumento na variabilidade de diferentes técnicas de chutes e socos emitidas pelo aluno era generalizado para a condição de simulação real de luta, o sparing. Testava-se assim, o segundo objetivo do estudo e não havia feedback dado pelo instrutor.
Para avaliar se ocorreu a variabilidade, os pesquisadores diferenciaram técnicas de chutes e socos e a infiltração. A linha de base do sujeito 1 mostrou, em média, a ocorrência 1,28% de chutes durante a infiltração e 1,16% durante o sparing. Durante Fase 2 (Reforço Diferencial mais a Extinção), o número de técnicas de chutes durante a infiltração foi de 7% e na condição de sparing 3%.
Já o sujeito 2, durante a linha de base, apresentou em media 6,4% de novos movimentos de chutes durante a infiltração e 3,75% durante o sparing. Na fase 2 o número de diferentes técnicas de chutes realizados em cada sessão aumentou tanto durante a infiltração, 8,62%, quanto na ocasião de sparing, 5,42%.
O estudo demonstrou, a princípio, que o feedback diferencial por parte do instrutor pode acarretar no aumento da variabilidade de golpes/movimentos emitidos pelos alunos, funcionando como reforço, e que essa condição pode ser generalizada para o contexto natural de luta, o sparing. Os autores explicitam que durante o experimento não foi possível isolar todas as variáveis envolvidas no ambiente dos alunos.
Considerações: O conhecimento prévio da modalidade pelo experimentador permitiu compreender aspectos relevantes que influenciam a eficácia dos treinamentos, e aspectos importantes que podem interferir no resultado de uma competição, além de identificar variáveis e criar um plano de intervenção. O estudo é o único publicado no Journal of Applied behavior Analisys que tem as artes marciais como modalidade esportiva. Por ser o único, pode ser a referência principal para outros estudos na área envolvendo essa modalidade.
Ainda com relação ao conhecimento prévio da modalidade, pode-se tecer questionamentos relevantes sobre o procedimento utilizado pelo autor, replicar o estudo integralmente, ou parcialmente, levando-se em consideração alguns questionamentos possíveis a conhecedores da modalidade e, talvez, refutar possíveis resultados experimentais. Por exemplo: “O técnico permanecia em posição de defesa e em seguida simulava um ataque; cabia ao aluno desviar deste ataque e emitir um movimento de contra ataque, a infiltração[1]” (Harding et all, 2004, p. 189) Na situação temos o instrutor emitindo uma resposta, resposta essa que serve como estímulo discriminativo para o sujeito emitir determinada resposta. O ponto crítico desta situação é: Na descrição do experimento não fica claro se houve randomização dos tipos de golpes/movimentos executados pelo instrutor, pois, a depender do estímulo discriminativo o número de opções de respostas do sujeito pode sofrer alterações, não sendo mais o total de 28 técnicas diferentes para socos e 26 técnicas diferentes para chutes, influenciando os percentuais de variabilidade descritos nos resultados do artigo.
Por fim, o desenvolvimento constante das áreas das ciências atualmente tem exigido cada vez mais esforços dos pesquisadores para que se alcance cada vez mais especificidade em determinados assuntos humanos, contribuindo com peças mais precisas desse grande quebra cabeça. Vale ressaltar também que nem sempre pesquisas mostram resultados ou relações que respondam questionamentos acerca dos assuntos humanos, a simples descrição de problemas pertinentes e procedimentos criados para a resolução de problemas permitem à comunidade científica um direcionamento e caminhos que possam ser traçados no planejamento e desenvolvimento científico.
Referências
Cillo, E.N.P. (2002). Psicologia do Esporte: conceitos aplicados a partir da Análise do Comportamento. Em Adélia Maria dos Santos Teixeira (org.) Ciência do Comportamento: conhecer e avançar, volume 1, ESETec, Santo André/SP,119-137.
Gomes, F. Psicologia dos Esportes de Combate e Artes Marciais; in: Rubio, K. Psicologia do Esporte: Teoria e Prática. São Paulo, SP: Ed. Casa do Psicólogo, 2003.
Harding, J. W.; Wacker, D.P.;Berg, W. K.; Rick, G.; Lee, J. F. (2004) Promoting Response Variability and Stimulus Generalization in Martial Arts Training. Journal of Applied Behavior Analysis, v. 37, n. 2, p. 185-195.
Kazdin, A. E. History of behavior modification: Experimental foundations of contemporary research. University Park Press, 1978.
Martin, G. L. (2001) Consultoria em Psicologia do Esporte. Orientações práticas em análise do comportamento. Campinas, SP: Instituto de Análise do Comportamento.
[1] Palavra traduzida literalmente do inglês, o que pode ser entendido como quebra de guarda ou quebra da posição de defesa do técnico.