A história começa assim:
“Joana é uma mulher ativa, brilhante e está no auge da sua carreira como professora. Tem mantido uma rotina disciplinada no trabalho, unido à paixão pelos esportes: ela pedala, caminha e faz academia. Tem um filho de 3 anos e um casamento promissor. Quem a vê de fora a julga como determinada e resiliente. Mas Joana vem se sentindo exausta devido a rotina puxada – e isso acaba trazendo uma instabilidade no seu humor, além de sintomas de cansaço e ansiedade excessiva. Nos últimos tempos, notou que o seu trânsito intestinal já não é o mesmo. Sente-se constipada, com distensões no abdome e volta e meia percebe dores no estômago e no intestino. Devido a rotina puxada, toma alguns analgésicos e deixa isso pra lá. Mas as dores se acentuam e começam a controlar seu dia a dia. Já não consegue mais ter a mesma produtividade, e a dor a incapacita cada vez mais.
Decide então ir a um gastroenterologista. Bateria de exames. Idas e vindas ao médico. Finalmente, o médico a diagnostica: “Ao que tudo indica, você tem a síndrome do intestino irritável (SII). Essa condição é crônica e você vai precisar se adaptar a isso. Vou te prescrever alguns remédios ajudar na analgesia. A eficácia deles vai depender da adaptação do seu corpo.”
Joana sai desolada do consultório. Ela pensa: “Como assim? A um mês atrás eu era saudável e agora preciso lidar com isso… pra sempre?” E assim a sua vida desanda. E como a vida desanda, a dor também se intensifica. A SII tende a piorar em momentos de vulnerabilidade emocional. Joana já não consegue lidar com as tarefas do dia a dia porque tem muitas dores e foca muito na presença delas. A disciplina dá lugar a insegurança e aos poucos as consequências dos sintomas recorrentes vem à tona: a credibilidade no trabalho não é a mesma; já não tem mais força de vontade para se dedicar aos esportes; não consegue passar um tempo de qualidade com a família porque volta e meia se sente mal; comer fora de casa já não é uma opção. Ficar na cama parece mais confortável e a esquiva de experiências se torna uma aliada. Joana já não sente interesse em sair de casa ou se divertir, porque como ela mesmo diz: “Já não sei mais o que viver com a ausência da dor.”
Sintomas ansiosos e depressivos se tornam familiares e então ela decide: “ir à terapia para compreender e aceitar esse novo estilo de vida é o melhor que posso fazer por mim.”
A dor crônica é uma conjuntura complexa que vai além das dimensões puramente físicas, sendo definida pela International Association for the Study of Pain [3] como uma condição desagradável em relação às sensações e emoções, originada por um dano que pode causar incapacidades significativas que prejudicam consideravelmente a qualidade de vida do indivíduo. Segundo Roma III [4], é uma condição biopsicossocial, em que as disfunções verificadas no intestino são o resultado final da ligação entre cérebro e intestino, modificada por fatores sociais, ambientais e psicológicos.
Em contraponto, Cremonini & Talley [1] apontam que a síndrome do intestino irritável (SII) é um distúrbio gastrointestinal caracterizado por hábitos intestinais alterados (diarreia e/ou constipação), dor abdominal intermitente e outros sintomas gastrointestinais como inchaço e flatulência na ausência de anormalidades estruturais detectáveis no intestino. Essa síndrome não tem “cura” e é necessário fazer uma mudança no estilo de vida e nos hábitos alimentares a fim de diminuir os sintomas presentes – que variam de indivíduo para indivíduo.
A aceitação da dor é um conceito fundamental na Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT). Essa ideia se baseia na compreensão de que a dor crônica muitas vezes não pode ser completamente eliminada e que a resistência ou a tentativa de suprimi-la podem levar a um aumento no sofrimento e na incapacidade. É importante ressaltar que a aceitação da dor não significa resignação ou passividade. Hayes, Strosahl e Wilson [2] pontuam que, ao contrário disso, a aceitação é uma abordagem ativa que envolve a escolha consciente de não lutar constantemente contra a dor, mas sim aprender a viver bem apesar dela. Para muitas pessoas com dor crônica, a aceitação da dor pode ser uma parte fundamental do processo de recuperação e da melhoria da qualidade de vida.
Isso envolve reconhecer que a dor a dor crônica é uma parte da vida da pessoa. O sofrimento pode surgir em resposta à dor, como a preocupação constante, a frustração, a tristeza e a ansiedade relacionadas a ela. Aceitação não é ceder, mas sim entender que esse é um processo contínuo – e não constante. Estar aberto em relação as variáveis da vida que não conseguimos controlar, e entendendo que o próprio processo de aceitação pode ter altos e baixos, é o que faz do processo de aceitação um enlace do viver a vida, momento a momento. [2]
O desenvolvimento de uma resposta compassiva em relação a si mesmo torna-se um dos alicerces para viver uma vida valorosa. Isso significa tratar-se com bondade e compaixão, reconhecendo que a aceitação não é tolerância e sim uma técnica ativa, sugerindo que há algo significativo no ato de sentir o que tem que ser sentido. Posto isso, a aceitação da dor ajuda a pessoa a se adaptar e a ser mais flexível em relação às limitações impostas pela dor. Isso pode envolver a busca de novas maneiras de realizar atividades, ajustar expectativas e aprender a conviver com a dor de maneira menos angustiante. É uma escolha baseada em valores, em que nos permitimos sentir o que a vida nos apresenta como possibilidades. [2]
Assim como o caso fictício da Joana, cerca de 10% a 20% da população mundial apresenta esse distúrbio intestinal, sendo prevalente em mulheres [1]. Há uma redução na qualidade de vida e os sintomas psicológicos não só são considerados como antecessores dos sintomas, mas também como consequências potenciais do desconforto que o quadro traz. A psicoeducação acerca da patologia e o trabalho terapêutico vinculado a aceitação tornam-se essenciais para equilibrar a qualidade de vida dos portadores.
REFERÊNCIAS
[1] CREMONINI, F.; TALLEY, N. J. Irritable bowel syndrome: epidemiology, natural history, health care seeking and emerging risk factors. Gastroenterol Clin North Am: 2005.
[2] HAYES, S. C.; STROSAHL, K. D.; WILSON, K. G. Terapia de aceitação e compromisso: o processo e a prática da mudança consciente. Porto Alegre: 2021.
[3] LOESER, J. D.; TREED, R. D. The Kyoto protocol of IASP basic pain terminology. Pain: 2010.
[4] J NEUROGASTROTEROL MOTIL. Syndrome: A Community Based Study From Northern India. 2011.