Possíveis impactos da FAP nos atendimentos de um terapeuta analítico-comportamental

Qualquer psicoterapia entendida e designada como comportamental deve seguir as mesmas bases epistemológicas e filosóficas pautadas no Behaviorismo Radical de Skinner. Tal teoria é uma forma de se fazer psicologia em que, essencialmente, coloca muito do que a chamada psicologia mentalista interpreta como causalidade para as ações de um ser humano como algo produzido e selecionado pela inter-relação de um organismo com seu ambiente. Isso dá a eventos internos como pensamentos, sentimentos e sensações a mesma natureza que eventos públicos (Skinner, 1959). 

            Ainda que Skinner nunca tenha atuado com clínica, ele foi um dos autores que pensou sobre relação terapêutica a partir de uma perspectiva funcionalista e seleção por consequências. É claro que entendendo a psicoterapia como uma agência de controle comportamental e tendo o enfoque em auxiliar os psicólogos mentalistas a olharem para o próprio atendimento com caráter mais funcional do que topográfico. E nesse tema a Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) exerce sua maior contribuição (Callaghan, 2006; Kohlenberg & Tsai, 2006; Tsai et al, 2011;  Pezzato et al, 2012; Holman et al, 2022). 

            Para se discutir o impacto que o enfoque na relação terapêutica pode ter no atendimento de um terapeuta comportamental, é necessário entender algumas diferenças que a TAC e a FAP podem ter entre si. 

            A TAC tem como foco o conteúdo da fala que o cliente produz em sessão. Em última instância, analisa-se funcionalmente o conteúdo da fala do cliente sobre aspectos ocorridos fora da sessão, entende-se como o que o cliente sente, pensa, lembra, diz, sonha se relaciona com aquilo que ele vivencia e busca-se formas de modificação de comportamento no que diz respeito aos déficits ou excessos comportamentais por meio de uma avaliação com base na função do comportamento do cliente em sua relação consigo mesmo e com outros (Follette et al, 2009). O diagnóstico do cliente também é feito de maneira a entender como diversos comportamentos do cliente prejudicam ou não a si mesmo e a outros (Skinner, 1959; Follette et al, 1999). 

            Quando se fala de relação terapêutica, por outro lado, a TAC reconhece sua importância, mas não tem um foco nisso. Não há um olhar diferencial para comportamentos que o cliente emita em sessão que podem estar funcionalmente relacionados aos comportamentos que o cliente relata em sessão que aconteceram fora do setting terapêutico e é aqui que os diferenciais da FAP adentram à discussão. 

            A FAP trabalha com a ideia de contextos funcionalmente similares, isto é, o terapeuta deve utilizar a relação terapêutica como o contexto para evocar comportamentos-problema e para oportunizar o desenvolvimento de repertórios de melhora daquilo que é demanda para o cliente (Kohlenberg & Tsai, 2006; Tsai et al, 2011; Holman et al, 2022). 

            A FAP entende que dois conjuntos de estímulos deveriam controlar o comportamento do terapeuta em relação ao cliente em sessão: Conteúdo e Processo Interpessoal. O primeiro conceito é o conteúdo da fala do cliente, tal qual explicitamos quando discorremos um pouco sobre a TAC. O segundo conceito é justamente a forma como o terapeuta e cliente interagem enquanto o cliente fala sobre o conteúdo. O processo interpessoal é o que nos dá pistas de quais contingências estão operando sobre os comportamentos do cliente no que diz respeito à taxa de frequência de comportamentos-problema (CRBs1) e comportamentos de melhora (CRBs2) bem como seus correspondentes funcionais fora da sessão. 

            Estar consciente do processo interpessoal é o que permite que o terapeuta esteja atento ao momento presente da sessão com o cliente, modelando comportamentos de melhora no aqui e agora. A FAP mostra o poder do reforço que Skinner sempre descreveu em sua obra (Skinner, 1938; Skinner, 1953; Skinner, 1957; Skinner & Ferster, 1957; Skinner, 1969; Skinner, 1974; Skinner, 1989), mas aplicado ao contexto clínico, lidando com problemas do dia a dia que ocorrem em sessão, com foco na função e não na topografia deles e também trabalhando com a modelagem de respostas ao invés de descrições das mesmas para os clientes. 

            FAP é o foco total na análise funcional do comportamento do cliente na interação com o terapeuta pautados em contextos funcionalmente similares que mostram que os problemas que acontecem fora da sessão acontecerão na relação com o terapeuta e que melhoras que ocorrerem em clínica poderão ser generalizadas para o contexto externo à clínica (Kohlenberg & Tsai, 2006). 

            A FAP traz a oportunidade para que o atendimento de terapeutas TAC se torne ainda mais rico e eficiente. Trazem a base para uma análise funcional ainda mais poderosa e eficaz. Modela-se comportamentos por meio das análises funcionais do que só se analisa funcionalmente comportamentos do cliente com ele. 

            Ao contrário, na FAP só se traz a análise funcional do cliente para ele se isso for evocar comportamento de melhora. Caso seja um cliente que racionaliza tudo para esquivar-se de vivenciar contingências, trazer análises funcionais de forma desavisada pode ser arriscado por poder reforçar positivamente comportamentos inadequados que o mantenham se esquivando de viver. 

            A FAP é indubitavelmente uma terapia behaviorista radical. Aliás, se o leitor me permitir uma opinião puramente pessoal, considero que se Skinner tivesse pisado numa clínica ele teria escrito algo muito parecido com o que conhecemos da FAP (claro que sem termos middle-level como ‘consciência, coragem e amor’ aos quais também tenho críticas, mas que fica para outro texto!). 

            FAP é pura análise funcional no objetivo mais genuíno de construir com o cliente uma vida que para ele valha a pena ser vivida, tal qual Skinner sempre defendeu em toda sua obra. Acredito que um terapeuta TAC que se permite beber na fonte da FAP está se permitindo beber de mais Skinner no que diz respeito à análise funcional, previsão e controle, mas utilizando-se da relação terapêutica como o lugar para a ocorrência de mudança de comportamento. 

Referências

Callaghan, G. M. (2006) The funcional idiographic assessment template (FIAT) System. The Behavior Analyst Today. 7 (3), pp. 357-398. 

Follette, W. C.; Naugle, A. E.; Linnrooth, P. J. (1999) Functional alternatives to tradicional assessment and diagnosis. In M. J. Dougher (ed.) Clinical Behavior Analysis. Nevada: Context Press. 

Holman, G.; Kanter, J.; Tsai, M.; Kohlenberg, R. (2022) Psicoterapia Analítica Funcional Descomplicada. Novo Hamburgo: Sinopsys Editora.

Kohlenberg, R.; Tsai, M. (2006) FAP – Psicoterapia Analítica Funcional: criando relações terapêuticas intensas e curativas. Santo André: ESETec Editores Associados.

Pezzato, F. A.; Brandão, A. S. B.; Oshiro, C. K. B. (2012) Intervenção baseada na psicoterapia analítica funcional em um caso de transtorno de pânico com agorafobia. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva. Vol 14, n 1, São Paulo. 

Skinner, B. F. (1938) The Behavior of Organisms. New York: Copley Publishing Group. 

Skinner, B. F. (1953) Science and Human Behavior. New York: MacMillan.

Skinner, B. F. (1957) Verbal Behavior. New York: Appleton-Century-Crofts.

Skinner, B. F.; Ferster, C. B. (1957) Schedules of Reinforcement. New York: Appleton-Century-Crofts. 

Skinner, B. F. (1959) Operational Analysis of Psychological Terms. In Skinner, B. F. (1959) Cumulative Record: definitive edition. New York: Copley Publishing Group. 

Skinner, B. F. (1969) Contingencies of Reinforcement: a theoretical analysis. New York: Appleton-Century-Crofts. 

Skinner, B. F. (1974) About Behaviorism. New York: Vintage Books.

Skinner, B. F. (1989) Recent Issues in the Analysis of Behavior. Ohio: Merrill Publishing Company. 

Tsai, M.; Kohlenberg, R. J.; Kanter, J. W.; Kohlenberg, B.; Follette, W. C.; Callaghan, G. M. (2011) Um Guia para a Psicoterapia Analítica Funcional (FAP): consciência, coragem, amor e behaviorismo. Santo André: ESETec Editores Associados.

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Classificação do artigo

Escrito por Renan Miguel Albanezi

Graduado em Psicologia pelo Centro Universitário Cesumar (UniCesumar), especialista em Análise do Comportamento e Psicoterapia Cognitivo-Comportamental pelo Núcleo de Educação Continuada do Paraná (NECPAR) e em Terapia Comportamental pela Universidade de São Paulo (USP). Tem como principais áreas de estudo o Behaviorismo Radical e a Análise do Comportamento com interesse em comportamento verbal, agências controladoras do comportamento, psicoterapia comportamental e psicoterapia analítica funcional.

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