Afastamento entre os casais e seu ciclo autoperpetuador

Não é incomum a chegada de queixas acerca de relacionamentos conjugais nos consultórios de Psicologia. Ainda que a terapia seja individual, inúmeras vezes a narrativa será perpassada por problemas cotidianos, que continuamente vão se repetindo, se acumulando e se tornando um gigantesco looping na vida conjugal.

Os temas que geram desencontros variam mas, em geral, os comportamentos tendem a travar diante de um mesmo tópico: comunicação. Afinal, com a comunicação desajustada, se fecha a possibilidade de propostas, sugestões ou acordos. Esse afastamento abre brechas para que cada parceiro fique cada vez mais preso as suas próprias emoções, em geral representando um processo de esquiva experencial, bem como perpetue e se prenda a narrativas de seus pensamentos, fusionando-se aos mesmos. Isso tende a deixar os parceiros cada vez mais distante dos propósitos e valores que um dia os uniu. Além disso, esse ciclo também os deixa muito pouco sensíveis ao momento presente ou a qualquer possível movimento “positivo” do parceiro em prol da relação, bem como muito pouco engajados a qualquer ação própria de mudança. Por fim, pré concepções a respeito de si e do próprio modo de agir, bem como visões do outro e do seu jeito de reagir também podem se tornar ainda mais cristalizadas.

Um ponto que tende a manter esse ciclo autoperpetuador de afastamento entre os casais é a mistura dos conceitos de valores com sentimentos. Isso porque “sentimentos não estão completamente sob controle voluntário e tendem a ir e vir”, (Hayes, Strosahl & Wilson, 2021, pág 240) enquanto valores são voluntários e direcionam em prol de uma vida significativa. Em outras palavras, “precisamos aprender a valorizar mesmo quando não gostamos, a amar mesmo quando estamos com raiva e a cuidar mesmo quando estamos aflitos” (Hayes, Strosahl & Wilson, 2021, pág 240).

Dessa forma, para reconectar a comunicação entre os parceiros será necessário um ajuste não apenas comportamental, como treino de habilidades assertivas (na forma e no conteúdo de expressar os próprios anseios, pedidos e opiniões), mas também se faz necessário ajustes cognitivos e emocionais. Esse tende a não ser um caminho muito linear, pois se dar conta dos próprios valores e de uma vivência afastada deles é em si algo doloroso. Ademais, viver uma vida significativa não é um lugar a que se chega, e sim um lugar que se vai em direção, o que nos lembra que, da mesma forma, viver um relacionamento a dois satisfatório e saudável não é um estado fixo e linear, e sim um exercício contínuo, em que se deve continuamente investir e cuidar.

Esse exercício contínuo não é somente em direção ao outro e à relação, mas principalmente um exercício de se abrir a uma verdade dura e inevitável: “o amor nos deixa vulnerável”. (Harris, 2009, pág 2). Ou seja, ao nos relacionarmos, entraremos em contato com uma dança em que teremos momentos lindos, afetivos e aconchegantes, bem como momentos duros, estressantes e dolorosos. Portanto, para se viver uma vida amorosa efetivamente integral será preciso se abrir à realidade da experimentação de inúmeras emoções, e será preciso se acostumar com a normalidade de tal experiência.

Referências Bibliográficas

Harris, R. (2009). Act with love. New Harbinger Publication, Inc.

Hayes, S.C., Strosahl, K.D. & Wilson, K.G. (2021). Terapia de aceitação e compromisso. O processo e a prática da mudança consciente. Porto Alegre: Artmed

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Escrito por Mariana Poubel

Graduada em Psicologia pela UFRJ (2012) e mestre em Saúde Mental pelo IPUB/UFRJ (2015). Fez curso de formação em Terapia Cognitivo Comportamental para adultos e infanto juvenil, curso de capacitação em análise do comportamento e formação em terapias contextuais.
Atua como terapeuta, supervisora e mentora.

Email para contato: marianapoubel@gmail.com

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