Coerção social – uma leitura da atualidade

Giovana Pagliari
Lucas Barbosa dos Santos
Vinicius Camargo

“Se uma espécie não pudesse fazer uso de indicações ambientais para reforçamento e punição, ela não sobreviveria por muito tempo” (SIDMAN, 2009, p. 97).

A coerção é definida por Sidman (2009), como o controle comportamental exercido pelo reforço negativo e punição. O homem sempre teve que aprender a lidar com coerção, lidar com frio, calor intenso, fome, predadores, doenças. A partir dessas dificuldades, adquirimos repertórios adaptativos como:  a construção de uma casa para proteger do frio, uso de vacinas para evitar doenças, aquisição de hábitos higiênicos, ir à sombra de uma árvore para evitar o calor, são inúmeros comportamentos para reduzir o desconforto.

Abib (2001) afirma que sinais prévios de situações aversivas ou reforçadoras, como a presença de um predador ou parceiro sexual, fortalecem por sua consequência os comportamentos preliminares que podem evitar/fugir de um confronto bem como conduzir a presença do parceiro sexual, tornando-se reforçadores derivados dos reforçadores primários (água, abrigo, sexo, entre outros). Pode-se então observar que a cultura humana está permeada por estes reforçadores derivados, sendo eles elogios, dinheiro, status, entre outros.

Com o passar dos anos, o desenvolvimento tecnológico contribuiu para um contexto mais refinado de comportamentos com função de reforço negativo, por exemplo a utilização de carros para facilitar deslocamento, internet para facilitar a comunicação, roupas de marca para proteção e maior valorização social. A aquisição de bens tornou-se não apenas uma forma de reduzir componentes ambientais aversivos (frio, chuva, calor), adquiriu uma função de reforço positivo em ambiente social. O consumo então tornou-se algo desejado, valorizado, sendo considerado como uma forma de avaliar o sucesso de uma pessoa e das organizações. Cria-se o julgamento social de que: quanto mais se tem, mais adaptado o sujeito é.

Cabe salientar que, o imediatismo é o que torna efetivo o reforço ou punição empregado. A cultura como ambiente de seleção comportamental também evidencia esse funcionamento herdado da filogenia, mesmo que agora não haja uma relação direta entre algumas práticas culturais e a sobrevivência. Como por exemplo, o uso de objetos de luxo como roupas de marca e o tabagismo, ambos sem relação de sobrevivência e com relação cultural (Abib, 2001).

É comum a busca por trabalho mais remunerado, sendo menos valorizada a função do trabalho que vai ser feito. As jornadas de trabalho, adquiriram também um valor social, o salário determina o valor de compra do indivíduo, sendo seu cargo um medidor comum de seu poder aquisitivo. Grandes organizações bancárias dedicam-se a diferenciar seus clientes em grupos, ofertando inclusive agências exclusivas para clientes com alto valor de giro monetário.

Apesar do grande desenvolvimento tecnológico, o temor social ainda está ligado a fome, ao teto, educação e à saúde, ou o que se aproxima a esses estímulos. A aquisição de bens tornou-se uma forma de proteção a estes temores que perpassam a história. Sidman (2009) ainda ressalta que, não apenas a miséria é evitada, como os estímulos que se aproximam dela, sendo frequentemente evitados contextos que evidenciem sua existência. Um exemplo é a segregação de grupos com vulnerabilidade social acentuada para locais afastados dos grandes centros, utilização de carros de marca, roupas de grife e comidas consideradas as mais saudáveis e refinadas.

Faz-se comum a escolha dos jovens estudantes por cursos superiores considerados socialmente como potenciais à estabilidade financeira e sucesso profissional. Instalando assim uma cultura de profundo repertório de reforço negativo e punição, sendo a função da escolha ligada ao julgamento social e não às preferências do sujeito. 

Skinner (1978) enfatiza que, é necessário fortalecer práticas culturais que promovam a sobrevivência do indivíduo e da cultura, enfatizando o valor da cooperação e do apoio sendo demonstrado facilmente. Este pensamento não colocaria nações em guerra ou evidenciaria contextos competitivos por status, poder ou dinheiro. Pelo contrário, tornaria a vida em sociedade um ambiente mais reforçador, trazendo por consequência maiores possibilidades de sobrevivência cultural.

Alternativas para este panorama social seria o aprendizado de repertórios de autoconhecimento direcionado ao sujeito, validando suas habilidades e preferências pessoais (Sidman, 2009). Reformulando a visão do que é almejado socialmente e trazendo o foco para o indivíduo, sua própria satisfação, saúde, bem-estar. Esta visão consideraria os valores e potencialidades pessoais, não o limitando a apenas reproduzir um comportamento considerado de sucesso na sociedade atual no qual o indivíduo é valorizado apenas por seus bens, ou pelo que aparenta ter. Uma vida direcionada ao ser, onde ter não é suficiente para suprir o sentido de suas ações e existência.

Referência:

ABIB, J. A. D. Teoria Moral de Skinner e Desenvolvimento Humano. Psicologia: Reflexão e Crítica. 14(1), pp.107-117, 2001.


SIDMAN, M. Coerção e suas implicações. Trad.: ANDERY, M.A. SÉRIO, T.M. Ed. Livro Pleno, 2009.

SKINNER, B. F. Reflections on behaviorism and society. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1978.

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Escrito por Giovana Pagliari

Mãe de 4 cachorrinhas lindas, adora falar - ainda mais quando o assunto é: obesidade, memória, maternidade. Prioriza um olhar humano que seja integral, não dispensa uma boa conversa entre a fisiologia e a AC. Seus textos são rechados de ACT e por vezes, gosta de explorar temas que podem parecer simples, mas são fundamentais para compreensão dos processos clínicos.

Graduada em Psicologia. Pós-graduada em Fisiologia Translacional. Co-autora no capítulo "Comportamentos Suicidas". Formação em Terapia de Aceitação e Compromisso (Operantis). Realiza atendimento psicológico e avaliação psicológica para procedimentos cirúrgicos em Cambé-PR, também realiza psicoterapia on-line.
E-mail: giovanapagliari.gp@gmail.com
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