No campo da intervenção com pessoas com TEA (Transtorno do Espectro do Autismo) cada vez mais as famílias têm apresentado interesse na equipe multidisciplinar. Essa condição é explicada pela especificidade de cada profissional contribuindo para o desenvolvimento de diferentes áreas do desenvolvimento. Referimo-nos aqui, principalmente, às especialidades dos profissionais da Fonoaudiologia, Psicopedagogia, Terapia Ocupacional e Educação Física. No Grupo Gradual as intervenções desenhadas por esses profissionais são realizadas em parceria com o Analista do Comportamento por meio do que denominamos “Costura Analítico-Comportamental”, já que são utilizados em todos os currículos das diferentes especialidades esquemas de reforçamento variados, ensino por tentativas discretas e/ou naturalísticos, hierarquia de dicas e utilização constante de registros para coleta de dados.
Neste artigo o objetivo é evidenciar práticas relacionadas com a especialidade do profissional da Educação Física na parceria supracitada com o Analista do Comportamento. Tendo em vista que a principal característica da educação física consiste em otimizar o desenvolvimento do movimento corporal, expondo o indivíduo a variadas situações inéditas ou similares a outras já vividas, podemos afirmar que “O desenvolvimento motor é a mudança contínua do comportamento motor ao longo do ciclo da vida, provocada pela interação entre as exigências da tarefa motora, a biologia do indivíduo e as condições do ambiente”. (Gallahue, D. L., Ozmun, J. C. e Jackie D., 2013, p.21).
Pensando em promover tais situações, os profissionais de educação física criam estratégias variadas com objetivos específicos na aprendizagem do aluno. Estes procedimentos podem ser entendidos também como variabilidadesde situações, sejam elas no esporte, lazer ou educação. A versatilidade é um fator importante para o aumento de repertório do indivíduo, oferecendo ao aluno uma gama de experimentações tanto de ambientes variados, como também de pessoas e objetos, resultando em vivências de novas situações e ganho de motivação.
Neste artigo vamos focar em uma das áreas de atuação da Educação Física: o esporte no qual são proporcionadas atividades e exercícios com envolvimento de habilidades sociais, capacidades motoras e cognitivas, regras instituídas por uma confederação regente e competitividade entre praticantes.
Segundo Tubino (2001) em Dimensões Sociais do Esporte, acredita-se que o esporte pode ser dividido em três pilares principais: esporte educacional, esporte de participação e esporte de rendimento.
No campo da educação escolar, o desenvolvimento motor oferece um conjunto de benefícios sociais, educacionais e para a vida, acompanhando a criança e o jovem praticante de exercício físico de forma sistematizada. As oportunidades de conexões com colegas, professores, treinadores e adultos na escola e na comunidade, proporcionam ricas experiências.
No ambiente escolar a Educação Física deve disponibilizar ao aluno um maior número de possibilidades, através de desafios corporais que envolvam ações cognitivas, afetivas e motoras de maneira conjunta, e não apenas explorando o corpo de maneira isolada. Isso porque entendemos que o ser humano é integrado à comunidade em que vive e o corpo é a porta de entrada para o avanço de suas habilidades.
Em uma das atuações da recreação e lazer a Educação Física se configura como estratégia de tempo, espaço e práticas realizadas na escola, sobretudo nos momentos vagos entre atividades obrigatórias, tendo como objetivo alvo: “estimular o corpo e o social mediante a escolha seleta das brincadeiras, exercícios e distrações” (Lamartine, 1989, p. 183); busca alterar o estado psicológico do participante, tendo o caráter hedonístico, sempre ligada ao prazer, alegria e descontração.
No contexto de variabilidade de materiais, ambiente e pessoas, a educação física em sua magnitude, vem apresentado papel fundamental como instrumento de generalização de repertórios comportamentais.
Os critérios diagnósticos identificados no DSM-V para o TEA norteiam prejuízos na esfera da comunicação social e padrões restritos ou repetitivos de comportamento. Assim, a ampliação e generalização do repertório de pré-requisitos é fundamental para o desenvolvimento desta população. Durante toda a intervenção multidisciplinar no tratamento do TEA, a equipe deve se preocupar com a generalização das habilidades aprendidas em contextos terapêuticos para ambientes progressivamente menos estruturados e mais naturais. Afinal, o objetivo não é que a criança consiga se comunicar, socializar, brincar e executar atividades acadêmicas apenas no contexto terapêutico. O foco principal da intervenção deve ser garantir a emissão de novas habilidades aprendidas nos contextos naturais da vida da criança, isto é, casa, escola, passeios com familiares e amigos, viagens, etc. Baer, Wolf e Risley (1968) descrevem o termo generalização como a manutenção do repertório adquirido no tempo, com diferentes pessoas e em diferentes ambientes. Assim, o Analista do Comportamento, comprometido com a Ciência Comportamental, deve, invariavelmente, programar a generalização, garantindo intervenção em outros ambientes, com outras pessoas e outros estímulos. Segundo os autores, o planejamento da generalização deve ser feito entre: a) ambientes, ou seja, planejar estímulos nos ambientes naturais que evoquem ou facilitem a emissão das respostas aprendidas no ambiente terapêutico, b) entre pessoas, isto é, orientar e treinar familiares e profissionais do convívio da criança para que estes estimulem a emissão de respostas aprendidas com o terapeuta e c) entre estímulos, variando as dimensões de estímulos utilizadas no ensino, para que a criança não aprenda a responder de forma restrita, ou seja, somente aos estímulos utilizados na terapia.
Alguns dos procedimentos de aprendizagem oriundos da análise do comportamento aplicada (ABA) e muito utilizados no ambiente terapêutico são conhecidos por ensino por tentativas discretas, ensino pivotal (Steiner, Gengoux, Klin e Chawarska, 2013) e ensino naturalístico. Todos eles buscam ensinar novas habilidades através de treinos e programas específicos. Estas habilidades estão representadas na imagem abaixo (Maurice, Green e Luce, 1996).
Pensando em algumas atuações presentes no âmago da educação física (esporte, educação e lazer), é possível a generalização dos pré-requisitos citados acima, tendo a prática motora alicerçada com a costura comportamental.
Seguem algumas situações práticas nas quais a educação física generaliza repertório de pré-requisitos:
No contexto apresentado neste artigo, a Educação Física pode ser compreendida como uma disciplina que oferece estímulos discriminativos que evocam a resposta da pessoa com TEA que foi adquirida em contexto terapêutico, proporcionando um ambiente livre de tensões e rico em oportunidades de generalização de novas habilidades.
REFERÊNCIAS
Associação Psiquiátrica Americana – APA. (2014). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-V. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed.
Baer, D.M., Wolf, M.M., & Risley, T.R. (1968). Some current dimensions of applied behavior analysis. Journal of Applied Behavior Analysis, 1, 91-97.
Gallahue, D. L., Ozmun, J. C., Jackie D. (2013). Compreendendo o Desenvolvimento Motor – 7ed: Bebês, Crianças, Adolescentes e Adultos, 20 -28.
Lamartine P.C. 1989. Educação Física e Esportes Não Formais 1, Ao Livro Técnico, 183.
Maurice, C., Green, G., & Luce, S. C. (Eds.). (1996). Behavioral intervention for young children with autism: A manual for parents and professionals. Austin, TX, US: PRO-ED.
Steiner, A.M., Gengoux, G.W., Klin, A., Chawarska, K. (2013). Pivotal response treatment for infants at-risk for autism spectrum disorders: a pilot study. Journal of Autism and Developmental Disorders, 43, pp. 91-102.
Tubino M.J.G. (2001). Dimensões Sociais do Esporte – ed. Cortez:
WIndholz, M. H. (1988). Passo a Passo, seu caminho. São Paulo: EDICON.
MARCIO SAVIOLI
Especialista em treinamento esportivo pela UniFMU; Coordenador técnico do programa de desenvolvimento e aprendizagem motora do Grupo Gradual; há 20 anos ministrando aula no Instituto Indianópolis e FADA, instituições voltadas ao atendimento da pessoa com deficiência intelectual e TEA; bicampeão nos Jogos Mundiais em Shangai-China (2007) e Athenas-Grécia (2011) como técnico de futebol, assistente chefe da delegação brasileira nos Jogos Mundiais em Los Angeles-USA (2015), técnico da seleção brasileira das Olimpíadas Especiais na Copa América na Venezuela (2007) e Paraguai (2011) e técnico convidado à participar da Unity Cup África do Sul (2010).
WILLIAN DO PRADO ALVES
Licenciatura em educação física pela Faculdade Mario Schenberg (FMS), educação física bacharelado pela UniSãoRoque, auxiliar terapêutico na FADA (Fundação de Auxilio e Desenvolvimento do Autista), professor de educação física do Grupo Gradual.