Renata Michel
A Análise do Comportamento Aplicada (ABA) é, sem dúvida, a abordagem clínica que tem se tornado mais popular entre aquelas indicadas para indivíduos com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Isso se deve a alguns motivos, entre eles, o fato de possibilitar aos pais e cuidadores a clara visibilidade de resultados na mudança de comportamentos de seus filhos que passam por uma intervenção consistente. Entretanto, o que se deve sempre destacar é que a ABA é o tratamento baseado em evidências científicas.
Desde a década de 60 pesquisadores nos Estados Unidos têm se preocupado em validar práticas baseadas em evidência na medicina. Para isso, em 1992 foi criado o manual denominado Evidence-based medicine ou Medicina baseada em evidência (EBM), uma ferramenta que tem o objetivo de guiar de forma mais precisa a decisão de profissionais da saúde na indicação de tratamentos que possam, de forma mais eficaz, promover a saúde do paciente ao integrar as melhores evidências científicas disponíveis. Em seguida, a mesma linha de raciocínio foi seguida por diversas outras áreas como fonoaudiologia, educação e psicologia constituindo o manual Evidence-based practice ou Práticas baseadas em evidência (EBP).
O mais recente manual EBP publicado em 2014 avaliou 20 anos de pesquisas de Intervenção para Transtorno do Espetro do Autismo (1990 – 2011), a partir de nove diferentes bases de dados. Partindo de um total de 29.105 pesquisas, os revisores eliminaram artigos que, no título, assumiam ser teóricos, comentários, revisões ou resumos e quem não selecionou participante com autismo até 22 anos de idade ou não tinha delineamento experimental definido restando, assim, 1.090 artigos. O grupo de 159 revisores era composto por profissionais especialistas de diversas áreas (ABA, Educação, Psicologia, Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia), com vasta experiência teórica e prática. Importante destacar que, dentre os profissionais, 53 eram BCBA’s (Board Certified Behavior Analyst), certificação em ABA internacionalmente reconhecida.
Do total de artigos selecionados, 183 usaram delineamento de linha de base múltipla e 79 usaram delineamento de reversão, ambos comumente usados em pesquisas da Análise do Comportamento Aplicada. As pesquisas selecionadas contemplaram participantes entre 0 e 22 anos de idade, identificando o número de pesquisas para cada faixa etária. Houve predominância do numero de pesquisas que tiveram como participantes crianças entre 3 e 11 anos de idade. O manual identificou, ainda, 12 diferentes áreas de dificuldades que justificavam os estudos e, entre elas, destacaram-se como mais frequentemente abordadas a dificuldade de comunicação (182 pesquisas); o repertório social (165 pesquisas) e o comportamento disruptivo (158 pesquisas). Algumas práticas de intervenção revisadas possuíam algum apoio empírico da literatura, mas não atendiam aos critérios metodológicos estabelecidos para essa revisão. Os motivos da sua exclusão foram os seguintes: 1. houve um número insuficiente de estudos comprovando sua eficácia, ou 2. houve um número suficiente de estudos aceitáveis, mas os estudos foram realizados por apenas um grupo de pesquisa, ou 3. houve um número suficiente de estudos, mas não houve um número suficiente de participantes totais em todos os estudos (ou seja, 20 ou mais). Entre estas, podemos citar como exemplo a Integração Sensorial e Treino de Coordenação Motora Fina; Instrução Direta e Musicoterapia.
Por fim, o manual identificou um total de 27 práticas baseadas em evidências científicas que atingiram todos os critérios propostos pela revisão, tais como: DTT (Discrete Trial Trainning ou Treino de Tentativa Discreta); Análise Funcional; FCT (Function Communication Trainning ou Treino de Comunicação Funcional); NET (Natural Environment Trainning ou Treino em Ambiente Natural); Análise de Tarefas, entre outros. Do total de 27 práticas identificadas 23 são baseadas nos princípios da Análise do Comportamento Aplicada (ABA) e, portanto, compõem a intervenção em ABA para crianças com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA).
A razão para que as pesquisas em ABA atinjam um alto padrão de excelência podem ser explicadas pela busca constante do pesquisador em atingir os sete parâmetros da Análise do Comportamento Aplicada definidos por Baer, Wolf e Risley (1968): 1. Comportamental: o comportamento observável é o objeto de estudo, ou seja, sua análise requer uma mensuração precisa; 2. Analítica: demonstrar que os procedimentos de intervenção foram responsáveis pela mudança no comportamento; 3. Aplicada: o comportamento estudado é importante para a sociedade e para o indivíduo; 4. Eficaz: a mudança comportamental atingida com a intervenção é significativa; 5. Generalizável: emissão do comportamento na presença de outras pessoas e em outros ambientes; 6. Conceitual: as técnicas utilizadas no estudo devem ser baseadas nos princípios básicos da Análise do Comportamento e 7. Tecnológica: os procedimentos utilizados são precisamente descritos, a ponto de poderem ser reproduzidos por outro pesquisador.
Conclui-se, assim, que a ABA é o tratamento baseado em evidência científica por contemplar procedimentos que são constantemente testados e revisados e que, por atenderem aos padrões acima, possuem comprovação cientifica de eficácia para indivíduos com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Assim como o próprio manual reconhece em sua conclusão, o próximo desafio será monitorar o quanto da ciência é, de fato, transferido para a prática.
Baer, D. M., Wolf, M. M., & Risley, T. R. (1968). Some current dimensions of applied behavior analysis. Journal of Applied Behavior Analysis, 1(1), 91–97. http://doi.org/10.1901/jaba.1968.1-91
http://autismpdc.fpg.unc.edu/sites/autismpdc.fpg.unc.edu/files/2014-EBP-Report.pdf