Precisamos FALAR, ESTUDAR e PESQUISAR sobre a sexualidade no TEA

Discutir sobre a sexualidade em nossa sociedade é um grande tabu: Essa questão nos causa desconforto e constrangimento, tanto dentro de nossas famílias quanto nos ambientes educacionais. Indivíduos com desenvolvimento típico aprendem sobre as mudanças em seu corpo, sobre namoro e sexo de maneira informal; nas discussões com seus pares neurotípicos, a partir das mensagens diretas ou indiretas e cenas abordadas em filmes, seriados, novelas, comerciais, internet etc. Pouco é aprendido pelas campanhas de orientações sexuais ou dentro de suas casas. As consequências de não abordar e/ou mediar tal assunto com os adolescentes são desastrosas: Gravidez em idade precoce, uso do corpo como objeto de prazer e exibição, contágio por doenças sexualmente transmissíveis, entre outras.

Adolescentes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) amadurecem fisicamente como seus pares neurotípicos, mas não têm os mesmos ganhos sociais e psicológicos compatíveis com a faixa etária que se encontram, afinal, esses adolescentes pouco participam de discussões com seus pares sobre o assunto e pouco compreendem as mensagens diretas e indiretas contidas nas interações entre amigos e contidas nos veículos de comunicação. A sociedade (familiares, professores, profissionais) entende tal discrepância como uma falta de preparo dos indivíduos com TEA a lidarem com a sexualidade (e não o contrário!), deixando-os à deriva nessa passagem tão delicada entre a infância e a adolescência; justamente quando se deparam com as modificações em seus corpos e com novas sensações (aumento da libido, ereção, ejaculação, entre outras) pertinentes a esse momento.
Não abordar esse tabu com os adolescentes com TEA pode ser ainda mais desastroso do que não tratar o assunto com os adolescentes neurotípicos: Ansiedade, agressão e agitação podem aparecer ou ser acentuados nessa faixa etária, além de eles ficarem mais vulneráveis ao abuso sexual (seja pela dificuldade inerente de inferir intenções do outro, seja pela necessidade de supervisão constante no autocuidado), buscam contato físico inapropriado (tocam partes íntimas de outras pessoas, se aproximam demais das pessoas durante as interações sociais), se manipulam sexualmente em ambientes públicos ou, em alguns casos, têm a sexualidade reprimida (seja por procedimentos de eliminação de comportamentos dessa ordem, por intervenção medicamentosa ou, na pior das hipóteses, por intervenções cirúrgicas de castração).

Dado que o TEA é caracterizado por um distúrbio da infância e também, como já mencionado acima, pelo fato da sexualidade ser um tema polêmico, há pouquíssimo investimento em pesquisa que ajude aos profissionais, cuidadores e pais a lidarem com a sexualidade desses adolescentes de maneira segura, eficiente e prazeirosa (sim, prazeirosa, por que não?). Também não há literatura que oriente o desenvolvimento da identidade sexual de adolescentes com TEA.

Apesar das pessoas com TEA apresentarem muitas dificuldades em expressar
sentimentos e reagir/compreender os sentimentos dos outros, terem dificuldades em aproximar adequadamente de seus pares (iniciar e manter relações), dificuldades em lidar com problemas dinâmicos, eles têm os mesmos desejos que seus pares neurotípicos (ou pelo menos alguns deles): Eles querem namorar, ter relações sexuais, casar, ter filhos. A sexualidade é vivenciada de maneira mais complexa na adolescência, contribui para a expressão da afetividade, do bem estar e da autoestima e que assim seja com nossos adolescentes com TEA.

Minha intenção com esse texto não é preencher uma lacuna bibliográfica…estamos muito distantes disso! Quero apenas dar alguns conselhos advindos de minha experiência na intervenção comportamental com essa população e da literatura que tenho levantado estudando sobre a temática.

O primeiro ponto que gostaria de discutir é que a sexualidade, a masturbação ou o toque exacerbado não são comportamentos que devem ser classificados como inadequados. A inadequação pode ser referir apenas ao local onde ela é manifesta,
com quem ela é manifesta e o momento no qual ela é manifesta. Justamente por isso, alguns autores como Ballan e Freyer (2017) têm sugerido a terminologia comportamentos esperados (sexualidade em ambiente privado, por exemplo) versus comportamentos não esperados (masturbação em sala de aula, por exemplo).

Segundo ponto a ser levantado diz respeito a vulnerabilidade dos adolescentes com TEA ao abuso sexual. Mahoney e Poling (2011) fizeram uma pesquisa de revisão bibliográfica e relataram que as pessoas com desenvolvimento atípico, síndromes, deficiências físicas e/ou intelectual têm maior risco de ser abusada que a população neurotípica, independente da idade ou do gênero. E, dentre essa população, quanto maior a deficiência, maiores a chance do abuso acontecer. Estima-se que entre 38% a 68% de meninas com deficiência intelectual são abusadas antes dos 18 anos de idade, enquanto entre 16% e 30% dos meninos são abusados até essa mesma faixa etária. A maior parte dos abusadores são do sexo masculino e normalmente envolve um adulto da confiança: Familiar, conhecido, prestador de serviço, médico ou cuidador.
Ainda segundo as pesquisas, os abusos sexuais não ocorrem esporadicamente, mas tendem a ser duradouros. Eles perduram por envolver adolescentes isolados socialmente, por falta de relacionamentos sociais adequados, pelo reforço provindo do abusador, ingenuidade por parte do abusado e por falta de orientação/educação sexual.
Entre 1997 e 2010, Doughty e Kane (2010) identificaram apenas 6 estudos que ensinavam indivíduos com TEA a evitar o abuso sexual: Muito pouco estudo para uma população tão vulnerável! Além da quantidade de pesquisas na área ser escassa, os estudos não envolvem indivíduos sem repertório verbal e não há estudos com dados que apontem aquisições das novas habilidades (fuga ou esquiva do abuso) a longo prazo. No entanto, os resultados dos estudos realizados são promissores: Podemos ensinar nossos adolescentes a se defender de possíveis abusos sexuais.
Gunby, Carr e LeBlanc (2010), por exemplo, ensinaram 3 indivíduos com TEA a dizer “não“, a ir para um ambiente seguro (com conhecidos) e a relatar o evento a uma pessoa de confiança quando abordados sedutoramente por um estranho. Eles aprenderam tais respostas a partir de um pacote de intervenção comportamental com instrução, videomodelação, ensaio comportamental e feedback in situ (na situação do treino).
Sabe-se que os profissionais responsáveis em cuidar de pessoas com deficiências têm a responsabilidade legal de relatar desconfiança de abuso sexual. Nesse sentido, o cuidador tem que ser treinado para identificar o abuso quando a vítima quer esconder isso ou não é capaz de relatar a ele. O cuidador deve observar sinais físicos e comportamentais, bem como as circunstâncias que podem estar relacionadas em caso de abuso e, então, tomar as medidas apropriadas para investigação, encaminhamento para os cuidados médicos e psicológicos; todos essenciais para o tratamento da vítima.
Nessa linha de raciocínio, um dado alarmante foi apontado por Doughty e Kane (2010): Não há estudos envolvendo o treinamento de cuidadores (de instituições, por exemplo) para identificar sinais de abuso ou identificar possíveis abusadores ao redor das crianças e adolescentes.

Por fim, o último ponto que gostaria de abordar diz respeito a educação sexual. Como mencionado no início desse texto, os adolescentes com TEA ficam em extrema desvantagem quando comparados com os adolescentes neurotípicos na busca de referências para o desenvolvimento e aprendizado de sua sexualidade. Eles precisam aprender a lidar com essa nova etapa da vida com nós, pais ou profissionais; a partir de estratégias específicas e cuidadomente planejadas. Para aqueles adeptos a ABA (Análise do Comportamento Aplicada) desde idade precoce talvez isso não seja um desafio tão constrangedor: Afinal muitas habilidades de vida diária e privada já fizeram parte de nosso currículo (banho, troca de roupa, banheiro etc). É preciso ter claro que muitos comportamentos não acontecerão de maneira natural: A paquera envolve uma série de comportamentos de comunicação não verbais que têm que ser ensinados, ensaiados para, então, ser vivenciados da melhor maneira possível. Assim o é a masturbação. A manipulação dos genitais ocorre de maneira exploratória e, contemplar seu ápice, requer o ensino passo a passo, em momento oportuno, antes que a manipulação extrapole as regras sociais de boa convivência ou que de maneira desenfreada lesione o adolescente (seja ele menino ou menina).

Abro parênteses e já deixo clara a minha opinião de que resolver a questão pagando alguém (prostituta ou garoto de programa) para atenuar a problemática (embora culturalmente, em nosso país, essa seja uma prática utilizada para iniciar a vida sexual de adolescentes) pode ser simplista demais, desastrosa e significar uma violência física e psíquica com nossos adolescentes com TEA. Se eles não conseguem exercer o direito de escolha ou não têm discernimento para compreender as consequências envolvidas nesta experiência, não podemos fazer isso por eles. A ética deve prevalecer antes de tudo.

Ballan e Freyer (2017), sugeriram o uso de histórias sociais, desenhos ilustrativos e videomodelação não só para o aprendizado da masturbação, mas também para o ensino da higiene com a menstruação, o uso de absorventes e até para o ensino da relação sexual. Técnicas de autocontrole e automonitoramento (por exemplo, Salter e Croce, 2007) também podem ser efetivas para ajudar os adolescentes a controlarem seus impulsos. Para os adolescentes com autismo leve, desenvolver as habilidades sociais e aperfeiçoar a habilidade de se colocar no lugar do outro, prevendo, antecipando suas intenções e comportamentos e, por fim, conseguir se comportar adequadamente diante dessa “leitura” social também parece ser bem promissor no desenvolvimento da sexualidade.

Para concluir, gostaria de salientar que a maneira como os adolescentes lidarão com as mudanças em seu corpo vai depender do suporte que receberá da família e dos profissionais que o atendem. Esse período (e seu sucesso ou insucesso) marcará a entrada para a vida adulta, ou seja, a maior parte da vida dessa pessoa! Precisamos nos esforçar mais para acertar nesse quesito. Precisamos pesquisar e aprender mais!
A ABA tem um excelente cabedal teórico e de produção de conhecimento que podem possibilitar o desenvolvimento de tecnologias efetivas para atender as demandas da sexualidade das pessoas diagnosticadas com TEA.

 

Referências Bibliográficas:

  • Ballan, M. S., & Freyer, M. B. (2017). Autism spectrum disorder, adolescence, and sexuality education: Suggested Interventions for mental health professionals.
  • Gunby, K., Carr, J. E., & LeBlanc, L. A. (2010). Teaching abduction-prevention skills to children with autism. Journal of Applied Behavior Analysis, 43, 107-112.
  • Mahoney, A., & Poling, A. (2011). Sexual Abuse Prevention for People with Severe Developmental Disabilities. Journal of Dev Phys Disabilities, 23:369–376, 23: 369-376.
  • Salter, J., & Croce, K. (2007). The Self & Match System – Systematic use of self-monitoring as a behavioral intervention. Printed in United States.
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Escrito por Cintia Guilhardi

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