Crianças e adolescentes diagnosticados com TEA (Transtornos do Espectro do Autismo) apresentam um repertório comportamental caracterizado por comportamentos repetitivos ou estereotipados (Boucher, 1977; Baron-Cohen, 1989; Miller & Neuringer, 2000), ou seja, passam muito tempo fazendo um mesmo comportamento motor com função de auto-estimulação (Ex.: flapping – balançar as mãos; andar nas pontas dos pés; girar em torno do próprio eixo; etc.); apresentam verbalizações repetitivas e descontextualizadas (Ex.: ecolalias tardias ou imediatas, ou seja, repetem frases de filmes ou faladas por outras pessoas); e têm interesses restritos a poucos assuntos. Isso acontece porque estas crianças apresentam alterações sensoriais, ou seja, o modo como seu organismo recebe estímulos ambientais é alterado, gerando muito prazer em algumas sensações que para a maior parte das pessoas é neutra. Então, cada emissão destes comportamentos é automaticamente reforçada por uma sensação física prazerosa, gerando um aumento grande da frequência destas respostas. Além disso, a ausência de um repertório comportamental mais funcional e social faz com que as crianças autistas busquem reforçamento nas estereotipias. Esta restrição comportamental dificulta a aprendizagem e a adaptação ao meio social.
Denney e Neuringer (1998) afirmaram que o estudo da variabilidade como dimensão do comportamento operante é fundamental para o desenvolvimento de estratégias de ensino para populações com dificuldades de aprendizagem. Em alguns estudos, os autores (Neuringer, Deiss & Olson, 2000; Miller & Neuringer, 2000; Grunow & Neuringer, 2002; Lee & Sturmey, 2006; Marçal, 2006; Esch & Esch, 2009; Napolitano et al., 2010) apontaram que a produção de variabilidade comportamental em crianças autistas pode contribuir para a ampliação do repertório comportamental, facilitando a seleção de comportamentos mais adaptativos, afinal, maior variabilidade comportamental significa uma linha de base mais ampla onde comportamentos novos podem ser mais facilmente selecionados.
Estes estudos investigaram o aumento da variabilidade comportamental em crianças e adolescentes autistas utilizando diferentes topografias de resposta, como: respostas verbais (Lee & Sturmey, 2006; Esch & Esch, 2009) e respostas motoras (Miller & Neuringer, 2000; Napolitano et al., 2010).
Lee e Sturmey (2006) utilizaram o esquema de reforçamento LAG 1 contingente a respostas adequadas e variadas à questão social “O que você gosta de fazer?”, avaliando se este procedimento seria efetivo em aumentar a variabilidade das respostas verbais de três adolescentes diagnosticados com TEA. Além disso, os autores mediram os efeitos da proporção de estímulos preferidos presentes durante o treino sobre a frequência de respostas variadas em cada sessão. Na linha de base qualquer resposta apropriada era reforçada; e no esquema LAG 1 o reforçamento era contingente a respostas apropriadas que fossem diferentes daquela emitida na tentativa anterior.
Os autores constataram aumento da porcentagem de tentativas com respostas variadas nas fases de LAG 1 com dois dos três participantes. Com estes participantes a porcentagem de variação diminuía na linha de base e voltava a aumentar quando a contingência de reforçamento do variar estava presente. Quanto à porcentagem de itens preferidos presentes não houve diferença na variabilidade entre as três condições.
Esch e Esch (2009) também objetivaram aumentar a variabilidade no comportamento verbal de crianças autistas. Para isso, estes autores reforçaram respostas vocais (balbucios) diferentes da resposta emitida na tentativa anterior (LAG 1) em duas crianças diagnosticadas com autismo e com repertório vocal restrito e repetitivo. O objetivo do estudo era gerar um repertório vocal mais amplo que permitisse a seleção dos operantes verbais. O comportamento vocal considerado foram os sons que se aproximavam de sons da língua.
Os experimentadores davam modelos de sons e registravam os sons emitidos pela criança. Se o participante emitisse um som diferente do som emitido na tentativa anterior o experimentador elogiava e disponibilizava um item do interesse da criança. Se a criança emitisse um som repetido ou não vocalizasse nada o experimentador apenas guiava a criança para uma tarefa motora entre tentativas. Esch e Esch (2009) obtiveram dados de aumento sistemático da frequência de vocalizações variadas nas fases de reforçamento do variar com os dois participantes. Na segunda fase de linha de base esta frequência diminuiu voltando aos níveis obtidos na primeira linha de base. Logo, os autores concluíram que o esquema de reforçamento direto do variar (LAG) foi eficiente em aumentar a variabilidade no repertório de crianças autistas com baixíssimos níveis de variabilidade.
Miller e Neuringer (2000), por sua vez, estudaram a produção de variabilidade comportamental em autistas com respostas motoras. Estes autores objetivaram verificar se, sob esquema de reforçamento contingente ao variar, adolescentes autistas apresentam menor variabilidade do que indivíduos não autistas. Para isso, os autores aplicaram o reforçamento contingente a variar em grupos de autistas e não autistas (adultos e crianças) comparando o aumento e a manutenção da variabilidade após a retirada da contingência em ambos os grupos.
Neste estudo os participantes deveriam pressionar a tecla da direita ou da esquerda em um jogo de computador, fazendo sequências de 4 respostas (16 possibilidades de sequências diferentes) para preencher um triângulo vazio com “smiles”. Após o treino preliminar os participantes foram submetidos a uma fase de reforçamento probabilístico, na qual 50% das tentativas selecionadas randomicamente eram reforçadas. Na fase seguinte, foi aplicada a contingência de reforçamento do variar, no qual apenas sequências relativamente infrequentes eram reforçadas. Após o reforçamento do variar os participantes voltaram para o reforçamento probabilístico, no qual o reforçamento não dependia do variar.
Miller e Neuringer (2000) obtiveram dados que indicam que embora todos os participantes tenham variado mais na fase de reforçamento do variar e na segunda fase de reforçamento probabilístico do que na primeira fase do estudo, os autistas variaram menos do que os grupos de adultos e crianças com desenvolvimento típico.
Com isso, apesar das diferenças entre os participantes, os autores concluíram que autistas também são suscetíveis a aumento nos níveis de variabilidade comportamental quando esta é diretamente reforçada e, ainda, esta maior variabilidade também se mantém após a retirada da contingência de variabilidade, tal como acontece com indivíduos com desenvolvimento típico. Porém, estas alterações aconteceram em menor grau para os autistas do que para os não autistas.
A possibilidade de aumentar a variabilidade no responder de crianças com autismo também foi comprovada por Napolitano, Smith, Zarcone, Goodkin e McAdam (2010). Estes autores avaliaram a possibilidade de aumentar a variabilidade em respostas de montar blocos plásticos com seis crianças autistas. A variação poderia ser medida nas cores dos blocos utilizados ou na forma montada, a depender da dimensão na qual o participante menos variou na linha de base.
Nas fases de linha de base o experimentador reforçava intermitentemente as respostas de montar dos participantes. Nas fases experimentais foi aplicado o esquema de reforçamento LAG 1, ou seja, o reforço era contingente a cada cor ou forma diferente da tentativa anterior.Quando a contingência LAG 1 não era suficiente para aumentar a variabilidade, eram aplicadas tentativas de treino nas quais o experimentador dava um modelo montando algo diferente na frente do participante e, ainda, dava a instrução verbal “Agora, construa você algo diferente”. Foi testada, também, a generalização para a tarefa de montar blocos de madeira do mesmo tamanho e cores dos blocos de plástico.
Os dados coletados mostraram que todos os participantes tiveram aumento na diversidade de cores e formas montadas com os blocos plásticos. Porém, somente um participante apresentou significativa generalização para a tarefa de montar blocos de madeira. Quatro participantes precisaram das tentativas de treino para demonstrar variação na resposta, e dois participantes não tiveram redução da variabilidade nas fases de reversão para linha de base.
Os estudos de variabilidade com crianças autistas são de extrema relevância prática e empírica, afinal, o repertório inicial destas crianças tende a conter baixos índices de variabilidade. Por este motivo, o reforçamento contingente ao variar com esta população pode ser mais difícil devido a esta tendência à repetição. Assim, esta população se beneficiaria de um procedimento de “modelagem” da variabilidade (Maes e Van der Goot, 2006), ou seja, uma contingência que começasse exigindo baixos índices de variabilidade e, gradualmente, fosse aumentando a exigência, até atingir um alto nível de variabilidade no responder.
Maes e Van der Goot (2006) utilizaram um procedimento de aumento gradual da exigência de variabilidade com uma população de estudantes universitários com desenvolvimento típico. Neste estudo o variar foi reforçado com base na frequência relativa das sequências de respostas em um teclado de computador. Para uma sequência ser reforçada a sua frequência relativa deveria ser menor ou igual a um valor limiar que era gradualmente reduzido cada vez que o critério de variabilidade era atingido. Quanto menor o valor limiar maior o índice de variabilidade exigido do participante, ou seja, mais baixas deveriam ser as frequências relativas das sequências para que o reforçamento fosse obtido. Os autores identificaram que todos os participantes submetidos à contingência de reforçamento do variar mantiveram altos índices de variabilidade quando a exigência de variar era alta.
Outra preocupação dos estudos que visam produzir variabilidade comportamental se refere à extensão da variabilidade adquirida na tarefa experimental para outras tarefas nas quais a variabilidade não fora diretamente reforçada.
Goetz e Baer (1973) e Holman, Goetz e Baer (1977) testaram as possibilidades de extensão da variabilidade adquirida por reforçamento direto do variar em uma tarefa para outras tarefas não submetidas a este procedimento. Para isso, os estudos reforçaram diferencialmente formas novas em atividades de pintar e testaram a extensão da variabilidade adquirida para uma tarefa de montar blocos (tarefa com topografia diferente da tarefa experimental). Além disso, foi avaliada também a extensão da variabilidade para tarefas com topografia semelhante à experimental, reforçando-se o variar em tarefas de pintar e montar blocos, e testando a extensão da variabilidade em tarefas de desenhar e montar legos, respectivamente.
Estes estudos puderam constatar aumento nos índices de variabilidade em outras tarefas após o reforçamento direto do variar na tarefa experimental. Nestes estudos a extensão da variabilidade aconteceu mais para as tarefas topograficamente semelhantes à tarefa experimental, do que para as tarefas topograficamente diferentes desta.
Fialho, Micheletto e Sélios (2015) também buscaram verificar se reforçar a variabilidade de respostas motoras de crianças autistas, aumentando gradualmente a exigência, elevaria níveis de variação na tarefa experimental e em outras tarefas não usadas no treino do variar. Os autores buscaram, ainda, verificar se a variabilidade do responder seria maior para os participantes expostos ao ensino do variar do que para um participante exposto a reforçamento intermitente (independente do variar). Foram usados jogos de computador nos quais as crianças deveriam completar sequências de quatro respostas nas teclas ou na tela. Após a linha de base, 4 participantes passaram pelo treino variar, no qual reforçou-se a emissão de sequências diferentes em um jogo, aumentando gradualmente a exigência de variabilidade. Um participante passou pelo esquema de reforçamento intermitente independente do variar, recebendo a mesma distribuição de reforços de outro participante. Em seguida, testou-se a extensão da variabilidade adquirida para outras tarefas topograficamente semelhante e diferente da experimental.
Os dados deste estudo mostraram que todos os participantes apresentaram responder repetitivo na linha de base. Os participantes submetidos ao treino do variar aumentaram a variabilidade na tarefa usada neste treino e, ainda, demonstraram extensão desta variabilidade para a tarefa topograficamente semelhante (na qual o variar não havia sido reforçado). Já o participante submetido ao esquema de reforçamento intermitente manteve o padrão repetitivo de respostas durante todo o experimento.
Os estudos resumidos aqui mostram que é possível reforçar diretamente a variabilidade comportamental, ou seja, reforçar respostas diferentes ou pouco frequêntes aumenta os índices de variabilidade. Os procedimentos utilizados nestes estudos devem ser adaptados para a clínica, em estratégias passíveis de serem aplicadas no dia-a-dia de crianças com autismo por familiares ou profissionais, visando gerar um repertório comportamental mais variado e, com isso, mais chances de aprendizado de novos comportamentos.
Referências Bibliográficas:
Baron-Cohen, S. (1989). Do autistic children have obsessions and compulsions? British Journal of Clinical Psychology, 28, 193-200.
Boucher, J. (1977). Alternation and sequencing behavior, and response to novelty in autistic children. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 18, 67-72.
Denney, J., & Neuringer, A. (1998). Behavioral variability is controlled by discriminative stimuli. Animal Learning & Behavior,26 (2), 154-162.
Esch, J. W., & Esch, B. E. (2009). Increasing vocal variability in children with autism using a lag schedule of reinforcement. The analysis of verbal behavior, 25, 73-78.
Fialho, J. P. G.,Micheletto, N. & Sélios, T. L. Produção de variabilidade comportamental e sua extensão em crianças com autismo. Acta Comportamentalia,23 (4), pp. 391-404.
Goetz, E. M., & Baer, D. M. (1973). Social control of form diversity and the emergence of new forms in children´s blockbuilding. Journal of Applied Behavior Analysis, 6 (2), 209-217.
Grunow, A., & Neuringer, A. (2002). Learning to vary and varying to learn. Psychonomic Bulletin & Review, 9 (2), 250-258.
Holman, J., Goetz, E. M., & Baer, D. M. (1977). The training of creativity as an operant and an examination of its generalization characteristics.Em B. Etzel, J. Le Blanc, & D. M. Baer (Eds.), New Developments in Behavioral Research: Theory, Method and Application (441-471). Hillsdale, NJ: Erlbaum.
Lee, R., & Sturmey, P. (2006). The effects of Lag schedules and preferred materials on variable responding in students with autism. Journal of autism and developmental disorders, 36 (3), 421-428.
Maes, J. H. R., & Van der Goot, M. (2006). Human operant learning under concurrent reinforcement of response variability. Learning and Motivation, 37, 79-92.
Marçal, J. V. S. (2006). Introdução gradativa versus introdução completa de uma contingência de variação operante em crianças. (Tese de doutorado não publicada). Universidade de Brasília, Brasília-DF.
Miller, N., & Neuringer, A. (2000). Reinforcing variability in adolescents with autism. Journal of Applied Behavior Analysis, 33 (2), 151-165.
Napolitano, D. A., Smith, T., Zarcone, J. R., Goodkin, K., & McAdam, D. B. (2010). Increasing response diversity in children with autism. Journal of Applied Behavior Analysis, 43 (2), 265-271.
Neuringer, A., Deiss, C., & Olson, G. (2000). Reinforced variability and operant learning. Journal of Experimental Psychology: Animal Behavior Processes, 26 (1), 98-111