É provável que os terapeutas se perguntem: “Eu tenho que investigar sobre o passado do meu cliente?”; “Por que eu tenho que saber sobre eventos que aconteceram na infância do meu cliente?”; “Qual a relação de eventos que ocorreram há cinco, dez anos na vida do meu cliente, se o problema do meu cliente não existia naquela época, é um problema atual?”. Essas perguntas não deixam de ter sentido, porém, vamos analisar essa questão sobre a necessidade e a importância do passado dos nossos clientes mais a fundo.
Primeiro é necessário fazermos uma distinção entre dois termos semelhantes, porém diferentes. A Terapia por Contingências de Reforçamento (TCR) faz uma distinção importante entre História de Vida e História de Contingências de Reforçamento. Vamos entender! Guilhardi (2013) afirma que a História de Vida se refere aos eventos, episódios vividos pelos clientes. Já a História de Contingências de Reforçamento é entendida por Guilhardi (2013) como: “descrição de episódios, eventos sociais ou não, vivenciados pelo narrador (cliente), com a sistemática investigação e identifica
ção por parte do terapeuta das funções comportamentais que tais eventos tiveram para a pessoa” (p. 1). Usando uma metáfora, é como se os eventos da História de Vida do cliente fossem os retalhos que compõem uma colcha, e as funções desses eventos fossem os fios que costuram esses retalhos e os transformam em colcha. Assim, na nossa metáfora, transformamos retalhos em colchas, e no processo psicoterapêutico, transformamos História de Vida em História de Contingências de Reforçamento.
Para ficar mais claro, vamos a um exemplo: imagine um cliente adulto que diga que os pais se separaram quando ele era criança. A separação dos pais é o evento, o episódio que aconteceu na vida do cliente, e, por isso, é a História de Vida dessa pessoa. Entretanto, apenas com essa informação, o terapeuta fica sem entender qual a função que a separação dos pais teve na vida desse cliente. É possível que a separação tenha tido uma função aversiva, se no caso houve o afastamento de um pai carinhoso, afetivo, e as respostas do cliente deixaram, desde a separação, de produzir reforçadores sociais vindos do pai. Por outro, é possível que a separação tenha tido uma função reforçadora, se no caso o cliente tivesse um pai extremamente agressivo e controlador, e a separação tenha sido o término ou a interrupção de punições vindas do pai. Vejam que o evento (separação dos pais) é o mesmo em ambos os casos, porém, a função é totalmente diferente! E sabemos que o terapeuta por contingências de reforçamento trabalha com as funções dos eventos, e não apenas com os eventos em si mesmos.
Assim, para a TCR não basta conhecer os eventos presenciados pelo cliente no seu passado, mas sim, entender as funções que aqueles eventos tiveram para o cliente. Mas ainda fica a questão: “Por que eu preciso investigar sobre as funções dos acontecimentos passados da vida do meu cliente, se o problema do meu cliente é atual?”, “Por que eu preciso saber como era a relação do meu cliente com os pais, se o problema que levou meu cliente para a terapia é uma dificuldade com o chefe?”, “Por que preciso perguntar sobre as funções de eventos escolares do meu cliente, se no momento meu cliente está com dificuldades para se aposentar?”.
Guilhardi (2013) também deixa claro que o terapeuta em TCR lida com padrões comportamentais e sentimentos atuais, e maneja contingências presentes no momento na vida do cliente, ou seja, não é possível atuar em contingências passadas, pois elas estão inacessíveis ao terapeuta. Porém, as contingências atuais podem ser da mesma classe funcional das contingências passadas, e sendo assim, as contingências passadas são importantes para entendermos como alguns comportamentos atuais se instalaram e como as funções desses comportamentos foram desenvolvidas (Guilhardi, 2013).
Vamos novamente a um exemplo para ficar mais claro: vamos imaginar um cliente adulto que esteja com dificuldades para lidar com o chefe e por isso procura terapia. O cliente não consegue verbalizar suas opiniões, fazer solicitações para o chefe e negar pedidos que o chefe tenha realizado. Ao investigar sobre a História de Contingências de Reforçamento desse cliente, o terapeuta descobre que o pai do cliente era agressivo e controlador, que em casa era ele quem dava a última palavra e não permitia um diálogo democrático com os filhos. Assim, é possível que esse cliente tenha generalizado a experiência com o pai, para situações em que lida com figuras de autoridade, entendendo então que todas as autoridades são agressivas e controladoras. Nesse caso, uma intervenção importante do terapeuta é: levar o cliente a discriminar porque ele tem esse padrão comportamental de submissão em interações com autoridades, e ajudá-lo a discriminar que cada figura de autoridade tem um padrão comportamental diferente, e sendo assim, ele pode se comportar de forma diferente com o chefe, do que se comportava com o pai.
Respondendo a pergunta do título do artigo, o passado dos nossos clientes é sim importante! Porém, saber os eventos ocorridos na História de Vida dos nossos clientes não é suficiente para fazermos as análises de contingências necessárias para modificar padrões comportamentais dos clientes. É necessário investigar as funções que esses eventos tiveram, ou seja, descobrir a História de Contingências de Reforçamento dos clientes. E, além disso, pesquisar sobre possíveis classes funcionais entre contingências atuais e contingências passadas. Boas investigações aos terapeutas!
REFERÊNCIAS:
Guilhardi, H. J. (2013). Distinção entre termos: história de vida (HV), história de contingências de reforçamento (HCR) e contingências de reforçamento atuais (CRA). Disponível em: http://www.itcrcampinas.com.br/txt/distincaoentretermos.pdf.