Chegando dezembro, festas, férias… Faz sentido explorarmos como é conduzida a DBT neste período cheio de peculiaridades e desafios. Neste artigo, trarei à discussão o funcionamento das combinações terapêuticas quando o terapeuta tira férias. Porque sim, o terapeuta DBT também tira férias. Mas como?! E se o paciente tiver uma crise?! E se tentar o suicídio?! E se sentir-se abandonado?!
Pois bem, tenho uma boa e uma má notícia: a má é que tudo isso poderá mesmo acontecer, a boa é que a DBT já prevê isso. Quer saber o que ela faz com estes dilemas? Então vamos à leitura!
Talvez seja um ponto óbvio, mas como “o óbvio precisa ser dito”, o terapeuta comportamental dialético mais do que poder, “deve” tirar férias. O cuidado constante e apoio da equipe de consultoria serão insuficientes na prevenção do Burnout se o terapeuta trabalhar meses a fio, sem tirar um tempo para si e seu descanso. Não podemos nos esquecer que somos feitos de carne e osso e não somos imunes às vulnerabilidades de um corpo cansado, uma mente esgotada devido a um trabalho que, por mais que amamos, é sim desgastante. Aliás, a própria equipe de consultoria tem como uma de suas funções estar atenta a quando um de seus membros está tendo dificuldades em reconhecer seus limites pessoais ou mesmo em aceitar que precisa de férias.
Entre as metas prioritárias da DBT está “reduzir os comportamentos que inteferem na terapia” (LINEHAN, 2010, p. 161). Comumente pensamos nos aspectos do paciente que interferem no processo terapêutico. Entretanto, a falta de disposição do terapeuta devido à fadiga é um fator que interfere na terapia e, portanto, deve ser manejada pela equipe.
Não é difícil entender os motivos pelos quais o terapeuta possa ter dificuldades em se ausentar. Viajar com a família por dias, fazer divertidos passeios turísticos ou mesmo “dormir como se não houvesse amanhã”, parecem tipos de descanso um tanto incompatíveis com sentimentos de medo, preocupação e de temor relativos a como seu paciente estará lidando com as crises e riscos. Vale salientar que férias incluem não realizar atendimentos e nem receber contatos via mensagens/ligações. Ou seja, é realmente não estar disponível, o que pode gerar uma série de desconfortos a ambas as partes. Partindo desta definição, passemos aos passos seguintes: como organizar a combinação das férias com o paciente e na equipe de DBT.
Contrato Terapêutico
Ao iniciar um tratamento em Terapia Comportamental Dialética, fazemos um contrato terapêutico escrito que inclui comprometimentos do paciente, comprometimentos do terapeuta, além de comportamentos que interferem na terapia. Entre as combinações, apresenta-se quais são os limites pessoais do terapeuta, como os horários e a duração das ligações, uso de mensagens, de redes sociais e etc.
Este contrato, que em outras psicoterapias ocorre de forma sucinta e verbal, na DBT assume um papel fundamental de enquadre do tratamento. Ele esclarece o que se espera do paciente, o que ele pode esperar de seu terapeuta e protege a relação em conflitos futuros (LINEHAN, 2010). Uma das combinações presentes neste contrato é de que o terapeuta irá se ausentar em determinadas situações, entre elas, nas férias.
O contrato terapêutico é um componente essencial no trabalho em DBT, mas ainda assim, ele não é garantia de que o paciente reagirá adequadamente diante da ausência de seu terapeuta. Linehan (2010) salienta que é comum a sensação de abandono e sim, ela pode levar a uma série de comportamentos problemáticos, como a automutilação ou tentativa de suicídio.
A autora explica que, muitas vezes, esta é uma das principais relações interpessoais presentes na vida do paciente, quando o terapeuta é a sua principal figura de apoio. A tensão dialética presente aqui é que, mesmo sendo compreensivo com o paciente, entendendo que realmente é muito triste sentir que não se pode contar com a ajuda das pessoas, o terapeuta precisa cuidar de si e isso inclui tirar férias. Não há como cuidar do outro sem cuidar de si. Sabem aquela orientação nos vôos para que se coloque primeiro a máscara de oxigênio em si e só depois se ajude outros passageiros? Pois bem, na DBT essa regra faz bastante sentido.
Terapeuta Auxiliar
“Ok, Tamires. O terapeuta precisa tirar férias, o paciente sabe disso desde o início. Mas não se pode esquecer que a desregulação emocional destes pacientes é crônica, e como fica então esse período em que ele não terá contato contigo?”. Chegamos lá, meus queridos! Agora falaremos do terapeuta auxiliar, tão importante nessas horas.
Previamente ao recesso do terapeuta principal (TP), o terapeuta auxiliar (TA) é apresentado ao paciente. Naturalmente, enquanto membro da equipe de consultoria, o TA conhece o Plano Geral de Crises e aspectos relevantes do tratamento do paciente para usar como referência em suas intervenções com ele. O Plano Geral de Crises é um passo a passo que orienta o paciente a como enfrentar as crises (p. ex. crise suicida, autolesiva), criado em conjunto por paciente e TP já no início do tratamento.
Nesse período de férias, de modo geral o TA fica disponível para ligações de coaching telefônico e para agendar sessões, se preciso. Algumas combinações podem ser feitas conforme a necessidade do caso, como solicitar mensagens ou ligações do paciente com alguma frequência, ou mesmo manter atendimentos com o TA regularmente durante as férias. A equipe discute previamente, junto com o TP, qual será a condução dada ao tratamento no período de suas férias.
Assim, o TA será o terapeuta de suporte para que o TP tenha as suas merecidas férias enquanto o paciente mantém-se engajado no tratamento, recebendo ajuda profissional. Este trabalho é mantido até o retorno do TP e, certamente, faz toda a diferença para que os dois pólos da tensão dialética da relação terapêutica sejam cuidados e respeitados.
É comum que profissionais iniciantes no trabalho em DBT acabem minimizando a importância dessas orientações sobre as férias. Pode acontecer, por exemplo, de o paciente estar emocionalmente estável há algum tempo e não apresentando condutas problemáticas. E ele estando “bem”, não se reconheça a necessidade ou função de um TA e todo o conjunto de combinações. A questão é que, justamente por tratarmos da desregulação emocional em todas suas especificidades, não temos garantias de que uma crise não ocorrerá nas férias, quando você estará em uma viagem romântica ou curtindo a festa de Ano-Novo. Não precisamos nem dizer que uma crise imprevista com um paciente nestes casos faria o descanso virar tensão e as férias perderem sua função.
Todos nós que trabalhamos com a Terapia Comportamental Dialética, em algum momento questionamos o porquê de algumas posturas e regras do modelo. E o mais fascinante é observar a efetividade daquelas mesmas regras e posturas, outrora questionadas e até julgadas como “excessivamente protocolares” ou desnecessárias.
Espero que este artigo possa contribuir com o entendimento e a aproximação dos leitores à prática da DBT, favorecendo a ação resolutiva no manejo desse delicado e necessário momento que são as férias do terapeuta. Deixo aqui o meu desejo de um excelente final de ano a todos os leitores e um 2017 cheio de conquistas e ações direcionadas aos nossos valores!
Linehan, M. M. (2010). Terapia Cognitivo-Comportamental Para o Transtorno da Personalidade Borderline. Porto Alegre: Artmed.