Continuando a série de artigos sobre comorbidades comuns nos quadros de Transtornos do Espectro do Autismo (TEA), vamos falar hoje sobre o TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), que também está frequentemente associado ao TEA. Segundo Davis e Kollins (2012), de 30% a 50% dos indivíduos diagnosticados com TEA apresentam sintomas relacionados com TDAH.
Barkley (1998) afirmou que o TDAH é a principal razão para encaminhamento para serviços de saúde mental entre as crianças em idade escolar. Segundo Chronis, Jones e Raggi (2006) os principais sintomas deste transtorno são: dificuldades crônicas e invasivas com desatenção; hiperatividade e impulsividade que resultam em deficiências profundas no funcionamento acadêmico e social em todos os contextos (casa, escola e com os pares). Estes autores apontam como principais tratamentos os medicamentos estimulantes e a modificação de comportamento. Davis e Kollins (2012) demonstraram que a combinação entre tratamento farmacológico e tratamento não farmacológico produz resultados mais efetivos no desenvolvimento de indivíduos com TEA e TDAH associados. Dentre as intervenções não farmacológicas, a Terapia Comportamental tem destaque, envolvendo o treinamento de pares, treinamento de pais, treinamento de habilidades sociais e procedimentos para controle de hiperatividade, agressividade e irritabilidade.
As intervenções farmacológicas abrangem grande parte do tratamento desta população. Estima-se que pelo menos 85% das crianças com diagnóstico de TDAH são medicadas com estimulantes (Olfson, Gameroff, Marcus e Jensen, 2003). Esta intervenção tem como objetivo a redução de sintomas que são nucleares do diagnóstico (falta de atenção, impulsividade, hiperatividade, irritabilidade, agressividade). Segundo Chronis, Jones e Raggi (2006) os remédios estimulantes reduzem as perturbações e aumentam o comportamento de se concentrar nas tarefas, a obediência e a produtividade acadêmica em sala de aula. Na área social estas medicações contribuem com a diminuição de comportamentos socialmente negativos, incluindo agressão, interações inadequadas entre pares e as interações negativas entre pais e filhos.
As intervenções comportamentais têm como principais objetivos: o desenvolvimento de repertório simbólico e social por meio de treino de respostas pivotais; o desenvolvimento de repertório social por meio de ensino incidental; o controle de sintomas de hiperatividade, agressividade e irritabilidade; o desenvolvimento de habilidades sociais por meio de mediação por pares; o desenvolvimento de habilidades sociais por meio de dicas e prompts visuais.
Segundo Chronis, Jones e Raggi (2006) esta intervenção deve considerar o nível de desenvolvimento cognitivo da criança e suas necessidades e desafios desenvolvimentais. Por exemplo, no tratamento de crianças pequenas deve-se incluir consequências tangíveis, frequentes e apresentadas imediatamente após o comportamento esperado para que a criança compreenda a ligação entre o seu comportamento e a consequência. Já com adolescentes deve-se considerar o desejo de autonomia, por exemplo, envolvendo-os mais plenamente no processo de tratamento. As consequências devem ser significativas e motivacionais para o indivíduo na sua fase de desenvolvimento. O tratamento deve ser modificado em transições de desenvolvimento, selecionando os comportamentos alvo em cada momento (Ex.: a desorganização na transição para o ensino médio.). Os procedimentos devem ser aplicados em todos os contextos em que ocorram os sintomas, principalmente casa e escola. Para isso, pais e professores devem ser treinados a aplicarem os procedimentos.
Conforme descrito por Chronis, Jones e Raggi (2006), o Treinamento Comportamental dos pais visa modificar os comportamentos dos pais de forma a aumentar os resultados positivos com seus filhos. Para isso, o analista do comportamento deve fornecer aos pais instruções sobre a implementação de técnicas de modificação de comportamento baseadas em princípios de aprendizagem social, por exemplo, ensinar aos pais como identificar e manipular antecedentes e consequentes do comportamento da criança; direcionar e controlar comportamentos problemáticos; reforçar o comportamento pró-social com elogio, atenção positiva e reforçadores tangíveis; diminuir o comportamento indesejado ignorando-o, com time-out (retirar a criança do ambiente que desencadeou o comportamento inadequado, para quebrar a contingência e evitar a continuidade do reforçamento) e outras técnicas não-físicas de disciplina (por exemplo, a remoção de privilégios).
Os professores também devem passar por intensivo treinamento para a gestão do comportamento em sala de aula. Chronis, Jones e Raggi (2006) sugerem que sejam feitas reuniões regulares com o professor da criança sobre o uso de estratégias de modificação de comportamento. Este treinamento visa ensinar os professores sobre o TDAH e a identificação de comportamentos-alvo específicos com base em uma Análise Funcional do comportamento (avaliação dos antecedentes, comportamentos e consequências). Os professores são instruídos sobre o uso de técnicas específicas de comportamento, tais como: elogios contingentes a comportamentos adequados; ignorar comportamentos inadequados; comandos eficazes; time-out; programas de manipulação de contingências mais abrangentes, individualizados ou em toda a sala de aula.
Alguns procedimentos podem ser bem eficazes para controlar a hiperatividade em sala de aula. Por exemplo: colocar atividades para fazer em pé, ou seja, dar a chance de a criança movimentar-se com função; utilizar mais modelos e dicas visuais ao invés de instruções verbais; usar “scripts” visuais de comportamento ou as chamadas “social stories”, que consistem em pequenos livros com uma imagem e uma frase curta por página descrevendo como se comportar em uma determinada situação social ou, então, apresentando o passo a passo de uma experiência nova ou aversiva para a criança. Este material visa antecipar a situação, tornando-a familiar e treinando comportamentos necessários para vivenciar aquela situação.
Inserir na sala de aula atividades de integração sensorial, devidamente orientadas pelo terapeuta ocupacional responsável pelo caso, também pode ajudar a organizar a criança, aumentando suas capacidades de concentração e controlando a agitação. Com base na avaliação do terapeuta ocupacional, deve-se limitar distrações e super-estimulações auditivas e visuais, por exemplo, fechando portas de armários que guardam objetos que não estão sendo usados; usando luz incandescente ao invés de fluorescente; diminuindo o barulho; falando com voz baixa e calma; desligando aparelhos de som e fechando portas e janelas que dão para rua ou pátio; evitando usar barulhos altos para chamar a atenção da turma, como palmas ou assobios.
As crianças com TEA e TDAH precisam de mais tempo para se familiarizarem com novos ambientes na escola. Por isso, é importante permitir que elas fiquem pouco tempo em um ambiente novo, até se sentirem mais seguras para ficar mais tempo. Outra estratégia importante consiste em evitar longos períodos em que a criança tenha que ficar sentada ouvindo uma explicação apenas verbal; deve-se permitir a movimentação da criança com TDAH de forma funcional. Estas crianças podem, ainda, ter dificuldades de permanecer em grandes grupos. É preciso dessensibilizar, aumentando gradualmente o tempo em que ela fica num grupo. Finalmente, é fundamental estabelecer e manter rotinas consistentes, de preferência com apoio visual.
Em relação às atividades acadêmicas, crianças com TEA e TDAH precisam de pequenos intervalos após a conclusão de cada tarefa. É importante que elas sejam ensinadas a pedir estes intervalos de forma adequada ao invés de usarem comportamentos inadequados com função de fuga da demanda. Como, na maior parte dos casos, estas crianças não ficam sob controle dos reforçadores naturais destas atividades, é preciso reforçar com elogios, itens tangíveis ou fichas/pontos ao completar cada tarefa, bem como quando a criança se mantiver atenta. Pode-se, ainda, oferecer opções de escolha de qual atividade fazer primeiro ou o que fazer no tempo livre. Com isso, cria-se uma sensação de estar no controle da situação, o que aumenta a motivação.
Também é válido ensinar estratégias de relaxamento (respiração profunda, relaxamento muscular progressivo, conversar consigo mesmo) para a criança com TDAH, assim, ela pode vir a aprender a controlar suas crises de agitação e super estimulação sozinha. Vale também ensinar a criança a pedir um objeto calmante, um intervalo, uma atividade mais calma ou pedir para ir para um local mais calmo (Safe Place – um espaço na sala de aula ou na casa da criança com diversas opções de estímulos sensoriais, onde a criança pode relaxar e se reorganizar sensorialmente durante ou até antes de uma crise). A equipe de intervenção deve buscar identificar os “gatilhos” da agitação e perda do controle, primeiro para tentar eliminar estes “gatilhos” (um estímulo sensorial, um determinado tipo de atividade, uma frustração, etc.) ou, se a eliminação não for possível, para ajudar a criança a iniciar estratégias de autocontrole durante os primeiros sinais da crise.
Outro ponto fundamental consiste em garantir a eficácia da comunicação (vocal ou por pistas visuais) tanto na linguagem receptiva (compreender comandos), quanto na linguagem expressiva, já que os quadros de TEA envolvem importante déficit nas habilidades de comunicação, o que pode piorar muito o funcionamento geral da criança. É preciso dar o tempo necessário para a criança processar a informação, compreender e executar a demanda.
Visando garantir maior motivação nas atividades acadêmicas, sugere-se avisar antecipadamente quando a atividade vai acabar, o que pode ser feito com um cronômetro. Com isso, gradualmente, pode-se aumentar o tempo da atividade, ensinando a criança a esperar cada vez mais tempo para ter acesso ao reforçador. Outra boa dica é fazer um “check list” de tarefas (se necessário, com imagens) para a criança ir conferindo e marcando o que já fez e sempre visualizar o que falta cumprir.
Momentos de espera podem ser particularmente difíceis para crianças com TDAH. Por isso, é fundamental dar uma atividade prazerosa para a criança fazer nestes momentos, além de começar com pouco tempo de espera e ir aumentando o tempo gradualmente.
Chronis, Jones e Raggi (2006) afirmam que as dificuldades interpessoais são uma das características marcantes de crianças com TDAH, afinal, crianças com níveis elevados de hiperatividade, desobediência e agressões são avaliadas negativamente pelos colegas e são mais propensas a serem rejeitadas. Por isso, outro aspecto importante da intervenção com esta população é o treino de habilidades sociais, que envolve o desenvolvimento e reforçamento do uso de habilidades sociais adequadas (Por exemplo: comunicação, cooperação, participação, etc.). Este treino é mais eficaz se for combinado com o treino de pais. Uma das estratégias muito utilizada no treino de habilidades sociais é a tutoria por pares, na qual um estudante presta assistência, instrução e feedback para o outro. Assim, trabalha-se ao mesmo tempo em metas de habilidades acadêmicas e sociais.
Finalmente, a atividade física é parte fundamental na intervenção em casos de TDAH e TEA, afinal, consiste em eficaz redutor de estresse e diminui as estereotipias, pois gera sensações físicas prazerosas semelhantes àquelas geradas pelas estereotipias, tornando estas menos necessárias. Recomenda-se intercalar atividades acadêmicas com atividades físicas (mais ou menos a cada 90 minutos) contribuindo, assim, para a concentração nas atividades acadêmicas e para manter a criança sentada por mais tempo. Algumas atividades físicas podem ser inseridas na própria rotina da criança em casa ou na escola, como, por exemplo, caminhar, brincar no parquinho, fazer serviços pesados como carregar uma caixa de livros; ajudar o professor a empurrar um móvel; etc. Mas, além destas atividades rotineiras, é fundamental que a criança tenha momentos específicos para atividades físicas em sua rotina com o acompanhamento de um educador físico.
Referências bibliográficas:
Barkley, R. A. (1998). Attention deficit hyperactivity disorder: A handbook for diagnosis and treatment. New York: The Guilford Press.
Chronis, A. M.; Jones, H. A. & Raggi, V. L. (2006). Evidence-based psychosocial treatments for children and adolescents with attention-deficit/hyperactivity disorder. Clinical Psychology Review, 26, 486–502.
Davis, N. O. & Kollins, S. H. (2012). Treatment for co-occurring attention deficit/hyperactivity disorder and autism spectrum disorder. Neurotherapeutics, 9, 518-530.
Olfson, M., Gameroff, M. J., Marcus, S. C., & Jensen, P. S. (2003). National trends in the treatment of attention deficit hyperactivity disorder. American Journal of Psychiatry, 160, 1071−1077.