“Todo dia ela faz tudo sempre igual” – a importância da consistência comportamental na relação com crianças

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Não é raro receber no consultório pais cansados, esgotados e perdidos com queixas parecidas: “Meu filho não me obedece!”; “nada do que peço ela faz!”; “só quer fazer aquilo que quer!”. Sem querer fazer generalizações, o que percebo na prática é a dificuldade dos pais em manter a consistência comportamental na relação com as crianças. Não é raro ouvir: “Eu não aguentava mais ouvir meu filho chorar, então eu deixei ele comer o chocolate antes do almoço”. Ou então: “Ela insistiu tanto que acabei deixando dormir na casa da amiga!”. O NÃO se transforma em SIM com facilidade: diante de choramingos, olhos cheios de lágrimas, gritos e agressões. Parece mais fácil ceder para interromper tantos comportamentos indesejados do que se manter firme naquilo que foi estabelecido – o que é uma grande armadilha, pois os pais não se atentam ao que isso pode produzir em curto e longo prazo.

Mas o que seria consistência comportamental? Segundo o dicionário Houaiss, consistência pode ser definida como coerência, regularidade. Para Weber (2009), ser consistente seria estabelecer regras e definir consequências, independente de estados de humor, nível de cansaço ou outras variáveis. Aquilo que foi combinado, prometido, deve ser cumprido – do contrário tais combinados perdem a razão de ser.

Uma grande preocupação dos pais quando se fala em estabelecer regras e limites no dia a dia é que os filhos deixem de amá-los, fiquem traumatizados ou se tornem rebeldes. Muito pelo contrário. Embora limites e regras se refiram a restrições, eles são bons porque produzem segurança. “A ausência de regras leva à insegurança quando os pais não estão presentes. Ou pode levar a criança a testar limites cada vez mais perigosos (…). Quando você ensina regras claras de maneira consistente para os seus filhos, eles aprenderão organização, estrutura e direção” (Weber, 2009, p. 96-97).

A ausência de consistência deixa o ambiente caótico, a vida se torna confusa, o que pode gerar ansiedade e insegurança. Além disso, não ensina a criança a observar as variáveis ambientais e as respostas que produzem determinadas consequências. Tais contingências produzem indivíduos insistentes e manipuladores. Não é raro ouvir dos pais que os filhos são difíceis e até chatos, que argumentam até os pais não aguentarem mais e cederem. E por que isso acontece?

Segundo Sidman (2011, p. 50), “o comportamento não ocorre em um vácuo. Eventos precedem e seguem cada uma de nossas ações. O que fazemos é fortemente controlado pelo que acontece a seguir – pelas consequências da ação”. Se diante de uma restrição ou pedido dos pais a criança chora, grita, bate e a proibição é retirada (consequência), em situações semelhantes no futuro a criança provavelmente se comportará da mesma forma, isto é, chorará, gritará, baterá diante de restrições ou pedidos. “As consequências do que fizemos determinarão quão provável é que façamos a mesma coisa novamente. (…) As consequências de nossas próprias ações agora influenciarão o que fazemos mais tarde. As consequências que aplicamos às ações de outras pessoas determinarão quão provavelmente elas farão a mesma coisa novamente” (Sidman, 2011, p. 50).

Assim, quando diante dos comportamentos indesejados (birras, choros, agressões, manipulações) da criança os pais cedem, retiram limites ou mudam as consequências do não cumprimento das regras, o repertório de insistência e manipulação se fortalece. Se a criança é insistente, difícil, precisamos buscar nas variáveis ambientais as contingências de reforçamento (CR) responsáveis pela instalação e manutenção de tais comportamentos. Como já disse Skinner, as variáveis das quais o comportamento é função “estão fora do organismo, em seu ambiente imediato e em sua história ambiental” (Skinner, 1998, p. 33). Ser insistente, birrento, manhoso ou manipular não é característica intrínseca às crianças, mas sim padrões de comportamentos que foram instalados e mantidos a partir das interações estabelecidas com as pessoas que as cercam desde o nascimento. Tais padrões comportamentais indesejados são produtos dessas CR e somente pelas alterações nessas CR é que esses padrões comportamentais serão alterados.

Referências
Sidman, M. (2011). Coerção e suas implicações. São Paulo: Livro Pleno.

Skinner, B. F. (1998). Ciência e Comportamento Humano. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes.

Weber, L. (2009). Eduque com carinho – Equilíbrio entre amor e limites. 3 ed. Curitiba: Juruá.

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Escrito por Priscila Ribeiro

Psicóloga graduada pela Universidade Estadual de Londrina, Especialista em TCR - Psicologia Clínica pelo ITCR-Campinas e Mestre em Psicologia pela USP - Ribeirão Preto. Psicoterapeuta de crianças e adultos, professora e supervisora do curso de Especialização e Qualificação Avançada do ITCR-Campinas.

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