Treinamento de Habilidades em Tolerância ao Mal Estar

Tolerância a mal-estar é um dos módulos ensinados no treino de habilidades em DBT, junto com mindfulness, regulação emocional e habilidades interpessoais. Recomendo que leiam os outros artigos da série escritos por Igor Finger e Esther Spach.

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 JÁ QUE ESTÁ NO INFERNO, ABRACE O CAPETA

O sofrimento faz parte da vida, com isso não estou dizendo que você é obrigado a gostar da moda de viola que seu vizinho coloca a todo volume quando você reúne sua família para um churrasco de domingo. Mas de qualquer forma somos obrigados a passar por situações imutáveis, que simplesmente não conseguimos evitar ou remover. Com toda a certeza você deve ter algum exemplo, alguma situação do passado que seja dolorida ou mesmo a perda de um ente querido.

Assim, a incapacidade de aceitar um fato imutável leva a mais sofrimento (LINEHAN,2015), no sentido comportamental, removemos algum estimulo aversivo e reforçamos negativamente, exatamente aquilo que queríamos evitar. Podemos citar alguns problemas clínicos bastante comuns em consultórios como o Transtorno de estresse pós-traumático, luto patológico e dor crônica. Lembro dos estudos de John Kabat Zin com dor crônica, autor que iniciou o treinamento de mindfulness; estas pessoas ficaram sem dor? Não, apenas a aceitaram. Aqui é importante ressaltar que tolerância a mal-estar é entendido como uma progressão natural das habilidades de mindfulness (para mais detalhes sugiro o texto do Igor Finger sobre o tema).

Uma das premissas da tolerância ao mal-estar é a aceitação radical da realidade –Deixe-me explicar: Imagine  aquela tarde de verão chuvosa nas suas férias, na qual os seus amigos decidem passar o tempo jogando pife. E quando distribuem as cartas, a sua mão é horrível, cuja a probabilidade de vitória é próxima de zero. O que você faz? Pega as cartas e continua jogando…Você aceita as cartas que a vida te deu.

Mas então, Diego, você está me dizendo para simplesmente desistir? Não. Aceitar radicalmente a realidade não é resignação, não é passividade ou aprovação. Por vezes recusamos aceitar uma coisa como uma maneira “mágica” de mudar a realidade. Por que isso é tão importante? Porque não aceitar a realidade, não muda a realidade – simples assim.

Apesar do exemplo cotidiano, aceitar a realidade para questões cujo  sofrimento é maior que perder em uma partida de pife é muito mais doloroso. Entretanto cabe ressaltar que aceitar sua própria condição é uma questão de escolha, é dirigir sua mente para o caminho da aceitação. É a decisão tomada pelo personagem Neo do filme Matrix – Neo era um pacato hacker que vivia tranquilamente em seu apartamento, quando surge uma série de personagens que explicam que o mundo que ele conhece não é real, e sim uma ilusão criada por inteligência artificial. Assim um dos personagens, Morpheus lhe dá a opção de escolher entre uma pílula azul, com a qual a vida de Neo continuaria como estava, do modo que foi programada, ou tomar a pílula vermelha podendo então ver o mundo como ele de fato é –ou seja dirigir a mente é escolher tomar a pílula vermelha.

E quando fizer essa escolha, simplesmente não percorrer o caminho resmungando e cheio de reticências. Mas percorrer o caminho com a disposição aberta e flexível para a trajetória, fazendo aquilo que funciona. Fazendo com consciência plena dos pensamentos atuais, não rejeitando a experiência da realidade. Entender esse conceito é primordial para o tratamento de quem sofre de desregulação emocional, pois muitas vezes nós terapeutas hesitamos dar certos feedbacks para os pacientes, temendo que ele possa “não aguentar”. Não devemos tratar nossos pacientes como frágeis, temos que ensinar habilidades para que estes aceitem as coisas imutáveis de suas vidas e mudem aquelas que são possíveis.

SOBREVIVÊNCIA A CRISES

Caso você não tenha estado congelado numa câmara de criogenia nos últimos meses, terá ouvido muito essa palavra, referindo à situação econômica e política de nosso país. Em DBT estamos falando de comportamentos motivados pela desregulação emocional cuja a consequência envolve risco à vida.

Uma boa notícia sobre a crise, é que ela é passageira. No entanto ela é de um sofrimento muito intenso para a pessoa que o sofre, por isso é importante aprendermos habilidades para gerenciar o sofrimento a curto prazo, e assim deixar a situação mais tolerável e frear comportamentos impulsivos sem deixar a situação piorar.

Por isso que na DBT é muito comum termos ligações de emergência, para as quais o terapeuta e o paciente  delimitam com antecedência que situações podem ser consideradas crises.Assim  o paciente pode ligar para o terapeuta e receber o apoio para o uso das habilidades que estão sendo treinadas, antes de cometer um comportamento de autolesão, tentativa de suicídio ou mesmo uma recaída em drogas. Aquele famoso ditado popular “já que está no inferno, abrace o capeta” é valido na hora de reconhecer que a situação de uma pessoa em crise é realmente horrorosa. Mas é importante ensinarmos “como” abraçar o “capeta” ou seja, como tolerar o desconforto da crise, até que ele reduza de intensidade.

Em um treino de habilidade em DBT são aprendidas técnicas que envolvam alterar a temperatura do corpo, fazer exercícios intensos,  distrair-se do que  causa mal-estar, e melhorar o momento em que se encontra. Para que a pessoa em crise tenha habilidades para lidar com sua vida sem ter que usar os comportamentos de risco à vida. Essas habilidades são ensinadas no grupo de treino de habilidades, mas em geral são os primeiros ensinamentos do terapeuta individual para auxiliar o seu paciente a sobreviver as crises no início de um tratamento.

Essas habilidades são essenciais para a diminuição de comportamentos de autolesão e suicídio, pois na DBT entendemos que tais comportamentos são soluções não adaptativas para seus problemas. E se queremos diminuir esses comportamentos, precisamos ensinar outras habilidades para tolerar o sofrimento.

A DBT não é um tratamento cujo  objetivo é simplesmente impedir uma pessoa de se matar, mas um tratamento em que o paciente viva uma vida que valha a pena ser vivida e isso envolve sofrimento também. Por isso precisamos de habilidades para conviver com ele e assim, nos mantermos focados em nossos valores. Tolerância ao mal-estar é não deixar a moda de viola de seu vizinho estragar o fato de você estar em um churrasco com sua família e amigos, é você ficar com sua família apesar da música.

 

 

REFERÊNCIAS

  • Linehan, M. (2015). DBT Skills Training Manual. 2 edition. New York: The Guilford Press.
  • Kozasa, E.H., Little, S., & Souza, I.C.W. (2015).Programa de redução de Estresse Baseado em Mindfulness. In: Santos, P.L,. Gouveis, J.P,. & Oliveira, M.S. Terapias Comportamentais de Terceira Geração. (pp 104-126). Novo Hamburgo: Sinopsys,v.1.

 

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Classificação do artigo

Escrito por Diego Alano

Coleção “Comportamento em foco” – ABPMC

A vida de B.F. Skinner parte VII: Minnesota