A vida de B. F. Skinner Parte I: Infância e Adolescência

Este é o primeiro artigo de uma série que discutirá a vida de Burrhus Frederic Skinner. Quem é o homem por trás da teoria que inspira tantas pessoas até hoje? O objetivo desta série é reconstruir o caminho percorrido por Skinner, apontando aspectos de sua vida pessoal que determinaram seu comportamento e, consequentemente, o de muitos outros. Espera-se que esta narrativa possa não apenas cativar o leitor, mas também tornar natural e humano aquilo que mais nos fascina.baby

Burrhus Frederic Skinner, apelidado de “Fred”, nasceu em 20 de março de 1904, em uma pequena cidade com cerca de dois mil habitantes chamada Susquehanna, no interior da Pensilvânia. O parto do pequeno Burrhus foi complicado e sua mãe quase faleceu, fato que era ocasionalmente relembrado por ela. A existência da cidade se deve a ferrovia Erie Railroad que cruzava a mesma, a economia local orbitava a manutenção e serviços relacionados ao sistema ferroviário. Como os trens da época eram movidos à carvão, a poluição acinzentava a cidade.

 A pequena cidade era formada por muitos imigrantes, principalmente vindos da Irlanda, Itália e Inglaterra, dentre os quais o avô paterno de Skinner, vindo de Devonshire (ING). James Skinner casou-se com Josephine Penn e tiveram William Skinner, pai de Burrhus. Descritos como humildes e até rudes pelo neto, os avós paternos não foram figuras tão marcantes em sua infância como os avós maternos. James estava sempre à procura de trabalho (geralmente como pintor) e vivia uma vida simples e pacata com sua esposa, que cuidava do lar. Talvez o acontecimento mais significativo que envolveu a avó Josephine foi quando ela, com o auxílio de um fogão quente, descreveu para o neto de apenas 10 anos a ardência eterna do fogo do inferno, destino dos pecadores. Este episódio não fortaleceu a relação entre eles e ainda rendeu pesadelos ao pequeno Fred.

Filho único deste casal, William Arthur Skinner, nascido em 1875 trilhou um caminho diferente dos pais, que não receberam nenhum tipo de educação formal. Após se formar no colegial como um dos melhores de sua turma, foi para a cidade de Nova York se formar em Direito, se sustentando com o trabalho em uma livraria de seu tio. Ao retornar para Susquehanna, o jovem advogado começou a ganhar fama local ao abrir um pequeno escritório, tanto que foi contratado pela maior empresa da cidade, a Erie Railroad. Os frutos do trabalho de William lhe renderam um certo status social, o que incentivou William a se envolver na política local. Um ano antes de ter seu primeiro filho, William se candidatou a prefeito da cidade, mas perdeu por uma pequena margem, entretanto isso não o tornou menos convicto de seus ideais republicanos.

William casou-se com Grace Madge Burrhus em 1902, filha de Charles e Ida Burrhus. Os pais da jovem Grace eram pessoas queridas pelo neto. O avô era um veterano de guerra e trabalhou como carpinteiro, suas habilidades manuais sempre impressionaram o jovem Fred. Quando pequeno, seu avô adicionava café ao seu leite, uma prática condenada pela mãe, a qual acreditava que a bebida impediria o crescimento do filho. Mais tarde, Skinner confessa que o café nunca mais teve o mesmo sabor. Burrhus descreve sua avó Ida como uma ávida leitora de ficção, além de ser excelente costureira e cozinheira. No colegial, Grace se formou como a segunda de sua turma e começou a trabalhar como secretária de um grande escritório de advocacia. Entretanto, assim como muitas mulheres que se casavam no início do século passado, Grace deixou sua carreira para se casar e ter filhos. Tanto Grace como William compartilhavam um otimismo em relação ao futuro, tinham fé de que prosperariam juntos com a ética de trabalho protestante.

 Um aspecto marcante do comportamento dos pais de Fred é a sensibilidade à aprovação social. Skinner descreve seu pai como uma pessoa muito vaidosa, que não perdia a oportunidade de se elogiar. Burrhus critica seu pai pela aceitação acrítica do american way of life e de suas posições política rígidas, mesmo depois da Grande Depressão. Enquanto sua mãe, frustrada com sua carreira profissional, ansiava por uma posição de prestígio na comunidade. Uma forma de conseguir isso, foi participando de diversos grupos, como grupos de leitura e serviço voluntário na cantina da Cruz Vermelha durante a Primeira Guerra Mundial.

Fred e seu irmão dois anos mais novo, Edward (mais conhecido como “Ebbie”), cresceram em um ambiente social marcado pelo controle social. Sua mãe frequentemente o chamava a atenção dizendo “O que os outros vão pensar?”. Esta reprimenda, segundo a filha do próprio Skinner (Vargas, 2004), parece ter afetado sua sensibilidade à aprovação social. Mais tarde em sua obra, Skinner estabeleceria a distinção entre reforçadores intrínsecos e extrínsecos. Apesar de serem membros da Igreja Protestante, Grace e William não deram um lugar de destaque para a religião na educação de seus filhos.

Assim como seus pais, Fred nutria carinho por seu irmão mais novo. Ebbie atendia mais as demandas sociais de sua época, era habilidoso nos esportes e tinha muitos amigos. Burrhus, apesar de reconhecer que seu irmão mais novo era claramente o favorito dos pais, não rivalizava com ele. Durante a infância, exploravam juntos o enorme quintal de sua casa, um local muito caro para Skinner. Fred desfrutava de muita liberdade física, o mundo em que vivia era um grande convite à exploração. Seu quintal era repleto de frutas silvestres que cresciam livremente, animais como esquilos, sapos e tartarugas faziam parte de sua vida cotidiana.

O passatempo favorito de Skinner, em sua infância, era criar engenhocas, dispositivos com diferentes utilidades. Entre suas primeiras invenções estão: um limpador de sapatos; um sistema hidráulico na garagem de seu avô; um lançador de cenouras; instrumentos musicais feitos de pentes e cordas velhas de violino e um mecanismo de separação de frutas silvestres maduras das verdes. Além disso, com caixas de papelão usadas, o pequeno Fred fez um ambiente tranquilo do lado de fora de sua casa, em que podia guardar seus livros e lê-los com ajuda de uma vela. Esta, talvez, tenha sido a primeira caixa de Skinner. Uma vez, com a ajuda de um grande amigo, Raphael Miller (a quem dedicou o primeiro volume de sua autobiografia), se divertiu ao tentar embebedar pombos adicionando álcool ao milho. A inventividade e tendência a exploração do jovem Skinner ganhou outro espaço, o escotismo. Era uma oportunidade para se aventurar na natureza com outros meninos de sua idade. Contudo, as adversidades da vida na natureza o motivaram a retornar para o conforto de seu lar e deixar o escotismo.

Um aspecto importante da infância e adolescência de Skinner foi a música. Quando jovem, Grace foi uma cantora de relativo sucesso, cantando em diversas celebrações da comunidade. O amor pela música foi valorizado por ela, incentivando seus filhos a aprender a tocar instrumentos musicais. Ebbie aprendeu a tocar clarinete e Fred piano e saxofone. Inclusive o irmão mais velho, durante seus anos de colegial, tocava em uma banda de jazz duas noites por semana. Com suas apresentações em clubes ou no cinema, Skinner ganhou seu primeiro dinheiro. Além disso, Fred trabalhou em uma loja de sapatos e no jornal local, chamado The Susquehanna Transcript, provavelmente influenciado pela valorização do trabalho, característica daquele contexto. Outra atividade que Skinner gostava de fazer era ler e escrever história e poemas, sua imaginação era fecunda e não necessitava de muito para ser incitada.

Durante sua infância, Skinner descreve sua inocência sobre sexo como “extraordinária”. Talvez pela falta de orientação, diz ter descoberto a masturbação por “acidente” e tinha medo das possíveis consequências aversivas deste comportamento. Já na adolescência, Fred teve contato com diversas meninas, mas relata que, na época, era um tanto desajeitado. Com Marion, uma jovem muito sedutora, segundo o autor, Fred era autorizado a tocá-la até três dedos acima do joelho. Entretanto, outros meninos também possuíam esse privilégio, sendo alguns com acesso a mais centímetros acima do joelho, Skinner não estava muito bem colocado no ranking. O amor mais significativo dos tempos de colegial foi Margaret Persons, uma ruiva muito bonita com quem Fred saiu por quase um ano. Eles desfrutavam de longas caminhadas e tardes de domingo na varanda da casa da jovem. A menina se sentia muito culpada por qualquer contato íntimo e o relacionamento terminou quando a família Skinner se mudou da cidade.

Durante toda sua vida escolar, Skinner frequentou a mesma pequena escola pública de tijolos. Fred descreve sua escola como um ambiente agradável, no qual tinha um ensino de boa qualidade, principalmente em matemática. Seu desempenho acadêmico era excelente e ele se formou, assim como seus pais, como o segundo melhor de sua turma. Sem dúvida, o que mais marcou Skinner no contexto escolar foi o contato com Mary Graves, a quem mais tarde dedicaria o livro Tecnologia do Ensino.

Mary Graves
Mary Graves

A influência intelectual de Mary seria determinante para a história de vida de Skinner. A professora era uma das poucas pessoas da comunidade a aceitar as ideias de Darwin sobre evolução. E, ainda que fosse religiosa, Mary não interpretava a Bíblia em seu sentido literal, mas como uma metáfora. Os dois se encontravam fora do horário escolar para discutir literatura e ciência. Mais do que qualquer outra pessoa, Mary ajudou Fred a ver para além dos limites do horizonte intelectual dos pais. Para a tristeza do jovem, Mary morreu de tuberculose no ano seguinte da formatura de Skinner no colegial.

Após a Primeira Guerra Mundial, a cidade entrou em declínio econômico. Modificações tecnológicas no sistema de funcionamento ferroviário também contribuíram para o desemprego de muitos habitantes. Entretanto, com o convite para ser advogado da Hudson Coal Company em Scranton, uma cidade próxima, foi a oportunidade de mudança ansiada pela família.

Skinner, aos 19 anos de idade.
Skinner, aos 19 anos de idade.

O desejo de Skinner por desafios e independência intelectual o motivou a ir à faculdade. Por indicação de um amigo da família, Fred aplicou para a Hamilton College, em Clinton, NY. A apresentação do diploma do colegial e uma carta de indicação do diretor da escola foram suficientes para a aprovação. Nesta carta o diretor Bowles retratou o jovem Fred como um estudante esforçado que a faculdade não poderia recusar. Apesar disso, disse que seus embates com professores e colegas eram frequentes.

Entre outras bagagens, Skinner levou consigo para a universidade sua inventividade, seu desejo de ampliar horizontes intelectuais e, ao mesmo tempo, a valorização de distinções sociais de sua pequena cidade conservadora.

O próximo artigo descreverá a experiência universitária de Skinner e seus percalços durante os primeiros anos de formado.

 

Referências:

Bjork, D. W. (1997). BF Skinner: A life. American psychological association.

Skinner, B. F. (1976). Particulars of my life. Behaviorism, 4(2), 257-271.

Vargas, J. S. (2004). A daughter’s retrospective of BF Skinner. The Spanish journal of psychology, 7(02), 135-140.

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Escrito por Cainã Gomes

Formado em Psicologia pela PUC-SP e especialista em Clínica Analítico-Comportamental. É pesquisador do Paradigma - Centro de Ciências do Comportamento, onde também atua como terapeuta. Tem experiência na área de Análise do Comportamento, com ênfase com Comportamento Governado por Regra e RFT (Relational Frame Theory). Foi coordenador da Comissão de História de Análise do Comportamento da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental (ABPMC) na gestão 2015-2016. Além disso, é mestrando do programa de Psicologia Experimental: Análise do Comportamento da PUC-SP com período sanduíche na Universidade de Gent, sob orientação do Prof. Dermot Barnes-Holmes. Está cursando o Intensive Training em DBT do Behavioral Tech, Linehan Institute.

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