Não deixe o “Aqui-e-Agora” para depois

Ao começar a leitura deste texto, proponho uma experiência, peço que responda a três questionamentos: 1º “Onde você está? ”, 2º “Que horas são? ” e 3º “Quem você é?”. Imagino que esteja esperando afirmativas agora, no entanto, o premiarei com mais perguntas: O que você fez para responder às questões acima? Observou o ambiente ao seu redor? Consultou o relógio? Pensou em sua história? Lembrou de algum episódio específico marcante para você? Descreveu suas principais características?

É provável que tenha utilizado ao menos uma dessas estratégias, eventualmente, pode ter pensado em quem gostaria de ser ou até mesmo sobre o que pretende se tornar, seja no aspecto pessoal ou profissional. Pensar sobre o futuro é um comportamento bastante recorrente em nosso dia-a-dia. O mesmo acontece em relação ao passado, frequentemente passamos boa parte do tempo nos lamentando em relação ao que aconteceu ou deveria ter acontecido ou relembrando momentos bons, como se fossem os únicos que já vivenciamos.

Tais pensamentos, sentimentos e lembranças relacionados ao futuro ou ao passado são realmente importantes, afinal, afetam o modo como nos comportamos no presente. Se pretendo passar no vestibular, por exemplo, é provável que meu comportamento de estudar seja selecionado. Principalmente se ao longo de minha história de reforçamento, o comportamento de estudar foi consequenciado por boas notas e aprovação nas disciplinas escolares.

Além disso, se não fossemos capazes de nos lembrarmos de experiências vivenciadas anteriormente, teríamos que exaustivamente aprender como nos comportar frente a situações pelas quais já fomos expostos. Do mesmo modo, se não buscássemos prever o comportamento, bem como se não tivéssemos perspectiva de que o Sol nascerá amanhã, dificilmente teríamos construído um sistema cultural tão sofisticado.

Esses são apenas alguns dos exemplos que indicam a relevância do processo de seleção de comportamentos vinculados à lembrança do passado e ao planejamento do futuro. No entanto, esses mesmos comportamentos podem estar intimamente relacionados ao sofrimento humano, em especial, quando se deixa de vivenciar o momento presente, devido a determinados eventos que ocorreram no passado ou pelas preocupações excessivas com o futuro. Procure fazer uma breve reflexão: quantas vezes nesta semana ou até mesmo hoje, você se pegou pensando nas coisas que teria que fazer e acabou não fazendo o que deveria na situação presente?

Caso isso não tenha acontecido contigo, façamos outro exercício: quantas vezes enquanto lê este texto, você se lembrou de momentos do passado ou do futuro e não se focou na leitura? Claro que neste exemplo é provável que a retomada de eventos passados e futuros não tenha sido prejudicial, podendo, inclusive, ser útil. No entanto, a questão é: Quais são os efeitos quando ao fazermos isso deixamos de nos expor às contingências presentes?

A armadilha é sutil e facilmente somos envolvidos. Estamos cercados de estímulos e somos incentivados a realizar várias atividades ao mesmo tempo. Podemos jantar, assistir jornal, enviar mensagens a um amigo pelo  WhatsApp e responder a um e-mail com facilidade e rapidez. No entanto, logo em seguida, é provável que sejamos incapazes de descrever com detalhes o sabor do que comemos.

Tente essa semana fazer o exercício de vivenciar uma determinada situação, estando, de fato, presente. Caso algum pensamento lhe venha, deixe-o ir e vir, sem se focar no mesmo e vivencie o que estiver fazendo, as sensações que produzem em seu corpo. Essa prática pode ser feita a partir de atividades simples, como lavar louças, escovar os dentes, comer um chocolate, caminhar, tomar banho etc. Acredito que se surpreenderá com a experiência, tanto pela característica inédita que esta dispõe, quanto pela dificuldade em realizá-la.

Tal estratégia de mindfulness busca o alcance da atenção plena, de modo que o indivíduo possa experenciar o aqui-e-agora. O foco no momento presente, por sua vez, constitui um dos pilares da Terapia de Aceitação e Compromisso, perspectiva que prevê a aceitação dos eventos privados e o compromisso com a ação guiada pelos valores (Hayes, Strosahl & Wilson, 1999). Não se trata de desconsiderar a história ou os sonhos em relação ao que virá, mas de fazer isso se permitindo saborear cada experiência.

Pode parecer fácil, no entanto, exige treino. Confesso que estou há vários dias praticando e ainda encontro dificuldades em algumas situações, posteriormente, quando as analiso, noto o quanto estive envolta em meus pensamentos e sentimentos. A aplicação de mindfulness, nesse sentido, pode ser traduzida enquanto um processo, que assim como tantos outros, dar-se-á por meio de passos gradativos.

Quando ensinamos estratégias de mindfulness para clientes, por exemplo, é comum que esses as confundam com técnicas de relaxamento. No entanto, os objetivos são diferentes. A partir do mindfulness não se pretende relaxar necessariamente, o objetivo é vivenciar qualquer sensação ou sentimento, sejam agradáveis ou não. Tem-se como perspectiva que os eventos privados fazem parte da história do indivíduo e são produtos de contingências, portanto, a classificação que se faz dos mesmos como bons ou ruins, certos ou errados, é arbitrária.

Por meio da Terapia de Aceitação e Compromisso a meta não é atingir a felicidade, no que se refere à definição do termo como infinito bem-estar, mas sim construir uma vida mais plena, rica e significativa, o que certamente envolve lidar com os eventos privados (sem a busca pelo controle), bem como vivenciar o presente (Harris, 2011). O desafio está lançado: ao invés de deixar para amanhã, que tal começar experimentando o que está sentindo neste momento? Foque sua respiração e cada parte do seu corpo, leve o tempo que precisar.

Nas cenas de um filme, o mestre indaga o seu aprendiz e o ensina:  1º “Onde você está? AQUI”, 2º “Que horas são? AGORA” e 3º “Quem você é? ESTE MOMENTO”. Da ficção à realidade, estamos diante da possibilidade de mudar o rumo da caminhada, a nova paisagem provavelmente não será bela ao longo de todo o percurso, entretanto, valerá cada passo se esse movimento for realmente vivenciado.

Caso tenha praticado ou esteja praticando algum dos exercícios aqui sugeridos, convido-o a compartilhar sua experiência com o Comporte-se. Será um privilégio ainda maior dividir contigo este momento.

Referências bibliográficas:

Hayes, S. C., Strosahl, K. D. y Wilson, K. G. (1999). Acceptance and Commitment Therapy. An Experiential Approach to Behavior Change. New York: Guilford Press.

Harris, R. (2011). Liberte-se: Evitando as armadilhas da procura da felicidade. Rio de Janeiro: Agir

Smart, Amy (Diretor). (2006) O Caminho do Guerreiro Pacífico. Alemanha

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Escrito por Roberta Seles da Costa

Graduada em Psicologia na Universidade Estadual de Londrina e Mestra em Análise do Comportamento pela mesma instituição. Com formação em ACT e FAP pelo Instituto Continuum de Londrina. Atualmente atende como psicóloga na Clínica Primed e faz parte do grupo "Iluminar - Análise do Comportamento e Psicoterapia" em Ponta Grossa. Também atua como professora do ensino superior.

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