A Amazônia legal é a região brasileira que compreende os estados: Amazonas; Pará; Acre; Amapá; Roraima; Rondônia; Tocantins; e parte do Maranhão e Mato Grosso. Ela corresponde a mais de 50% do território nacional, embora abrigue menos de 13% da população. Este texto irá abordar sobre o desenvolvimento conturbado da região.
O que isso tem a ver com a análise do comportamento? Uma história de opressão que ilustra os danos causados pela criação de contingências desconectadas com a realidade de um povo. Diferente de outras regiões, o planejamento federal das políticas destinadas ao desenvolvimento da Amazônia, na segunda metade do século passado, visavam áreas especificas que atendiam necessidades exteriores à região.
A fronteira tropical
A Amazônia teve um desenvolvimento tardio. Até metade do século passado o mercado da Amazônia era voltado, quase que exclusivamente, para relações inter-regionais. Este quadro começa a mudar, no final da década de 50, quando o governo federal se volta para o desenvolvimento da região, visando desenvolver atividades complementares as das outras regiões, principalmente do Sudeste (de Lira, da Silva & Pinto, 2009).
Entretanto, a crise do petróleo, da década de 70, força o governo federal a espremer todos os recursos possíveis de cada uma das suas regiões. Isso ocasiona o aumento da velocidade da exploração, ou se preferir, das estratégias de desenvolvimento da região. Contudo a velocidade fez com que o planejamento da região fosse feito sem um conhecimento das suas características tanto naturais, mais principalmente, socioeconômicas (de Lira, da Silva & Pinto, 2009; Pinto 1977).
Sendo assim, o governo federal institui os Planos de Desenvolvimento Regionais (PDR), sendo o Plano de Desenvolvimento da Amazônia (PDA) parte destes. O interesse por trás dessa ânsia de desenvolvimento era: (a) criar um mercado para consumir os produtos e dinamizar a economia das regiões mais desenvolvidas (Sul e Sudeste); (b) contribuir para a diluição dos custos da produção industrial nacional; (c) fornecer matérias-primas para as regiões desenvolvidas (Pinto, 1977).
Dentre os PDA’s, destaca-se o segundo. Mesmo sendo da década de 70 – e suas políticas tendo durado apenas 12 anos – este PDA foi responsável pelo que ficou conhecido como “Polamazônia”, a construção de Polos em cidades ou regiões estratégicas da Amazônia, algo que marcou social e economicamente a região até os dias de hoje. As 3 principais cidades que encabeçaram o desenvolvimento da região foram: Manaus; Belém e Cuiabá. Não foram as únicas que abrigaram polos, porém foram as mais beneficiadas.
E aqui o que já era um problema ficou pior…
O oprimido dentro de um arranjo de contingências opressor
Embora não seja muito comum lermos os termos “oprimido” e “opressor” na literatura da AC, estes não são estranhos a essa teoria. Holland (1973/1977; 1974) em diversos momentos ressaltou que os arranjos de contingências vigentes na nossa sociedade atendem os interesses de “alguém”, e este “alguém” é uma pequena elite que é reforçada positivamente pela manutenção do status quo.
Os polos instituídos na região amazônica não visavam atender a necessidade das pessoas da região. Atendiam uma demanda do mercado exterior ou ao mercado do eixo Sul-Sudeste do Brasil, ou seja, aqueles que determinavam as contingências em vigor. Em Manaus se instaura a Zona Franca; no Pará os principais polos foram para a extração de minério e madeira, bem como pecuária e a pesca; Já no Mato Grosso, os polos visavam o agronegócio.
O arranjo de contingências descritos no II PDA não acarretou no desenvolvimento da região, muito pelo contrário, ele aumentou a discrepância entre os municípios. Três grandes falhas podem ser apontadas no seu plano diretor: 1) Suas políticas não tentaram desenvolver as atividades econômicas que já existiam na região; 2) O dinheiro advindo dos polos não ficava na região, ele era direcionado para o eixo Sul-Sudeste; 3) A criação dos polos visou apenas o mercado nacional, e não o desenvolvimento socioeconômico da região, portanto as cidades fora dos polos continuaram na pobreza. (Para você ter uma ideia, Manaus chegou a concentrar 98% de todas as indústrias que foram instaladas no estado do Amazonas na época).
Pode-se notar que a racional por trás do II PDA é a que a Amazônia continua sendo uma “colônia de exploração” para o Sudeste do Brasil. Pinto (1977) alerta que em nenhum momento da história, uma região ou país se desenvolveu pelo modelo de “colônia de exploração” baseado no extrativismo.
Servirão os princípios comportamentais para a Amazônia?
A preocupação com minorias (pelo poder que detêm, não necessariamente pelo seu número absoluto) sempre esteve em foco na AC (Holland, 1973/1977; 1974; Guerin, 1957/2005; Terry, Bolling, Ruiz, Brown, 2010). Portanto não é de se espantar que esta abordagem tenha desenvolvido ferramentas úteis para o amazônida enquanto minoria. Acredito que dentre estas ferramentas duas tem um papel fundamental: a análise funcional e a problematização do contexto político. Vale a ressalva que os analistas do comportamento não são os salvadores da pátria, na verdade muito do que subjazem sob os dois conceitos já foram alcançados por outras áreas do conhecimento, de maneira sistemática ou não.
Dentro do contexto regional a análise funcional serviria para trazer à tona as relações de dominação mantidas pelo atual arranjo de contingências. Por exemplo, a descrição dos produtos de 12 anos de Polamazônia para o desenvolvimento socioeconômico das pessoas de toda a região, e não apenas a descrição enviesada baseada no aumento da participação da região na economia do resto do país; ou uma análise de todo o processo da atuação dos Grandes Projetos minerais no Pará, que exploram a região quase que na obscuridade para o grande público e mesmo assim reduziram a expectativa de vida da maior reserva de minério de ferro do mundo de 400 anos para 90 anos, podendo ter uma nova redução drástica até 2020.
A partir de uma melhor noção do seu contexto, o povo da região poderia planejar melhores formas de contracontrole, ou seja, maneiras de combater as contingências em vigor. Estas estratégias seriam frutos das pessoas envolvidas na situação. Condizentes com o contexto amazônico, e não poderiam ser importadas dos contextos das outras regiões do Brasil.
Entretanto, dentro deste contexto, uma análise funcional que não levasse em consideração as variáveis políticas envolvidas, seria uma análise aleijada. Apesar do destaque dado as variáveis politicas por alguns analistas do comportameto (Holland, 1973/1977; 1974; Guerin, 1957/2005) e as teorias feministas em discussão com o behaviorismo terem, cada vez mais, sistematizado formas de se trabalhar com estas variáveis (Terry, Bolling, Ruiz, Brown, 2010), este ainda é um tema nebuloso para muitos de nós.
É imprescindível trazer para discussão as politicas públicas direcionadas para a região, bem como, construir um ambiente em que essas discussões sejam comuns. É claro que esse tipo de ambiente não será construído de uma hora para a outra, porém ele deve ser planejado o quanto antes. Enquanto vermos a política como algo que foge das mesas de discussão ou que os comportamentos da nossa rotina são neutros e não influenciados por um arranjo desigual de poder, não há o que fazer pela Amazônia (Além de suas políticas verdes que embora necessárias, também refletem esse ranço colonial do resto do país sobre a região).
A mudança virá por meio do conflito. Quando o dominado perceber sua posição no contexto, ele tentará mudá-la e com isso abalará a estrutura social cristalizada. Se nesta estrutura, uma elite se beneficia dos reforçadores advindos de um determinado arranjo de contingências, a mudança desse arranjo será aversiva para esta elite.
É a ironia da mudança social. Para um oprimido deixar de ser oprimido, necessariamente o opressor deve perder algo. Uma coisa boa para um é uma coisa ruim para o outro. Dois lados de uma mesma moeda. Tal qual a ambiguidade descrita por Lucio Flavio Pinto sobre a realidade do povo da Amazônia que ao mesmo tempo em que em vive o anteato da criação, vive o anteato da destruição.
Referências
de Lira, S. R. B.; da Silva, M. L. M.; Pinto, R. S. Desigualdade e heterogeneidade no desenvolvimento da Amazônia no século XXI. Nova economia, 19 (1), pp. 153-184.
Guerin, B. (1957/2005). Handbook of interventions for changing people and communities. Nevada: Context press.
Holland, J. G. (1974). Political implications of applying behavioral psychology. (http://neurodiversity.com/library_holland_1972.pdf)
Holland, J. G. (1973/1977). Servirán los principios conductales para lós revolucionários? Em: Keller, F. S. & Ribes-Iñesta, E. Modificación de conducta: aplicaciones a la educación. México: Ed. Trillas. PP.265-281.
Pinto, L. F. (1977). Amazônia: o anteato da destruição. Belém: Grafisa.
Terry, C., Bolling, M. Y., Ruiz, M. R., Brown, K. (2010). FAP and feminist therapies: confronting power and privilege in therapy. Em Kanter, J. W. et al (Orgs). The practice of functional analytic psychotherapy. (pp. 97-122). Seatle: Springer.