Convivemos com a Análise do Comportamento em nosso dia-a-dia muitas vezes sem sequer nos darmos conta. Em muitas situações do nosso cotidiano podem ser facilmente identificados princípios da análise do comportamento aplicada. Alguns exemplos serão discutidos nesse texto.
Você já ouviu falar ou já leu algo sobre o sistema de economia de fichas? É bem possível que sim. Isso porque os primórdios da história da análise do comportamento foram marcados pela modificação do comportamento e uma das ferramentas dessas práticas era o sistema de economia de fichas. Porém, até os dias de hoje muito já se estudou, muito já se desenvolveu e o fato é que ainda podemos identificar o procedimento, não só dentro dos consultórios e instituições onde atuam os analistas do comportamento, mas inclusive em nosso cotidiano.
Imagine a seguinte situação: é hora do almoço e a condição de privação já estabelecendo como reforçador de um belo prato de arroz com feijão. Então, você encontra um restaurante simpático com um preço acessível. Após eliminar a condição aversiva que estava em vigor, comendo a saborosa combinação brasileira, encaminha-se ao caixa para pagar o almoço. Eis então que a operadora do caixa oferece um “cartão-fidelidade” ao entregar o troco e explica: “sempre que consumir uma refeição aqui, você tem direito a um carimbo. Quando completar 10 carimbos você tem direito a uma refeição grátis acompanhada de um copo de suco e sobremesa.” Você aceita o cartão e ganha seu primeiro carimbo. Agora, qual a chance de você voltar naquele restaurante nos próximos almoços?
E o que, afinal, é o sistema de economia de fichas? Poucos sabem mas, sistemas com os princípios do que nomeamos como economia de fichas existem desde as sociedades mais antigas, baseadas na agricultura: moedas de argila, que as pessoas podiam ganhar em troca de bens e serviços, conforme Schmandt-Besserat (1992) no trabalho de McLaughlin e Barretto (2013). O sistema tem sido amplamente pesquisado ao longo das últimas décadas e aplicado em diferentes configurações. Os professores e cuidadores têm utilizado esses sistemas no ensino geral, educação especial, e em ambientes comunitários. Por causa da variedade de sistemas baseados em fichas e a facilidade com que os professores podem implementá-los, são utilizados em larga escala. Os princípios comportamentais desse procedimento são baseados principalmente no conceito de condicionamento operante. As fichas são, na maioria das vezes, um estímulo neutro na forma de “pontos” ou itens tangíveis que são concedidos aos participantes para aumentar a probabilidade de comportamentos alvo. Assim, a ficha, que é neutra anteriormente, é repetidamente apresentada ao lado ou imediatamente antes de um estímulo reforçador. Esse estímulo pode ser uma variação de comestíveis, privilégios, ou outros incentivos. Ao realizar este processo de repetição de apresentações de fichas neutras antes do estímulo de reforço, a ficha torna-se a também um estímulo reforçador (McLaughlin & Barretto, 2013).
No caso do exemplo do restaurante, o cartão fidelidade pode ser discutido a luz do sistema de economia de fichas. Os carimbos, podem se tornar estímulos reforçadores ao serem trocados por uma refeição completa. E isso pode aumentar a chance dos clientes voltarem ao restaurante e consumir as refeições, como comportamentos alvo.
Além desse exemplo, outras estratégias de marketing podem ser facilmente lembradas. O sistema de milhas em companhias aéreas, que são trocadas por passagens aéreas quando acumuladas em um determinado número é outro exemplo. E assim, a chance do consumidor se fidelizar a uma determinada companhia aérea cresce quando ele passa a acumular os pontos e a trocá-los por viagens “gratuitas”. Além disso, a proposta de acúmulo de pontos pelas agências bancárias ao utilizar o pagamento na forma de crédito tende a estimular os clientes a pedir a opção ao pagarem suas compras nos estabelecimentos.
Vários sistemas de pontos podem servir de exemplos para embasar essa discussão. Mas e o sistema de pontos em carteira de habilitação? Segundo o documento publicado no site da Secretaria de Segurança Pública do Governo do Estado de São Paulo, de acordo com “a resolução n° 54/98 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), os pontos passaram a ter eficácia punitiva a partir de 21 de maio de 1998”, quando entrou em vigor o atual Código de Trânsito Brasileiro. “Portanto, está sujeito a sofrer a punição de suspensão do direito de dirigir o condutor que atingir 20 pontos num prazo de 12 meses.” Dessa forma, podemos analisar esse tipo de sistema de pontos como um processo de controle aversivo: pontos são retirados quando o motorista comete uma irregularidade. E qual o efeito disso? Os motoristas geralmente agem sob controle da esquiva da punição para então evitar a perda de pontos. Isso significa que, na prática, diminuem a velocidade apenas quando avistam um radar e após passar por ele voltam a transitar acima do limite de velocidade e assim por diante com outras infrações.
E se pudéssemos transformar o sistema de pontos em carteira em um real sistema de economia de fichas? Se pontos fossem calculados a partir de determinados períodos sem multas? E se esses pontos, por sua vez, pudessem ser trocados por descontos nos impostos? Não é possível, ao certo, saber o efeito de medidas como essa. Mas, em última instância, instrumentos da análise do comportamento poderiam ser eficazes para trabalhar comportamentos alvo relevantes socialmente.
Referências
Doll C.; McLaughlin, T. F.; & Barretto, A. (2013). The Token Economy: A Recent Review and Evaluation. International Journal of Basic and Applied Science, 2, 131-149.
Disponível em: http://www.ssp.sp.gov.br