Embora a capacidade para se relacionar seja uma habilidade selecionada para a garantia da espécie, saber se relacionar não o é. As relações interpessoais tem grande relevância na vida social e na construção do aprendizado do ser humano.Aprender comportamentos relacionados à interação, embora não seja uma tarefa fácil, é possível, pois possibilita a capacidade para desenvolver relações sociais mais saudáveis e duradouras. No entanto, algumas pessoas buscam a psicoterapia com queixas geralmente relacionadas às dificuldades interpessoais. Para tanto, a literatura analítico comportamental discute possíveis ferramentas que podem ser utilizadas durante o processo terapêutico com o objetivo de promover o autoconhecimento do cliente e, assim, ajudá-lo a aprender novas formas de se relacionar.
Em 1953, Skinner discorreu sobre uma das características essenciais para que uma relação terapêutica fosse satisfatória: o terapeuta deveria se constituir como uma audiência não-punitiva. Sendo assim, o terapeuta, então, deve aceitar as particularidades (positivas e negativas) das pessoas que o procuram. Tal conclusão é bastante clara, pois, aqueles que estão sofrendo e buscam terapia, provavelmente o fazem porque são punidos de algum modo em algum contexto de sua vida. A aceitação incondicional do terapeuta possibilita mostrar ao cliente que ele pode ser ele mesmo, falar o que precisar e não ser punido por tal comportamento. A liberdade proporcionada pelo vínculo de intimidade na terapia tem a possibilidade de fazer com que cada vez mais os comportamentos punidos pela comunidade verbal do cliente apareçam.
Um aspecto importante da relação terapêutica é o vínculo. Neste, cada cliente é único em sua maneira de se vincular. Uma das tarefas do terapeuta é estar atento aos seus sinais de vinculação e aos sinais do cliente, que vai transmitir suas experiências de vida a cada instante, na forma específica com que eles desempenham seus papéis no contexto psicoterápico. Ambos estão sendo modificados, pois trata-se, além de tudo, de uma relação humana entre sujeitos com suas potencialidades, limites e saberes (Monteiro, 2010). O estudo dessa relação é um exercício desafiador por utilizar-se das relações entre seres humanos como campo de pesquisa; seres estes, passíveis de adaptações e sucessivas transformações. A produção de espaços de trocas, de falas e escutas, de cumplicidade e responsabilidades, de vínculos e aceitações são frutos de um trabalho clinicamente implicado. A prática clínica não pode se resumir ao lugar ou ao número de clientes, nem à sua classe econômica, nem à técnica utilizada. O diferencial está na escuta e acolhida que se oferece a alguém que apresenta um sofrimento, que busca a ajuda de um outro, que se propõe a compreendê-lo como sujeito que pensa, sente e fala. Em muitas situações o cliente faz relatos e revelações nunca antes compartilhados. No entanto, embora em alguns casos o cliente apresente uma grande facilidade em seus relatos verbais, o contrário também acontece, e alguns clientes demoram diversas sessões até conseguirem expor por completo sua verdadeira queixa; tendo como um dos principais motivos a dificuldade que este apresenta em seu repertório de estabelecer vínculos. Por isso, nos primeiros estágios da terapia, a prioridade é cuidar do alicerce que se pauta em: confiança, segurança e confidencialidade. Em outras palavras, estabelecer o vínculo terapêutico para que o cliente se sinta a vontade em relatar informações necessárias, de maneira que possa facilitar a intervenção do terapeuta (Monteiro, 2010).
A Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) de Kohlenberg e Tsai (1991/2001), compartilha dessas mesmas opiniões a respeito do vínculo e os autores argumentam que a boa relação terapêutica é aquela capaz de simular, na terapia, os problemas do cotidiano do cliente, o que permite lidar com eles em um contexto mais afetivo e reforçador. Dessa forma o terapeuta deve estar atento o suficiente para identificar o tipo de relação terapêutica que o cliente necessita. É esta atenção e a relação de aceitação e interesse que tem função terapêutica. Outra forma de pensar a relação terapêutica, é a considerando positiva quando há semelhança entre os objetivos do terapeuta e do cliente para a terapia. Se ambos dividem metas, significa que haverá colaboração mútua, ampliando a possibilidade de o tratamento ser bem sucedido. Essa definição de boa relação terapêutica deixa implícito algo bastante interessante: a importância da participação do cliente na terapia. O profissional deixa de ser pensado como alguém com conhecimento superior que ajudará alguém com problemas e ambos passam a ser iguais em uma relação.
Contudo, para se estabelecer um trabalho terapêutico eficiente, é preciso que o terapeuta desenvolva algumas habilidades fundamentais, tais como: postura empática e compreensiva, aceitação desprovida de julgamentos, autenticidade, auto-confiança, flexibilidade, comprometimento, tolerância e interesse. Com relação aos comportamentos terapêuticos específicos, os mais funcionais são: altas taxas de comportamentos gestuais, manutenção do contato visual, verbalizações acerca de pensamentos e sentimentos, postura não-diretiva e orientações ocasionais (Bandeira, et.al, 2006).
Uma dificuldade frequente no relacionamento entre terapeuta e cliente é aceitar que o processo terapêutico nem sempre é agradável e que cada sessão não terminará necessariamente bem. Durante o processo de coleta de informações sobre o cliente, o terapeuta deverá se comportar de maneira que o mesmo queira confiar nele e deseje voltar para as sessões posteriores. Nesta fase, é preciso que o terapeuta evite cuidadosamente terminar a sessão de maneira negativa (Zaro, Barach, Nedelman, 1980). O cliente pode apresentar alguns comportamentos relacionados à esquiva emocional e dificuldades em estabelecer mudanças, que podem ser considerados uma relação de controle e contra-controle entre os comportamentos do cliente e as contingências de reforçamento manejadas pelo terapeuta. Diante das contingências comportamentais dadas pelo terapeuta, o cliente apresenta comportamentos de fuga-esquiva, de extinção ou de punição dos comportamentos do terapeuta. Dessa forma, é importante detectar e manejar os determinantes ambientais dessa inter-relação de controle que, em última análise, é bi-direcional: no processo terapêutico, ambos (terapeuta e cliente) se modificam, assim como ambos resistem a mudanças. Desta maneira, o que controla o comportamento do terapeuta e do cliente no início do processo terapêutico são concepções muito diferentes. As mudanças que o terapeuta espera que aconteçam e os procedimentos para produzí-las podem não coincidir com as mudanças esperadas pelo cliente e nem com os meios que este escolheu para alcançá-las. A dificuldade em aceitar as mudanças pode ter sua origem nesse contexto (Guilhardi, 1998).
De acordo com Kohlenberg e Tsai (1991) os efeitos do tratamento serão mais significativos se os comportamentos-problema e as melhoras ocorrerem durante a sessão. Assim, é possível observar na terapia, como o cliente se relaciona, como percebe as pessoas emocionalmente significativas (incluindo o terapeuta) e possivelmente relacionar estes comportamentos ao modo com que ele experienciou as vivências afetivas com seus pais, amigos e familiares durante os anos da infância, da adolescência e de sua vida adulta se for o caso. Uma das hipóteses mais referentes à queixa, é a de que os comportamentos sociais significativos podem não ter sido reforçados positivamente durante a história de contingências de clientes com dificuldades para se relacionar. Um indivíduo que não foi ensinado a se relacionar socialmente, fica numa clara desvantagem nas interações interpessoais subsequentes. Devido à história anterior de aprendizagem do cliente e as subsequentes falhas, um terapeuta dentro da relação terapêutica, pode precisar desenvolver comportamentos pró-sociais que nunca foram desenvolvidos no passado. Na relação, a falta de reforçamento social positivo e a história de punição excessiva pode precisar ser revertida. Ou seja, o terapeuta se torna uma comunidade verbal não punitiva para o cliente e ao mesmo tempo modifica com intervenções (inclusive com a relação de intimidade) seu repertório de habilidades interpessoais. A interpretação do terapeuta foca a modelagem gradual dos comportamentos do cliente. Através de observações tanto de padrões verbais, como não-verbais nos comportamentos, o terapeuta tenta modificar com ajuda do cliente, aqueles repertórios comportamentais que têm criado as dificuldades interpessoais (Rosenfarb 1992). Esta é uma etapa inicial de autoconhecimento: O cliente é ensinado a observar seu ambiente e saber, onde, como e por que se comporta de determinada maneira (Marçal, 2005).
A proximidade do relacionamento terapêutico serve a vários propósitos: proporciona um “porto-seguro” para os clientes revelarem a si próprios o mais inteiramente possível, oferece-lhes a experiência de serem aceitos e compreendidos depois de uma profunda exposição, ensina aptidões sociais, e além disso o cliente aprende o que um relacionamento íntimo exige e que a intimidade é possível e alcançável. Uma vez atingido esse objetivo, podem construir relacionamentos semelhantes fora do contexto psicoterapêutico.
A relação terapeuta-cliente é uma condição necessária no processo da terapia, entretanto, não é suficiente. A psicoterapia não é um substituto para a vida. Em outras palavras, embora exija um relacionamento íntimo, este não é um fim – mas é um meio para um fim (Yalom, 2007). Embora pareça simples dizer que a relação com o cliente seja apropriada, algumas interações permeiam tal complexidade durante vários momentos do processo terapêutico e a interação terapeuta/cliente, assim como o vínculo terapêutico precisam se solidificar cada vez mais à medida em que se dá esse processo. Uma relação, para ser considerada saudável, necessita de uma troca entre os indivíduos que se relacionam. Se um destes na relação é negligente, esta pode ‘adoecer’, além de possibilitar o afastamento, ou ainda, uma cobrança maior de cuidado daquele que é negligenciado por aquele que negligencia. Sendo assim, respeito e consideração para com o outro são virtudes indispensáveis em qualquer tipo de relação para ser considerada como saudável.
Referências
Bandeira, M.; Quaglia, M. A. C.; Freitas, L. C.; de Sousa, A. M.; Costa, A. L. P.; Gomides, M.M. P. & Lima, P. B. (2006). Habilidades interpessoais na atuação do psicólogo. Interação, 10(1), 139-149.
Guilhardi, H.J. (1998).A Resistência do Cliente à Mudanças. Parte deste trabalho foi apresentado numa mesa redonda no I Congresso de Psicoterapias Cognitivas Latino-Americanas e I Congresso Brasileiro de Psicoterapias Cognitivas, realizados de 2 a 4 de abril de 1998 em Gramado (RS). http://www.terapiaporcontingencias.com.br/ – Acesso em: 21/03/2012.
Kohlenberg, R.; Tsai, M. (2001). Psicoterapia Analítica Funcional. Santo André: ESETec. Editores Associados.
Marçal, J.V. (2005). Estabelecendo Objetivos na Prática Clínica: Quais Caminhos Seguir? Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva.Vol. VII, nº 2, 231-245.
Rosenfarb, I.S. (1992).Uma Interpretação Analítica Comportamental da Relação Terapêutica. The Psychological Record. Tradução: Profª Lydia Akemy Onesti.
Skinner, B. F. (2007). Ciência e Comportamento Humano(J. C. Todorov, & R. Azzi, Trads.,11ª ed.). São Paulo: Martins fontes (Obra original publicada em 1953).
Zaro, J.S.; Barach, R.;Nedelman, D.J.(1980).Algumas Habilidades Terapêuticas mais Refinadas. Introdução à Prática Psicoterapêutica. EPO São Paulo.
Yalom, I.D.(2007)Os Desafios da Terapia.Ed. Ediouro, 232p.
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