[Entrevista Exclusiva – Marcelo Souza/ JAC Goiânia] – O Cais USP e o Tratamento do Autismo

O Psicólogo e Analista do Comportamento Marcelo C. Souza foi o responsável por uma das mais comentadas palestras da I Jornada Goiana de Análise do Comportamento. Abordando o tema “Autismo”, esclareceu muitas dúvidas dos participantes e descreveu com clareza a Terapia ABA. 
Psicólogo clinico e hospitalar, especialista em Análise do Comportamento pela Universidade de São Paulo – USP. Cursou diversas extensões em Análise do Comportamento pelo Núcleo Paradigma de Análise do Comportamento – SP e pelo Núcleo de Desenvolvimento da Aprendizagem de SP. Atende em consultório particular a adolescentes, adultos, casais e crianças diagnosticadas com Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (Espectro Autista). É colaborador e pesquisador do CAIS-USP / Centro para o Autismo e Inclusão Social da Universidade de São Paulo – USP. Atua como psicólogo clinico do Programa de Orientação ao Aluno – P.O.A da Universidade Presbiteriana Mackenzie-SP. É docente do curso de Introdução ao Estudo do Comportamento Humano do Grupo Ethos Ki – Psicologia e Acupuntura onde ministra a disciplina “Conceitos Básicos da Analise do Comportamento”. É diretor de Pesquisa e Extensão do blog Comporte-se, principal blog de Análise do Comportamento no Brasil. Possui experiência em ministrar palestras e workshops para profissionais da área da saúde. Coordena de grupos de supervisão para terapeutas comportamentais nas modalidades de grupo e individual.

Atendendo a pedidos dos participantes, realizamos um entrevista sobre o assunto com ele. Confiram abaixo as respostas, nas quais além de dar mais detalhes sobre a Terapia ABA, Marcelo nos conta um pouco de sua história. É motivo de orgulho para nós, do Comporte-se, tê-lo na equipe.


1 – Gostaria de começar pedindo para falar um pouco sobre sua história. Como surgiu o interesse pelo autismo e o que te levou a entrar para o Cais USP?

Primeiramente gostaria de dizer que é uma honra dar essa entrevista para o Comporte-se, um dos maiores portais de informação sobre Análise do Comportamento na internet e que ainda tive a felicidade de ve-lo crescer e participar desse crescimento.
A minha história com a Análise do Comportamento começou ainda na graduação. Minha faculdade, assim como a grande maioria delas, tem na Psicanálise seu principal pilar. Porém, uma das professoras, chamada Fátima Vasques, nos apresentou a teoria cognitivo comportamental e logo de cara eu me identifiquei com os pressupostos teóricos e aplicabilidade, já que me pareciam muito mais lógicos e sensatos que os que a psicanálise defendia.
Ainda no quinto ano da graduação eu fiz o curso de extenção em Terapia Cognitivo Comportamental para me aprofundar naquilo que até então eu considerava a escola de pensamento que mais se aproximava do que considerava lógico e baseado em evidências, mas ainda havia algo que me incomodava e, como aluno sem experiência, ainda não conseguia identificar a fonte do meu incomodo.
A luz no fim do tunel veio assim que eu bati os olhos em um texto do Skinner chamado “Por que eu não sou um psicólogo Cognitivista” de 1977 (fica aqui o convite à leitura desse artigo). Abandonei o Cognitivismo e a Comportamental Cognitiva pelos mesmos motivos que Skinner apontou em seu texto e, a partir de então, fui buscar conhecimentos em diversas fontes. Felizmente a internet ajudou muito nesse aspecto. Através do falecido Orkut, pude conhecer a comunidade “Análise do Comportamento”, onde aprendi muito além de ter feito grandes amigos que possuo até hoje e que ainda me ensinam muito.
A partir dai a minha busca em aprimoramento em Análise do Comportamento não parou. Fiz cursos no Núcleo Paradigma, sou especialista em Análise do Comportamento pela USP e monitor da professora Martha Hubner no curso de Especialização em Terapia Comportamental, no Hospital Universitário da USP. Alias, se me permitir, eu gostaria de agradecer a Prof.ª Martha Hubner por ter sido um norte em minha vida profissional. Aprendi e ainda aprendo demais com sua experiência e sua simplicidade em ensinar. Realmente fez e ainda faz a diferença em minha vida profissional.
O interesse pelo autismo nasceu quando fui estudar como todos aqueles conceitos se aplicavam na clinica. A partir de conversas com o Psicólogo Robson Faggiani (que escrevia junto comigo no site Psicologia e Ciência), um dos melhores profissionais que já conheci no manejo com crianças autistas, o tema foi me despertando cada vez mais interesse. Eu realmente eu via e tinha informações de que a Análise do Comportamento era uma das tecnologias mais avançadas no entendimento e tratamento do Espectro.
Com o tempo, o Psicólogo Robson Faggiani acabou me convidando para fazer parte do grupo denominado CAIS-USP, Centro para Autismo e Inclusão Social da Universidade de São Paulo, sob orientação da Prof. Dra. Martha Hubner. Desde 2010 eu estou trabalhando lá, ajudando na construção de conhecimento, estratégias e desenvolvimento de programas analíticos comportamentais aplicados ao autismo. É incrivel como as pessoas que fazem parte do projeto têm competência e amor pelo que fazem, pois temos graduandos, especialistas, mestres e doutores, além de convidados que se dedicam a pesquisa e atendimento ao publico. É importante ressaltar que todos esses profissionais altamente qualificados atendem e ensinam voluntariamente, sem cobrar nada.
O conteúdo e as reuniões no CAIS-USP são tão ricas que através de uma das idéias que tive nas discussões de caso me renderam um projeto de mestrado que promete ajudar muito na forma que os Análistas do Comportamento registram e analisam dados nas sessões de terapia ABA com crianças no espectro autista.

2 – Que atividades são desenvolvidas no CAIS USP?
O CAIS-USP possui como missão principal e, na verdade é um grande diferencial, o treinamento em terapia ABA para os pais e/ou cuidadores de crianças autistas. Sabemos, pela literatura, que o ideal é que exista aplicação de programas todos os dias de forma continua, mas é impossivel para a imensa maioria das familias brasileiras fazer isso. Em parte pela escassez de profissionais realmente habilitados e, em parte, pelo altissimo custo que esse acompanhamento contínuo e diário representaria.
Nós, no CAIS-USP, atendemos as crianças por um periodo utilizando instrumentos como o VB-MAPP (The Verbal Behavior Milestones Assessment and Placement Program), que nos da uma linha de base sobre as habilidades e repertórios que a criança já possui. Com isso, somos direcionados a que tipo de habilidades e capacidades essa criança precisa adquirir. Também utilizamos questionarios com os pais e observação direta da criança.
A partir do estabelecimento dos objetivos, começamos a colocar os pais das crianças para assistirem os terapeutas do CAIS-USP aplicandos os programas em seus filhos e em determinado momento após o treinamento dos conceitos básicos da Análise do Comportamento. Depois de terem assistido alguns atendimentos, eles mesmos vão para o treino de Tentativa Discreta, sendo orientados e corrigidos se for o caso, In Loco, pelos terapeutas.
Assim, treinamos os pais para continuarem aplicando os programas em casa, potencializando ainda mais o tratamento para seus filhos.

3 – Existe algum sinal ou sintoma comum as crianças autistas que os pais podem observar ?
É difícil falar em sinais e sintomas especificos, pois cada criança pode apresentar sinais e sintomas diferentes que só vão ser entendidos como autismo depois de um bom tempo de correria para médicos pediatras, fonoaudiólogos, neurologistas etc.
Infelizmente grande parte dos profissionais não está preparada para identificar autismo em seus clientes. Somente depois de varios anos e com todas as possibilidades esgotadas é que o diagnóstico de autismo é considerado e isso faz com que a criança perca preciosos anos de intervenção precoce. Um traço de certa forma comum é que a criança não possui contato visual com outras pessoas e pode demonstrar muita dificuldade em adquirir a fala. Esse sinal é importante, tanto que muitas crianças são levadas ao médico por que os pais pensam que são surdas ou tem problemas de visão.

4 – Como devem proceder frente a estes sinais ?
É importante sempre que se perceber algo errado ou diferente, consultar um profissional. Geralmente um médico pediatra que tem condições de fazer os devidos encaminhamentos que se fizerem necessários. Realmente o diagnóstico de autismo é complicado e exige um profissional experiente, que consiga perceber as inumeras variaveis, sintomas e sinais que o Espectro Autista envolve.

5 – Quais são as principais dificuldades enfrentadas no tratamento de crianças autistas e que avanços são possíveis?
Talvez a principal dificuldade seja encontrar profissionais realmente qualificados. Nos EUA, por exemplo, os profissionais qualificados são certificados por uma prova dura, que realmente os treina para o trabalho em Análise do Comportamento Aplicada. Infelizmente, no Brasil, ainda temos muitos curiosos e gente que “acha” que sabe fazer, principalmente se escondendo atrás de abordagens obscuras que fogem de avaliação cientifica e que vão à contramão de todas as descobertas atuais sobre marcadores genéticos e relação ambiente organismo. Essas pessoas representam um verdadeiro entrave no entendimento e desenvolvimento de tratamentos realmente efetivos.
Ainda existe outra dificuldade, que complica ainda mais o trabalho do terapeuta: a aceitação dos pais de que filho que não é aquele que eles sempre sonharam. A falta de adesão dos pais tem sido um problema recorrente no CAIS-USP e, de fato, tem prejudicado a evolução no tratamento dos filhos.
Acredito que avanços estão sendo feitos principalmente em politicas publicas para o atendimento dessas crianças por profissionais especializados. Além disso, o atual movimento mundial por terapias baseadas em evidência tem trazido consequências interessantes, principalmente quando falamos em atendimento e delineamento de diretrizes para o SUS e instituições publicas.
Não é possivel dizer que a terapia ABA é a melhor de todas para o autismo, mas é possivel dizer que dentre todas as abordagens pesquisadas é a que de fato mostra resultados importantes e que tem se sustentando positivamente pelos ultimos 50 anos.
6 – Como pais, familiares e professores podem ajudar?
No CAIS-USP seguimos o pensamento de que os pais, familiares, professores e cuidadores precisam conhecer os conceitos básicos do comportamento humano, assim como os programas analítico comportamentais, que devem ser trabalhados com seus filhos e/ou clientes. Entendemos que quando os pais ou cuidadores conhecem os programas e os principios básicos, o treino e o tratamento são potencializados. Queremos que essas crianças sejam ensinadas desde o momento que acordam até o momento que dormem. Não é preciso que a única forma de terapia seja em tentativa discreta na mesinha. Existe o que chamamos de treino incidental, que é realizado a todos os momentos do dia em qualquer lugar em que a criança estiver. Apesar de ser um pouco mais dificil de ser realizado, qualquer pai ou cuidador com um treino adequado consegue visualizar o manejo e as consequenciações de comportamentos em qualquer situação.
É importante também que os pais se unam e exijam do governo terapias baseadas em evidência, como a Análise do Comportamento, e que tais tratamentos estejam disponiveis no SUS ou em qualquer instituição publica.

7 – Em que consiste o Método ABA e quais as suas diferenças em relação aos demais métodos tradicionalmente utilizados?
Hoje em dia existem muitos métodos diferentes de tratamento para o autismo. Desde métodos fonoaudiológicos até nutricionais. O método ABA (Applied Behavior Analisys ou Análise do Comportamento Aplicado) faz uso dos conceitos da filosofia da psicologia conhecida como Behaviorismo Radical, desenvolvida pelo Psicólogo Norte Americano B.F. Skinner, para consequenciar e treinar repertórios de comportamento que a criança ainda não possui. Na verdade, a Terapia ABA não é exclusiva ao tratamento do autismo, ela pode ser aplicada em inumeros tipos de casos e vem demonstrando sucesso em pesquisas científicas sérias realizadas nas ultimas decadas.
No caso do autismo, muitas habilidades podem ser ensinadas, como: aprender a falar, ler, escrever, rotinas diarias, auto cuidado e manejo de comportamentos problemas como, a auto lesão. Podemos dizer que a terapia ABA é altamente diretiva e estruturada quando estamos falando em ensino de potencialidades e capacidades para nossas crianças. O terapeuta ABA parte do principio de que toda criança é capaz de aprender e se não está aprendendo é por que não existe estimulação e nem consequênciação adequada.
No CAIS-USP temos a preocupação de sempre tornar a terapia prazerosa e fazemos avaliações contínuas para descobrir tudo aquilo que é gostoso para a criança. Entendemos que a brincadeira também nos ajuda a ensinar repertórios inteiros de comportamentos e corrigir muitos comportamentos inadequados.
Podemos dizer que a terapia ABA trabalha em duas frentes principais: a primeira é a construção de pré requisitos para que a criança autista perceba o mundo de uma forma mais adequada, estabelecendo relações funcionais entre ela e o ambiente. A segunda é direcionar essas potencialidades que a criança já tem e que serão ensinadas em direção ao aprender para cada vez mais poder interagir ativamente com as pessoas e o mundo que as cercam e, com isso, trazer um desenvolvimento importante de independencia.

8 – Pode indicar centros de formação e estudo nos quais os profissionais interessados podem ter acesso a esse conhecimento?
Hoje existem institutos importantes que fazem cursos inteiros de especialização somente para ensinar a Terapia ABA ligada ao autismo e Transtornos do Desenvolvimento. Posso citar o curso de especialização do Nucleo Paradigma de São Paulo e também posso citar o curso de especialização do ITCR – Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento de Campinas sob orientação do Prof. Helio Guilhardi.
0 0 votes
Classificação do artigo

Escrito por Marcelo Souza

Psicólogo especialista em Análise do Comportamento pela Universidade de São Paulo / HU-USP. Pesquisador do Centro para o Autismo e Inclusão Social da Universidade de São Paulo IP-USP. Psicólogo estagiário do Programa de Pós Graduação Stricto Sensu (nivel mestrado) do Instituto de Psicologia Experimental da Universidade de São Paulo / IP-USP. Monitor da Prof. Dra. Martha Hubner no curso de especialização em Terapia Comportamental da Universidade de São Paulo / HU-USP. Psicólogo do Programa de Orientação ao Aluno da Universidade Presbiteriana Mackenzie - SP. Professor convidado do curso de Fundamentos da Terapia Comportamental Clinica do InPA-EAD, ministrando as disciplinas " Análise Funcional do comportamento e Conceitos Básicos da Análise do Comportamento".

Autismo: estudo analisa casos em que sintomas desapareceram

Síndrome de Down e habilidades sociais: estigmas envolvidos nesta relação