Autora: Ana Paula Cardoso Vichi
Contato: paula.vichi@gmail.com
Durante minha trajetória no curso de Psicologia, tenho observado que é muito comum ouvir de profissionais e alunos de outras áreas, mas principalmente de Psicologia, críticas infundadas à Análise do Comportamento. Isso sempre me incomodou muito. O pior foi ouvir de um professor da área de ciências biológicas, que “a teoria de Skinner é ultrapassada”. Fiz questão de responder que a aplicação dessa “teoria ultrapassada” tem se mostrado útil para solucionar eficazmente os mais diversos problemas comportamentais, dentre eles o autismo.
Tais equívocos possivelmente se relacionam a falta de informação ou acesso a informações errôneas sobre o Behaviorismo Radical, que são geralmente encontradas nos manuais de introdução à psicologia (cf. Cirino., Souza Jr., Lopes, Bessa-Oliveira & Horta, 2005; Jensen & Burguess, 1997), ou mesmo em outras fontes de diversas áreas dentro e fora da Psicologia. Tais erros têm persistido apesar das tentativas de analistas do comportamento diversos de corrigi-los. O próprio Skinner (1974) dedicou um livro todo (About Behaviorism) para responder 20 das principais críticas. Um dos lugares onde o behaviorismo tende a ser descrito de modo mais equivocado, é em meio à área de educação.
França (1997) apontou diversos erros, frequentemente encontrados na área educacional, referentes ao behaviorismo radical. Dentre eles, que esta teoria: 1) seria uma abordagem estímulo-resposta; 2) estaria interessada em princípios gerais deixando de lado a subjetividade e a essência do homem; 3) seria capaz de só lidar com situações controladas em laboratório, não dando conta de fenômenos clínicos ou situações do “mundo real”; 4) possui uma visão reducionista e superficial de homem; 5) igualaria o homem aos outros animais; e 6) ignoraria os processos cognitivos e estados mentais, bem como processos inatos, desumanizando o homem, considerando-o um ser passivo, que simplesmente responde de forma automática a estímulos do ambiente.
Não somente em livros, mas também em diversos artigos de psicologia, muitos dos quais publicados em periódicos de alta qualidade podem ser observadas várias críticas infundadas e preconceituosas, como por exemplo, a afirmação a seguir:
“… na década de 70 tivemos uma forte influência do Behaviorismo, sobretudo em sua versão contemporânea, representada por Skinner e outros psicólogos americanos. Contextualizando essa afirmação, a década de 70 foi fortemente marcada pelo regime e ditadura militar. A escola, então, passa a ser compreendida como um pequeno ‘quartel’, onde os comportamentos deveriam ser modelados a partir de contingências de reforço. Controlando a relação entre Estímulo-Resposta-Reforço/Punição, poderíamos dar conta do processo de aprendizagem, no qual o conhecimento passaria a ser concebido como uma cópia do real. Essa perspectiva promoveu mudanças radicais na Educação, instituindo o tão conhecido – e – criticado ‘modelo tradicional de educação’ não mais nos moldes ‘tradicionais’ antigos, no qual o professor era percebido como um tutor e o processo centrava-se nele, mas a partir de uma perspectiva tecnicista” (Correia, Lima & Araújo, 2001, p. 558).
As afirmações acima demonstram o preconceito e a falta de conhecimento sobre as teorias comportamentais que permeiam a área de educação. A crítica é aparentemente uma “opinião” sem fundamento, pois embora as mesmas tenham mencionado no texto algumas passagens sobre o Behaviorismo Radical, não consta em suas referências nenhuma obra de Skinner, nem mesmo artigos sobre o Behaviorismo Radical ou Análise do Comportamento.
Além disso, Correia, Lima e Araújo (2001), equiparam o Behaviorismo Radical a um contexto sociopolítico totalitário e, portanto, antidemocrático. Uma rápida consulta a principal obra de Skinner sobre educação revelaria o equivoco desta opinião:
“Não só a educação, mas toda a cultura ocidental está se afastando de práticas aversivas. Não se pode preparar os jovens para um tipo de vida em instituições organizadas na base de princípios muito diferentes. A disciplina da vara de marmelo pode facilitar a aprendizagem, mas é preciso lembrar que também gera seguidores de ditadores e de revolucionários” (Skinner, 2003/1968. p. 57).
Parece que muitas das críticas são embasadas pelas relações entre o behaviorismo de Skinner e a noção de controle do comportamento (sobretudo aversivo). Tal noção tem, do ponto de vista popular, uma conotação negativa, constituindo a antítese da liberdade (Skinner, 1971/2000).
Skinner (1968/2003) defende a ideia de que a aprendizagem ocorre sob controle de algumas variáveis, que constituem as contingências de reforço. São elas: a ocasião em que o comportamento ocorre, a ação do sujeito e as suas consequências. Sendo assim, é possível que um indivíduo aprenda determinados comportamentos em dado ambiente de forma “natural”, mesmo que a ele nada tenha sido ensinado. Contudo, o ato de ensinar facilita a aprendizagem, de modo que o indivíduo que é ensinado aprende mais rapidamente do que aquele que não é. Isso demonstra a importância do ensino, uma vez que este acelera o processo de aprendizagem, possibilitando o surgimento de comportamentos que possivelmente não apareceriam ou levariam muito mais tempo para aparecer se não fosse por intermédio dele. Neste sentido, ensinar é arranjar contingências de reforço.
Segundo a visão de Skinner (1968/2003) acerca do processo de aprendizagem, o aluno não é um ser passivo que absorve o conhecimento do ambiente que o cerca, mas desempenha um papel ativo. Pois a própria idéia de comportamento operante implica nesta noção, já que para que haja uma consequência reforçadora deve ter havido uma ação.
Diante dessas considerações, podemos constatar que nem todo o tipo de controle é “maléfico” e “opressor”, e ignorar sua existência, não torna as pessoas “livres”. Ao contrário, abrir mão de planejar ou controlar condições de ensino/aprendizagem é deixar o controle nas mãos de outros ou do acaso. O controle pode e deve ser usado de modo mais eficaz e que promova sim a liberdade e a democracia. Segundo Skinner:
“As técnicas aversivas podem não só ser substituídas, elas podem ser substituídas por técnicas muito melhores. As possibilidades devem ser cuidadosamente exploradas se quisermos construir um sistema educacional que vá ao encontro das necessidades atuais, sem sacrificar os princípios democráticos” (Skinner, 1968/2003, p. 58).
Em relação ao termo “liberdade”, esse muitas vezes envolve questões de sentimentos, como se o sujeito se comportasse de determinada maneira porque quer, ou porque se sente bem. Ao olharmos dessa forma, deixamos de avaliar e questionar as contingências que mantém o sujeito se comportando de uma maneira e não de outra. Para Skinner (1971/2000, p. 36), “a liberdade é uma questão de contingências de reforço, e não dos sentimentos que as contingências geram”.
Desse modo, podemos dizer então que o controle existe, mesmo em situações que não envolvem a presença de eventos aversivos. Muitas práticas sociais, fundamentais ao bem-estar da espécie, requerem algum tipo de controle do comportamento de um indivíduo sobre o comportamento de outro. A despeito disso a maioria dos indivíduos considera que o controle só existe em situações que produzem comportamentos de fuga e esquiva (Skinner, 1971/2000).
Negar a existência do controle não o torna inexistente. Isso pode talvez trazer alguma sensação de bem estar, mas não modifica de fato a situação. Os indivíduos agem, não porque simplesmente querem ou gostam, mas porque determinadas contingências controlam as probabilidades da ocorrência de determinadas ações, seja através do controle aversivo ou não.
Referências
Cirino, S. D., Souza Jr., E. J., Lopes, M. G., Bessa-Oliveira, M., & Horta. R. G. (2005). A análise do comportamento em manuais de psicologia da personalidade. Em H. J. Guilardi & N. C. de Aguirre. Sobre comportamento e cognição Vol. 15: Expondo á variabilidade. (p. 443-452). Santo André: ESETec.
Correia, M. F. B., Lima, A. P. B. & Araújo, C. R. (2001). As contribuições da psicologia cognitiva e a atuação do psicólogo no contexto escolar. Psicologia: reflexão e crítica, 14(3), 553-561.
França, A. C. C. (1997). A análise comportamental aplicada à educação: um caso de deturpação acerca do pensamento de B. F. Skinner. Psicologia da educação, 5, 115-124.
Jensen, R. & Burgess, H. (1997). Mythmaking: How introductory psychology texts present B. F. Skinner’s analysis of cognition. The Psychological Record, 47, 221-232.
Skinner, B. F. (2003). The technology of teaching. Acton, Massachusetts, Copley Publishing Group. Originalmente publicado em 1968.
Skinner, B. F. (1974). About Behaviorism. New York, Knopf.
Skinner, B. F. (2000). Para além da liberdade e da dignidade. Trad. Joaquim Lourenço Duarte Peixoto. Lisboa, edições 70. Originalmente publicado em 1971.
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