Lívia Tartari e Sacramento é coordenadora do curso de pós-graduação intitulado Psicologia Jurídica – uma interlocução entre a Psicologia, da Faculdade de Jaguariúna.
Psicologia Jurídica – Um Campo Profícuo de Atuação
Autora: Lívia de Tartari e Sacramento
Contato: liviatartari@hotmail.com
A Psicologia Jurídica, também denominada Psicologia Forense, tem tido foco no meio devido principalmente à importância das decisões judiciais que incidem sobremaneira na vida do indivíduo, promovendo alterações na sua vida social, no seu patrimônio e no seu comportamento. A Psicologia Jurídica/Forense é especialidade recém-reconhecida pelo Conselho Federal de Psicologia, conforme Resolução n° 14/00 assinada em 22/12/00.
Para o autor do Dicionário Prático de Língua Portuguesa, o termo forense corresponde ao que é “relativo ao foro judicial. Relativo aos tribunais”. De acordo com o mesmo dicionário, a palavra “jurídica” é concernente ao Direito, conforme as ciências do Direito e aos seus preceitos.
Assim, a palavra “jurídica” torna-se mais abrangente por se referir aos procedimentos ocorridos nos tribunais, bem como àqueles que são fruto da decisão judicial ou ainda àqueles que são de interesse do jurídico ou do Direito. Pela forma que se apresenta o termo “Forense”, em nossa língua, é aplicável exclusivamente ao poder judiciário e isto deixaria de considerar o que não estivesse neste âmbito. Então, deixaríamos de lado o trabalho do psicólogo ligado ao poder executivo, tais como o ministério público, as prisões, os hospitais de custódia, as delegacias, entre outros. Por esse motivo, no Brasil, o termo Psicologia Jurídica é o mais adotado e é preferível para que consigamos designar com idoneidade a imbricação do campo da Psicologia com o Direito. Entretanto há profissionais que ainda assim preferem a denominação Psicologia Forense.
Falaremos então em Psicologia Jurídica, que é uma área carente de bibliografia e as pessoas que decidiram seguir por esse caminho tem tido que desenvolver seus trabalhos através de experiências próprias. A iniciativa deste artigo é de trazer à baila algumas questões pertinentes a área da Psicologia Jurídica e fazer as pessoas pensarem sobre o tema.
Também notificamos que, segundo a Lei 4119 (1962): “Art. 13 § 2º- é da competência do psicólogo a colaboração em assuntos psicológicos ligados a outras ciências” (BRASIL, 1999, p.16). Portanto, explica-se a ligação da psicologia com o Direito, que foi designada através da Resolução n° 014/00 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), ao instituir o título profissional de especialista em psicologia e a delimitação das atividades descritas como relativas a essa especialidade, dado já citado no artigo anterior.
A Psicologia Jurídica fundamenta-se no percurso histórico de um conjunto de intervenções especializadas no âmbito das necessidades do Estado de Direito, por meio da aplicação de determinados princípios psicológicos e métodos periciais na investigação de depoimentos, avaliação de perfis e processos psicopatológicos e no entendimento de fenômenos psicológicos instalados ou manifestados no âmbito das relações das pessoas com a Justiça e com as instituições judiciárias.
A história nos mostra que a primeira aproximação da Psicologia com o Direito ocorreu no final do século XIX e teve origem na avaliação da fidedignidade de testemunhos (fazendo surgir o que se denominou “psicologia do testemunho”), fato que contribuiu para o desenvolvimento da Psicologia Experimental no século XIX. Esta tinha como objetivo verificar, através do estudo experimental dos processos psicológicos, a fidedignidade do relato do sujeito envolvido em um processo jurídico.
Como diz Brito (1993), o que se pretendia era verificar se os “processos internos propiciam ou dificultam a veracidade do relato”. Sobretudo através da aplicação de testes, buscava-se a compreensão dos comportamentos passíveis de ação jurídica.
A saber: “O testemunho de uma pessoa sobre um acontecimento qualquer depende essencialmente de cinco fatores: a) do modo como percebeu esse acontecimento; b) do modo como sua memória o conservou; c) do modo como é capaz de evocá-lo; d) do modo como quer expressá-lo; e) do modo como pode expressá-lo.” (MIRA Y LOPEZ, 1967, p. 159)
Esta fase inicial foi muito influenciada pelo ideário positivista, importante nesta época, que privilegiava o método científico empregado pelas ciências naturais (Jacó-Vilela, 1999; Foucault, 1996). Mira y Lopes, defensores da cientificidade da psicologia na aplicação de seu saber e de seus instrumentos junto às instituições jurídicas, escreveram o “Manual de Psicologia Jurídica” (1945), que teve grande repercussão no ensino e na prática profissional do psicólogo até recentemente.
Dar relevância a estes dados históricos é importante para desenvolvermos uma reflexão sobre a prática profissional de psicologia junto às instituições do direito e sobre as mudanças que têm ocorrido principalmente após 1980, indicando novas perspectivas para o século XXI. Desta história inicial decorreu uma prática do profissional de psicologia voltada quase que exclusivamente para a realização de perícia, exame criminológico e parecer psicológico baseado no psicodiagnóstico, feito a partir de algumas entrevistas e nos resultados dos testes psicológicos aplicados.
Neste tocante, segundo Castro (2005), percebe-se a Psicologia Jurídica como uma especialidade que nasceu na Psicologia Clínica e, mais especificamente no campo da avaliação psicológica. Os psicólogos que estão exercendo suas funções na Justiça estão aperfeiçoando os métodos de avaliação, mensuração e diagnóstico. Existe uma pista de mão dupla entre a avaliação psicológica e a psicologia jurídica e o desenvolvimento de ambas as enriquece.
No final do século XIX observou-se que a perícia psiquiátrica começou a ser utilizada visando interferir no processo decisório acerca dos dispositivos de correção a serem aplicados e à aferição de dados que ajudariam nos trâmites jurídicos. Não mais sendo usada, unicamente, para a investigação da responsabilidade penal de adultos.
Desta forma, os psicodiagnósticos começaram a ser vistos como instrumentos que forneceriam dados “matematicamente” comprováveis e estes dados iriam orientar os operadores do Direito.
Nesta época a Psicologia era subsidiária à Psiquiatria, que respondia a algumas questões que o Direito formulava. A Psicologia era entendida como tendo uma prática de realização de exames e avaliações. Como afirma Foucault (1993), a Psicologia e seu corpo de conhecimento estavam muito vinculados ao diagnóstico da patologização, e este campo, deveria ser atribuído a Psiquiatria e não a Psicologia.
Para atuar na área, a forma mais usual é o Concurso Público (perito). Menos usualmente temos a atuação em consultório, fornecendo laudos, relatórios e pareceres para advogados e juízes, assistente técnico. Também podemos atuar em ONGs, abrigos, entre outros.
Os primeiros registros de trabalhos de psicólogos em organizações de Justiça no Brasil remetem às décadas de 1970 e 1980. Este foi um período em que a Clínica se saturou, o que possibilitou aos psicólogos galgarem para outros campos.
Como o psicólogo não é um investigador da mente humana a serviço da Justiça, ele pode e deve tentar aclarar o sentido, interpretar coisas que não são perceptíveis ao operador do Direito.
Pode ainda realizar outros trabalhos informais, autônomos ou ligados a organizações não governamentais, como nos casos de mediação familiar, grupos de apoio à adoção e de trabalhos voluntários em organizações penais e abrigos, entre outros.
A Psicologia Jurídica, portanto, foi reconhecida como um saber centrado, prioritariamente, no psicodiagnóstico. Hoje, entendemos que o trabalho do psicólogo jurídico não se restringe apenas a este e à perícia. Os psicólogos jurídicos desenvolvem atividades como seleção e treinamento de pessoal, avaliação de desempenho e o acompanhamento psicológico prestado aos magistrados, servidores e seus dependentes dentro das instituições judiciárias. Além de desenvolverem atividades vinculadas aos juízos de Primeira (todos os Fóruns espalhados pelo Estado) e Segunda Instância (compreende o Tribunal de Justiça de cada Estado).
Nos Fóruns o psicólogo jurídico realiza trabalhos de avaliação psicológica, elaboração de documentos, acompanhamento de casos, aconselhamento psicológico, orientação, mediação, fiscalização de instituições e de programas de atendimento a demanda do Fórum e encaminhamentos.
Pode desempenhar funções periciais e/ou de intervenção direta, conforme a natureza do caso e o momento do atendimento realizado (antes, durante ou após a sentença judicial).
As atribuições do psicólogo jurídico são fixadas pela instituição judiciária em portarias e provimentos de cada localidade. São normatizadas pela Lei que regulamenta a profissão do Psicólogo, o código de ética profissional, resoluções do CFP e também estão de acordo com as legislações pertinentes ao lugar que o psicólogo jurídico trabalha.
Concluímos que o caminho realizado desde o surgimento das primeiras atividades psicológicas desenvolvidas no âmbito do Poder Judiciário demonstra que as organizações de Justiça constituem um campo propício à atuação de psicólogos, tendo em vista o fluxo de conflitos que para elas convergem. Trataremos das especificidades dos papéis que os psicólogos jurídicos exercem em outra oportunidade.
O psicólogo precisa atentar para as limitações dos instrumentos utilizados por ele, bem como ao caráter situacional da avaliação realizada (validade do diagnóstico). Deve refletir sobre as implicações éticas, políticas e sociais de seu trabalho, compreendendo que os resultados podem ser determinantes da medida judicial aplicada ao caso.
Veja o detalhamento das atribuições de um especialista em Psicologia Jurídica.
1- Assessora na formulação, revisão e execução de leis.
2- Colabora na formulação e implantação das políticas de cidadania e direitos humanos.
3- Realiza pesquisa visando a construção e ampliação do conhecimento psicológico aplicado ao campo do Direito.
4- Avalia as condições intelectuais e emocionais de crianças adolescentes e adultos em conexão processos jurídicos, seja por deficiência mental e insanidade, testamentos contestados, aceitação em lares adotivos, posse e guarda de crianças ou determinação da responsabilidade legal por atos criminosos.
5- Atua como perito judicial nas varas cíveis, criminais, justiça do trabalho, da família, da criança e do adolescente, elaborando laudos, pareceres e perícias a serem anexados aos processos.
6- Elabora petições que serão juntadas ao processo, sempre que solicitar alguma providência, ou haja necessidade de comunicar-se com o juiz, durante a execução da perícia.
7- Eventualmente participa de audiência para esclarecer aspectos técnicos em Psicologia que possam necessitar de maiores informações a leigos ou leitores do trabalho pericial psicológico (juízes, curadores e advogados).
8- Elabora laudos, relatórios e pareceres, colaborando não só com a ordem jurídica como com o indivíduo envolvido com a Justiça, através da avaliação das personalidades destes e fornecendo subsídios ao processo judicial quando solicitado por uma autoridade competente, podendo utilizar-se de consulta aos processos e coletar dados considerar necessários a elaboração do estudo psicológico.
9- Realiza atendimento psicológico através de trabalho acessível e comprometido com a busca de decisões próprias na organização familiar dos que recorrem a Varas de Família para a resolução de questões.
10- Realiza atendimento a crianças envolvidas em situações que chegam às Instituições de Direito, visando à preservação de sua saúde mental, bem como presta atendimento e orientação a detentos e seus familiares.
11- Participa da elaboração e execução de programas socioeducativos destinados à criança de rua, abandonadas ou infratoras.
12- Orienta a administração e os colegiados do sistema penitenciário, sob o ponto de vista psicológico, quanto às tarefas educativas e profissionais que os internos possam exercer nos estabelecimentos penais.
13- Assessora autoridades judiciais no encaminhamento a terapias psicológicas, quando necessário.
14- Participa da elaboração e do processo de Execução Penal e assessora a administração dos estabelecimentos penais quanto à formulação da política penal e no treinamento de pessoal para aplicá-la.
15- Atua em pesquisas e programas de prevenção à violência e desenvolve estudos e pesquisas sobre a pesquisa criminal, construindo ou adaptando instrumentos de investigação psicológica.
Texto inicialmente publicado no RedePsi [link] e submetido pela autora ao Comporte-se.