Entrevista Exclusiva – Bruno Strapasson

Dando continuidade à série de entrevistas com Analistas do Comportamento, segue a realizada com Bruno Strapasson, colaborador de pesquisa da UFPR, professor das Faculdades Integradas do Brasil e professor adjunto da Universidade Positivo. Tem se dedicado há vários anos ao estudo da história e filosofia da Psicologia e Psicologia Experimental, com ênfase em Análise do Comportamento. É mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem pela Universidade Estadual Paulista e doutorando em Psicologia Experimental pela USP.
Vamos começar conhecendo um pouco de sua história. O que te levou a cursar Psicologia, e posteriormente a se interessar pela Análise do Comportamento/ Behaviorismo Radical? 
Penso que posso dizer que minha formação foi menos planejada que guiada pelas oportunidades que me surgiram. Escolhi psicologia sem saber bem do que se tratava (não tinha feito terapia e não conhecia nenhum psicólogo), acho que eu queria estudar aquilo que era representado na televisão como a ciência que estuda o comportamento (o que à época se resumia a esboços rasos de teorias e imagens de cérebros em terceira dimensão – talvez não muito diferente de hoje). 
No segundo ano da graduação, mais imitando colegas que ciente das implicações de fazê-lo, comecei a estagiar simultaneamente no Núcleo de Análise do Comportamento (NAC) e no Laboratório de Neuropsicologia (LabNeuro) da UFPR nos quais permaneci praticamente até me formar. Neles me envolvi em algumas pesquisas e projetos de extensão universitária. No NAC aprendi que a Análise do Comportamento não era simplista e mecanicista como diziam meus amigos psicanalistas, no LabNeuro uma comunidade também preocupada com o embasamento científico da psicologia me ajudou a manter sempre um olhar mais objetivo sobre a psicologia. Entretanto, no final do curso comecei a me preocupar mais com os fundamentos filosóficos e conceituais da psicologia e fui convencido de que a Análise do Comportamento constituía uma saída para minhas dúvidas que era mais consistente que as demais opções que eu conheci. Esse convencimento se deu principalmente pela leitura assistemática de alguns textos do professor José A. D. Abib, de minhas participações nas ABPMCs que ocorreram durante minha graduação e pela influência do professor Alexandre Dittrich, recém-chegado na UFPR. Desde então, venho me dedicando ao estudo da Análise do Comportamento, primeiramente me concentrando na elucidação de alguns aspectos teóricos que me incomodaram e, atualmente, tentando aprender a fazer experimentação. 
Em seu ponto de vista, quais são as diferenças no modelo explicativo do Analista do Comportamento com relação a psicólogos de outras abordagens ditas científicas, tais como a Cognitivo-Comportamental, a Neuropsicologia, entre outras? Em relação a estas diferenças, existe alguma vantagem para a Psicologia adotar o modelo da Análise do Comportamento? 
Há muitas diferenças entre a perspectiva da Análise do Comportamento e outras perspectivas psicológicas. Cada proposição teórica se difere das demais teorias em alguns aspectos e se aproxima em outros e seria inviável discorrer aqui sobre todas essas diferenças. Entretanto, no meu ponto de vista, o compromisso do Behaviorismo Radical com variedades específicas de contextualismo, pragmatismo e externalismo, bem como o modelo de seleção por consequências são diferenciais importantes da Análise do Comportamento em relação às demais teorias. Ainda que se assuma que há muitas questões conceituais a serem respondidas no Behaviorismo Radical – e entendo que isso seria inevitável numa perspectiva que se intitula científica –, entendo que essas características constituem uma base estimulante para se continuar fazendo pesquisa (básica, aplicada, tecnológica e conceitual) em psicologia. 
Não sei se é possível dizer que o Behaviorismo Radical confere vantagens na pesquisa em psicologia uma vez que qualquer avaliação desse tipo demandaria o uso de critérios arbitrários que seriam impossíveis de serem definidos sem se partir de um referencial teórico, tornando assim qualquer avaliação tendenciosa. Se, a despeito disso, adotarmos os objetivos skinnerianos (i.e. previsão e controle do comportamento) acrescidos de um terceiro critério (coerência conceitual) acredito que a Análise do Comportamento, tem melhores condições de alcançar esses objetivos em relação aos demais referenciais teóricos. Isso depende, entretanto, da sobrevivência da própria Análise do Comportamento enquanto uma prática cultural o que, por sua vez, não depende apenas da consistência teórica dessa perspectiva. 

Em sua opinião, o que falta para que este modelo explicativo tenha um reconhecimento maior, e consequente aceitação maior por parte de estudantes de Psicologia, psicólogos de outras abordagens e mesmo profissionais de outros campos do conhecimento?
A aceitação e adoção da análise do comportamento são processos complexos e difíceis de serem analisados (como a maioria dos eventos humanos). Entendo que muitos fatores interferem nesses processos, desde o repertório de entrada dos alunos nas universidades (muitos alunos fazem psicologia motivados por suas experiências prévias com a profissão ou com textos pontuais de autores clássicos, o que certamente interfere na escolha do referencial teórico), passando pela relação entre os alunos e professores dos cursos de psicologia até a manutenção de práticas culturais que promovam e disseminem a Análise do Comportamento no Brasil, dentre outros fatores. Skinner sugeriu no Beyond Freedon and Dignity que se uma cultura não cria as contingências para a própria sobrevivência, tanto pior para essa cultura. Neste sentido, na media em que podemos compreender o exercício e ensino da Análise do Comportamento como práticas culturais a criação de contingências que favoreçam essas práticas torna-se imprescindível. 
Em minha opinião, os analistas do comportamento ainda têm feito pouco nessa direção. Felizmente, é inegável hoje aceitar um crescimento da Análise do Comportamento no Brasil. Esse crescimento se expressa e ao mesmo tempo se consolida, na criação das diversas Jornadas e encontros que tem surgido espontaneamente nas diversas regiões do país e nas recentes manifestações da ABPMC em defesa da Análise do Comportamento em contextos oficiais. Entretanto, nos falta ainda empenho em divulgação científica, diálogo com outras disciplinas (ex. medicina, neurociências, antropologia, linguística, etc.) e maior integração entre a pesquisa básica, aplicada e conceitual. 
O Behaviorismo Radical e a Análise do Comportamento tem algo a aprender com outros campos do saber?
Sem dúvida. A Análise do Comportamento pode se beneficiar grandemente com o dialogo tanto com outras áreas do saber como com outras perspectivas teóricas em psicologia. Exemplos disso são bastante expressivos: a terapia analítico-funcional de Kohlenberg e Tsai se inspirou no conceito psicanalítico de transferência, o modelo de seleção por consequências é baseado na teoria da seleção das espécies de Darwin e a pesquisa sobre correspondência verbal-não verbal foi estimulada pelas proposições de A. R. Luria. Gosto muito de um artigo do professor Júlio C. C. De Rose publicado no primeiro número da Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva que sugere a ideia de que todo psicólogo, ou outro profissional de alguma forma ligado à psicologia, tem como fonte de dados o comportamento dos organismos. Desse modo, ainda que se criem explicações bastante diferentes daquelas propostas pelos analistas do comportamento, esses profissionais estão produzindo dados sobre o comportamento e muitas vezes enxergando eventos para os quais os analistas do comportamento ainda não atentaram suficientemente. 
Além disso, a Análise do Comportamento pode ser muito beneficiada pelos desafios impostos por outras disciplinas e referenciais teóricos. Ao tentar explicar os eventos observados por essas áreas do conhecimento e teorias psicológicas a Análise do Comportamento pode avançar mais rapidamente em direção a uma explicação mais completa do comportamento. Obviamente, a análise da produção de outras teorias não implica assimilação de aspectos teóricos dessas teorias, a apropriação de conceitos de outras teorias tem, em geral, efeitos perniciosos pois dificulta a manutenção da coerência filosófica e conceitual do Behaviorismo Radical, a identificação das contingências envolvidas nas práticas de outros profissionais, entretanto, é parte do que o analista do comportamento deve analisar.
Em seu artigo publicado juntamente com Kester Carrara, intitulado “John B. Watson: Behaviorista Metodológico?”,  o senhor conclui que a atribuição do adjetivo Metodológico a Watson é errônea quando interpretada como expressão definidora de uma posição dualista; e irrelevante, quando atribuída como indicativo de um percurso histórico.  Porém, como o próprio texto sinaliza, é comum muitos autores caracterizarem-no como tal. Em sua opinião, a que se deve esta confusão? 
Essa questão guiou de um trabalho que apresentei na ABPMC de 2009 e que está em processo de publicação. Responder a essa pergunta remete necessariamente ao problema de determinar influências intelectuais e essa é uma tarefa difícil em que raramente é possível produzir uma resposta segura. Entretanto, por meio de uma revisão bibliográfica, eu encontrei alguns indícios que podem nos ajudar a responder a essa pergunta. 
Os dados que eu analisei sugerem que ao menos três fatores contribuem para a caracterização descuidada de Watson como behaviorista metodológico: (1) a relutância de Watson em delimitar seus compromissos filosóficos, especialmente no início de sua carreira, (2) o fato de que poucos autores brasileiros recorreram a textos de Watson para além do manifesto behaviorista de 1913 (texto que pode dar margem ao entendimento errôneo dos compromissos ontológicos de Watson) e (3) a influência de Maria Amélia Matos que, além de uma pesquisadora muito influente na Análise do Comportamento brasileira afirmou, mais de uma vez, ser Watson um behaviorista metodológico dualista. Entendo, entretanto, que se os autores brasileiros recorrerem a uma gama mais ampla de textos de Watson quando pretenderem caracterizar sua proposta inibiremos a propagação de caracterizações incorretas na literatura da nossa área e, consequentemente, evitaríamos cometer com o behaviorismo clássico os mesmos erros que acusamos outros teóricos de cometer em relação ao Behaviorismo Radical de Skinner: uma caracterização caricata e enviesada. 
Poderia deixar algum conselho ou dica para os futuros profissionais Analistas do Comportamento?
Evitem o dogmatismo, o ecletismo, os argumentos de autoridade e desenvolvam suas práticas com seriedade. O dogmatismo é prejudicial em si mesmo. Analistas do comportamento que assumem de saída que o Behaviorismo Radical é a melhor forma de pensar sobre o comportamento sem se permitir questionar os próprios preceitos dessa perspectiva tendem a minimizar o diálogo com outros profissionais e teorias bem como a estancar o desenvolvimento do próprio behaviorismo. Todavia, esse alerta não torna razoável assumir que é recomendável adotar mais que um referencial teórico para fundamentar sua prática ou mesmo que é aceitável utilizar a Análise do Comportamento para fundamentar uma intervenção X e outra proposição teórica para fundamentar uma intervenção Y (o que caracterizaria ecletismo). 
Ainda que, em alguns aspectos, aproximações entre as diferentes teorias sejam possíveis, o embasamento de práticas em mais do que um referencial tende à incoerência conceitual e a efeitos deletérios da atuação do psicólogo. Outro cuidado importante é evitar confiar em uma proposição apenas porque ela foi feita por uma pessoa importante. Mesmo os grandes nomes da psicologia  comentem descuidos e os behavioristas não são exceções. Ainda que as proposições dos grandes autores possam ser bons guias, elas não devem ser tomadas como a verdade. Por fim, o trabalho sério depende de uma sólida fundamentação teórica de modo que, como diria uma colega minha, se “na prática a teoria não funciona” é porque há algo errado na teoria ou na prática. Portanto, estude muito, faça uso da facilidade de acesso que temos a textos hoje se aprofunde naquilo que tem sido feito sobre o tema que você está interessado. A ciência é uma prática coletiva, se não nos aproveitarmos daquilo que é produzido pela nossa comunidade não atingiremos os produtos agregados mais benéficos que ela pode nos proporcionar.
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Escrito por Portal Comporte-se

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