Muito gentilmente, o Psicólogo Analista do Comportamento Roberto Banaco (perfil no Núcleo Paradígma) concedeu uma entrevista exclusiva ao blog Comporte-se, na qual foram abordados temas relativos à clínica comportamental e ao relacionamento desta com outras abordagens da Psicologia.
Na entrevista são propostas questões que ouço e vejo entre estudantes de Análise do Comportamento. Excelentes as respostas. Vale a pena ler completa.
Olá Banaco. Primeiramente quero te agradecer pela disponibilidade em conceder esta entrevista ao blog Comporte-se. Gostaria também de dizer que, para todos nós, é uma honra podermos contar com sua participação.
Oi, Esequias, o prazer é todo o meu, e um privilégio poder mostrar um pouco das minhas idéias pra vocês.
Gostaria de começar a entrevista pedindo para que falasse um pouco do que te levou a fazer Psicologia, e por que a escolha pela Análise do Comportamento?
O motivo principal de me fazer ficar interessado em psicologia foi uma brincadeira de uma colega do curso colegial, aplicando um “teste” psicológico. Eu fui um adolescente muito tímido e fechado, e com poucas perguntas que ela havia me feito, me falava de coisas que eu pensava, sentia e nunca havia partilhado com ninguém. Isso me deixou intrigado e maravilhado ao mesmo tempo. Nessa época, a Abril Cultural lançou uma coleção em fascículos intitulada “Ego”. Trazia muitos verbetes sobre assuntos diversos, e suas últimas páginas eram compostas por testes de personalidade ou de inteligência. Eu fazia todos, e os de personalidade acertavam em cheio e os de inteligência diziam que eu era inteligente… Eu preferia os segundos (risos)…
Mas, se era verdade ou não, o fato é que o vestibular para entrar na PUC-SP, na época, tinha uma prova de inteligência. Eu estava tão treinado nos tais dos testes que de 96 questões propostas eu acertei 92. Foi assim que resolvi ir para a psicologia, abandonando uma pretendida carreira de desenhista publicitário.
Quando cheguei à Psicologia, deparei-me com sua diversidade de abordagens, e comecei a sentir falta de um respaldo mais firme para os estudos que eu estava fazendo. Parecia-me que era tudo uma questão de ponto de vista e que todas as abordagens eram coerentes dentro da sua proposta, mas eu não conseguia encontrar critério para dizer qual era a melhor. Foi aí que encontrei a Análise do Comportamento. Duas características foram decisivas para que eu abraçasse essa abordagem: o respaldo experimental e científico das Ciências Naturais (eu tenho uma prima bióloga, que foi meu modelo de profissional); e o fato de que os professores de Análise do Comportamento não tinham respostas prontas para tudo como os outros. Mas estavam sempre dispostos a pesquisar e a estudar o que não sabiam. Como eu avaliava que não era possível saber tudo e a idéia de que estudos devessem ser feitos sempre e sempre e sempre, os analistas do comportamento me fascinaram e me convenceram (sem grande esforço) a me tornar um deles.
Autores da clínica apontam para a dificuldade em se ter acesso às contingências nas quais o cliente está inserido, acesso este que se dá principalmente através do Comportamento Verbal. Isto acarretaria problemas em todas as modalidades terapêuticas. Como a Análise do Comportamento lida com isto?
A gente já leu, discutiu e estudou, e sabe que o comportamento verbal é operante como qualquer outro. Uma das características do comportamento verbal é dar acesso a informações que são úteis para a comunidade verbal, e esta, por sua vez, reforça a correspondência que possa haver entre fato e relato. Este é o básico.
Agora vamos aplicar à situação terapêutica:
O cliente vem com uma queixa, que eu posso classificar como um mando, porque ele está em uma situação aversiva (Operação Estabelecedora) da qual quer se livrar. Ele “passa” essa OE para o terapeuta, que fica com a “batata quente” nas mãos e tem que se virar para livrá-lo do sofrimento. Desse ponto de vista, o terapeuta passa a ser a comunidade verbal que tem o poder de reforçar ou não o relato verbal do cliente, caso este lhe entregue informações úteis para que se livre da situação aversiva de ter o problema do cliente em mãos. Mas o reforçador que o terapeuta pode dispor para o relato é a solução do problema do cliente, eliminando a situação aversiva na qual ele está inserido. Portanto, o que o terapeuta faz o tempo inteiro é “calibrar” o comportamento verbal do cliente para que ele possa ter uma correspondência cada vez maior entre o acontecido e o relatado. Isso implica em algumas características que já foram descritas do processo terapêutico: a suspensão da punição para o relato, tenha ele o conteúdo que tiver. E o desenvolvimento de um processo bastante conhecido chamado por muitos autores de autoconhecimento: o terapeuta leva o cliente a saber o que o controla. Quanto maior a correspondência entre o relatado e o vivido, e quanto melhor o terapeuta conseguir focalizar o relato para aspectos relevantes de análise, mais rapidamente cliente e terapeuta eliminam a OE. Portanto, ambos ganham com essa correspondência.
Gostaria que você discorresse um pouco sobre a possibilidade de aplicação do conceito de Metacontingências na prática clínica do Analista do Comportamento.
Se considerarmos que metacontingências são aquelas mantidas por um produto agregado que mantém um grupo de pessoas se comportando juntas, e que agem principalmente em nível cultural, podemos interpretar que uma melhor qualidade de vida dos membros das culturas seja o produto agregado. Caso não houvesse a clínica, possivelmente a Cultura estaria correndo sérios riscos de desagregação e enfraqueceria. As práticas culturais que são mantidas dentro da metacontingência são várias e exercidas por diversas pessoas.
Primeiramente, algumas dessas pessoas investigam os processos básicos comportamentais que fazem com que o problema psicológico ocorra ou não. Investigam procedimentos para que ele seja modificado. Esse é o âmbito da pesquisa básica. Esse conhecimento passa a fazer parte de um conjunto de manipulações de contingências que agora serão aplicados em situações concretas: esse é o âmbito da pesquisa aplicada, que continua a avaliação das propostas de tecnologia criada em laboratório: a proposta funciona? Quando evidências mostram que sim, elas passam a ser incorporadas em um conjunto de técnicas (práticas culturais) às quais agora chamamos comumente de psicoterapias. Por outro lado, outros conjuntos de pessoas que sofrem dos e com os problemas psicológicos procuram ou são encaminhadas para a psicoterapia. E obtêm o reforço do alívio da situação aversiva a que eu me referia acima. Algumas vezes, propõe novos problemas ainda não estudados (a que eu já havia me referido a você em resposta à primeira questão que vc me propôs). E a pesquisa básica agora assume novos processos e relações advindas da clínica ou de outras áreas da Análise do Comportamento Aplicada que ainda não foram abordadas ou não tiveram seus processos estudados. Isto “fecha” de alguma maneira, em contingências entrelaçadas essas práticas culturais.
Por sua vez, aumentado o poder de reforçamento dessas práticas, outras pessoas que precisam ter uma função social passam a buscar suas razões sociais (profissionais) em formação para que possam exercer a profissão em seus vários aspectos: alguns serão pesquisadores básicos, outros aplicadores, outros refletiram sobre os conceitos e ferramentas metodológicas, etc. Ou seja, é a esse conjunto de práticas culturais (incluindo nelas o controle aversivo que outros conjuntos de grupos sociais exercem sobre os indivíduos) que fazem com que a psicoterapia seja inserida como uma forma dos indivíduos comportarem-se, em vários níveis, conjuntamente e que tenham como produto agregado o alívio da aversividade que a vida em grupo exerce.
Você acredita que a prática do Analista do Comportamento na clínica deixa algo a desejar quando comparada à sua prática em pesquisa? Pode comentar um pouco a respeito?
Como eu apontei acima, as duas estão intrinsecamente entrelaçadas. A função de uma (psicoterapia) é apontar para que plano da vida humana ainda não temos respostas e sobre o qual precisamos nos debruçar. Pesquisa que não venha a um dia ter uma aplicabilidade seria uma pesquisa inócua, que atenderia apenas a um capricho do pesquisador. Muitas vezes a motivação do pesquisador básico não tem uma aplicação direta sobre problemas humanos, mas, digamos assim, ela acontece por problemas de manutenção da própria pesquisa básica. São problemas conceituais e metodológicos propostos pelos próprios estudos básicos, para obtenção de um melhor controle experimental ou para uma adequação conceitual. Isso pode, durante algum tempo, ficar reverberando dentro da própria pesquisa básica, mas seu objetivo último ainda é criar tecnologia para solucionar problemas humanos. Por outro lado, a psicoterapia se beneficia em muito se for conhecer melhor o que a pesquisa avança em termos de descrição de controle de comportamentos para que possa melhorar a qualidade de vida dos indivíduos que a procuram. A meu ver, dentro da abordagem (Análise do Comportamento) uma perde a razão de ser sem a outra. A pesquisa básica porque não saberia para onde seguir, sem os olhos da clínica. A clínica porque não saberia o que fazer sem as ferramentas e o jeito de usá-las descritos pela pesquisa básica.
Está hoje em destaque a modalidade clínica Terapia Cognitivo-Comportamental. Alguns autores desta abordagem, dizem que as melhores técnicas para modificação de crenças e esquemas disfuncionais são as Comportamentais. Qual a sua opinião sobre esta união entre as abordagens?
A união das duas abordagens é histórica e de raiz. Ambas têm origem na psicologia experimental e no behaviorismo de Watson. A partir do movimento chamado pelos historiadores e filósofos por “neo-behaviorismo”, cujos expoentes maiores foram Tolman, Hull e Skinner é que as abordagens começaram a se diferenciar. Então, como vcs podem ver, essa diferenciação não é nova, ela tem origem já nos anos 20 do século passado. A partir daí, o que sabemos que o que nos une é o estudo experimental de processos comportamentais. Como eu disse em resposta à questão acima, é a pesquisa básica que propõe descrição de processos que podem vir a tornarem-se técnicas. Como o nosso objeto de estudo (mesmo para os cognitivistas-comportamentais) passível de mensuração e observação direta é o comportamento, não me intriga que as técnicas sejam comportamentais. Ainda que as interpretações científicas sobre os processos envolvidos na formação e na solução do problema sejam diversas entre as abordagens.
Alguns psicólogos são defensores da pluralidade teórica: cada tipo de cliente acerta mais com as técnicas de uma abordagem específica. Qual a sua opinião a respeito?
Creio que infelizmente, os cursos de psicologia não dão ainda conta de demonstrarem, claramente para seus alunos, que as abordagens diversas têm uma razão de existir. Essa razão a meu ver, é a visão de Homem que se tem em cada uma delas. É porque grandes pensadores, teóricos e técnicos têm uma determinada visão de Homem e de seus problemas que as abordagens psicológicas começaram a se diferenciar. Vejam como exemplo, o embate entre Freud e Jung. Jung era seguidor de Freud, mas tinha uma visão de Homem tão diferente de seu mestre que criou uma abordagem própria. Querer juntar as duas abordagens seria escandaloso para qualquer pessoa que conhecesse minimamente as raízes históricas e filosóficas de cada um desses autores. O que dizer ainda de tentar juntar a Análise do Comportamento com outras abordagens classificadas como psicodinâmicas? Seria ainda mais escandaloso. A Psicologia tem essa característica de atender (e não conseguir se decidir) se é uma Ciência Humana ou Ciência Natural. Cada uma delas aborda os fenômenos de maneiras completamente distintas.
Diante da quantidade de abordagens que a Psicologia possui, cada uma com suas especificidades, da quantidade de críticas que a Análise do Comportamento recebe, e dos erros sobre a abordagem, tão comuns, nos livros de Introdução à Psicologia e Teorias da Personalidade, como avalia a situação atual da Análise do Comportamento no país? E a postura dos Analistas do Comportamento diante disto?
A Análise do Comportamento, nas pessoas de seus componentes, os analistas do comportamento, tem lutado bravamente para afastar os erros conceituais e as críticas que já recebeu, recebe e que se perpetuam por vias culturais (por exemplo, em livros que não são bem informados a respeito da abordagem).
O problema é que temos uma luta por território que vai além do conceitual: ele é de empregabilidade. Dividimos o mercado de trabalho com os profissionais de outras abordagens (que, diga-se de passagem, também se engalfinham entre si, deixando-nos de lado em muitas contendas), e um mercado de trabalho bastante restrito. Isto ocorre na universidade, cada vez mais miserável – e onde tem miséria tem disputa – por território traduzido em quantidade de aula dentro dos departamentos, nas oportunidades de trabalho (vimos há pouco tempo uma carta bastante deselegante de um colega de outra abordagem a respeito de leis que determinavam que a análise do comportamento era o melhor método para o tratamento de autistas), enfim, o que quero dizer é que há um interesse, no fundo financeiro, de que essas distorções sejam mantidas. Cabe ao analista do comportamento entrar nessa briga com o que tem de melhor: evidências, e não com críticas ácidas ou desrespeitosas a outros profissionais (que são sérios), para se defenderem ou destruírem o trabalho alheio.
Nesse sentido, a atuação da ABPMC tem sido impecável. Além de ter congregado cada vez mais trabalhos melhores em AC, tem tido uma postura política desde há anos que gradativamente nos coloca em destaque. Por exemplo, já há anos, somos uma entidade científica que recebe verba pública para a realização dos encontros anuais; participação em debates e decisões de políticas acadêmicas; atuação junto à comunidade, etc.
Em que áreas a Análise do comportamento tem se destacado mais atualmente, e onde é necessário um investimento maior?
A AC se destaca em qualquer área que se coloque, porque sua ferramenta básica, a análise funcional, demonstrou ser adequada para a análise do comportamento humano, onde quer que ele aconteça. O que pode estar havendo é que nem toda a área de atuação humana tenha a contribuição de um analista do comportamento. Desde as áreas mais tradicionais de Educação, Clínica, Desenvolvimento Atípico e Organizações, até às áreas menos comuns de Proteção Ambiental, Esportes, Engenharia, Ergonomia, etc, virtualmente o Analista do Comportamento pode atuar em todas. Um exemplo disso é a atuação de Silvio Botomé formando analistas do comportamento advindos de áreas tão distintas quanto engenharia e fisioterapia, ou mesmo do Programa de pós em Análise do Comportamento da PUC que já recebeu enfermeiros, assistentes sociais, engenheiros, marketeiros e até mesmo engenheiros de segurança digital entre seus alunos. O investimento deve ser feito onde somos “chamados”, qualquer que seja a atuação.
Qual a sua opinião a respeito da separação entre Análise do Comportamento e Psicologia?
Esse também não é um tema novo, e posso dizer que sou bem simpático a ela. Desde textos que já li (especialmente os de Ernest Vargas, genro de Skinner) a atuações como as de Sigrid Glenn, que tem um curso de graduação específico para formar analistas do comportamento, eu gosto da idéia da Análise do Comportamento separar-se da Psicologia. Como eu disse acima, nossos pressupostos filosóficos, nosso entendimento de Homem, nosso alinhamento às Ciências Naturais (ao invés das Ciências Humanas), e nossa afinidade com a Biologia nos dariam condições suficientes para andarmos paralelamente à Psicologia, mas não formando um corpo profissional com ela. Historicamente, no entanto, temos origem na problemática comum abordada, o que nos liga inexoravelmente a ela.
“A ciência da análise do comportamento tem suas raízes na filosofia, então distinguiu-se como um ramo da emergente disciplina da psicologia e está agora no processo de desengajar-se dessa psicologia. O progenitor ainda não a deixou ir (nem, neste caso, o avô) e luta para manter seu domínio administrativo dentro da academia, mas as linhas de fratura intelectual estão claras. Psicologia, como o nome sugere é a ciência da mente. Análise do comportamento é a ciência do comportamento”. (Sidman, 1989, p. 21).
Qual dica poderia deixar para o terapeuta Analítico-Comportamentais iniciantes?
Há um alerta de Marcuse e Pear que eu gosto tanto que cito em todas as oportunidades que tenho e não vou deixar de citar nesta (risos). Dizem eles que a força de uma cultura está em sua capacidade de diminuir a competição interna, cuidar da saúde de seus membros, atrair novos membros e fazê-los trabalhar em sua manutenção. Aplicando esses avisos à cultura da Análise do Comportamento eu diria aos novos analistas do comportamento:
1) Sejam vocês pesquisadores de básica, aplicada ou aplicadores de conhecimento, procurem conhecer os avanços que cada um dos seus colegas produziu, sem competição entre si. Não há trabalho melhor ou pior: há uma produção de conhecimento por vias diferentes. Isso diminuiria a competição interna.
2) Ajude seus colegas a realizarem seus trabalhos, e não com críticas ácidas ou falta de paciência. Estabeleça seu ponto de vista de forma a contribuir com o trabalho alheio, e não com o propósito de demonstrar que seu trabalho é mais sério ou mais importante que o do outro. Cuide da “saúde” intelectual e profissional do outro analista do comportamento.
3) Leve a AC onde vc puder, da melhor maneira que puder. Fale apenas o que sabe, e passe as oportunidades sobre as quais vc não conhece muito para quem sabe. Isso aumentará a chance de atrair novos membros, por demonstrar que a AC tem excelentes respostas para os problemas humanos.
4) Todos os analistas do comportamento são importantes. Frente aos profissionais de outras abordagens somos tão poucos que nossas brigas internas enfraquecem a abordagem. Discutir, sim, porque a discussão faz parte do avanço do conhecimento. Brigar e desprezar, não, porque afastará os membros e enfraquecerá a cultura.
5) Use o que aprendeu em sua formação: controle aversivo, mesmo aplicado sobre analistas do comportamento tem efeitos colaterais indesejáveis: o pior deles é o contracontrole. Evite ao máximo o uso de controle aversivo mesmo sobre pessoas que discordem de vc.