Ano Novo: vamos trocar as promessas por respostas de compromisso?

Paula Grandiwww.paulagrandi.com.br

Conforme o final do ano se aproxima começamos a pensar sobre o que realizamos no ano que acaba e o que gostaríamos de realizar no ano que se inicia. Com frequência formulamos as famosas “promessas de Ano Novo”: “Este ano vou emagrecer”, “Vou viajar mais”, “Vou mudar de emprego”, “Esse ano está decidido, vou passar mais tempo com a minha família”, dentre tantas outras possibilidades. Como todo mundo sabe, poucas delas são efetivamente colocadas em prática durante o ano, e algumas são jogadas de ano para ano (as promessas de 2013 viram as de 2014, que viram as de 2015, e então as de 2016). Porque será que é tão difícil cumprir as promessas de Ano Novo? O que estamos fazendo de errado? O que aqueles que conseguem cumprir as suas promessas de Ano Novo estão fazendo de diferente?

Primeiramente é importante saber que as contingências que controlam a resposta verbal de formular as promessas são diferentes das contingências que controlam o comportamento de cumprir a promessa, isto é, que controlam a emissão das respostas que queremos instalar em nosso próprio repertório. Quando formulamos as promessas, algumas contingências estão em vigor, às vezes é aquilo que a sociedade ou pessoas próximas esperam que façamos (e então nos reforçam por apenas formular estas promessas), às vezes formulamos as promessas como uma resposta de esquiva que diminui os efeitos aversivos gerados por lembrar que não cumprimos as promessas do ano que se passou. Devemos nos perguntar, então: esta mudança que tanto prometemos é algo que de fato queremos? Traz contribuições à nossa vida? Nos ajuda a atingir os nossos objetivos a longo prazo? Se sim, vamos ao próximo passo.

Vamos supor que você decidiu que quer viajar mais no ano que se inicia, e isso é algo que tem grande valor para você. Para viajar, obviamente, você vai precisar de uma certa quantidade de dinheiro. Prometer que você vai “viajar mais” não descreve propriamente os comportamentos que você tem que emitir durante o ano para que seja possível viajar mais. O que você teria que fazer durante o ano? 1. Calcular a quantia necessária para realizar a viagem; 2. Verificar quanto você deverá economizar por mês para que a viagem se torne viável; 3. Economizar uma certa quantia mensalmente; 4. Decidir o destino da viagem; 5. Pesquisar hotéis; 6. Pesquisar passagens; entre vários outros comportamentos que podemos listar. Destrinchar uma promessa em pequenos comportamentos a serem emitidos a torna mais possível de ser cumprida.

Agora é necessário emitir cada um dos comportamentos descritos em 1, 2, 3, 4, 5, 6, etc. Para isso teremos que olhar para as variáveis ambientais que controlam cada um destes comportamentos. Se for muito difícil emitir algum deles, vamos precisar alterar as variáveis ambientais das quais ele é função para tornar a sua emissão mais provável. Vamos supor que cumprir os itens 1 e 2 (emitir estes comportamentos) seja fácil, você até já calculou anteriormente a quantia necessária para realizar uma viagem e quanto deveria guardar por mês. Pode ser que o comportamento descrito no item 3. (economizar uma certa quantia mensalmente) seja aquele que nunca é emitido e sempre acaba ficando para o ano seguinte.

Como alterar/estabelecer contingências para que a resposta de economizar dinheiro se torne mais provável durante o ano? Como podemos aumentar a probabilidade das respostas que descrevemos como intermediárias para cumprir a promessa? Apenas emitindo as respostas intermediárias (destrinchadas) podemos atingir o objetivo final. Já sabemos o que fazer, a questão agora é: como? Vou discutir, a seguir, o que foi chamado por Rachlin e Green (1972) de respostas de compromisso.

Rachlin e Green (1972) desenvolveram um modelo experimental de autocontrole que pode ser útil fora dos laboratórios. Os autores definem, baseando-se em Skinner (1953), que o compromisso com um curso de ação é uma forma de autocontrole. Mas como nos comprometemos em economizar uma certa quantia todo mês em vez de gastá-las com reforços imediatos? Para Rachlin e Green (1972) o compromisso com um determinado curso de ação (autocontrole: economizar dinheiro mensalmente) depende de reversões de preferência que ocorrem de tempos em tempos. Podemos explicar as reversões de preferência da seguinte forma: quando formulamos a nossa promessa ou pensamos em realizar a viagem, o valor da viagem provavelmente é maior do que o valor de gastar o nosso dinheiro mensalmente com outras coisas. Nós ainda não nos deparamos com a situação em que temos o dinheiro e estamos na frente de uma vitrine que tem aquela peça de roupa que queremos ou o último lançamento do Playstation. Inversamente, quando estamos com o dinheiro em nossa carteira, frente as situações do dia-a-dia, o valor de gastá-lo provavelmente será maior do que o valor de guardá-lo para a viagem futura. Por isso que as preferências (guardar X gastar) se revertem de tempos em tempos, e por isso que uma resposta de compromisso pode ser útil.

Um bom exemplo, e com o qual muitos vão se identificar é o seguinte: quando, ao irmos dormir, colocamos o despertador longe da cama para sermos obrigados a levantar quando ele tocar. Se essa estratégia funcionar é porque o valor de levantar na hora e chegar no seu compromisso no horário é maior quando programamos o despertar, isto é, na hora em que vamos dormir. Na manhã seguinte, com sono, o valor de continuar na cama dormindo é maior do que se levantar, mas, neste momento, não temos mais escolha, pois já colocamos o despertador em uma distância na qual deveremos levantar para desligá-lo. A grande sacada é que uma resposta de compromisso não lhe deixa outras alternativas. Você deve levantar para desligar o despertador, não há outra opção. Afinal, é uma resposta de compromisso: você se compromete com aquele curso de ação.

As respostas de compromisso podem ser eficazes, pois quando estamos com o dinheiro na carteira, preferimos gastá-lo; quando nos deparamos com aquele bolo de chocolate delicioso, o valor de comê-lo será muito mais alto do que manter a dieta; quando temos um cigarro na mão, o valor de fumá-lo será muito maior do que o valor de parar de fumar; o valor de continuar no trabalho, no momento em que estamos no trabalho, pode ser maior do que o valor de voltar para casa para ficar com a família. Dessa forma, é necessário optar por uma resposta de compromisso antes de se deparar com a situação que requer auto-controle. No momento em que nos deparamos com a situação que requer auto-controle a resposta auto-controlada já não é mais possível de ser emitida: provavelmente iremos gastar o dinheiro, comer o bolo, fumar o cigarro ou continuar no trabalho (Para saber mais sobre autocontrole veja meu outro texto sobre o tema aqui no comporte-se.

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Retomando o exemplo de “viajar mais durante o ano”, qual poderia ser a resposta de compromisso para que o comportamento descrito no item 3 (economizar uma certa quantia mensalmente) aumentasse de probabilidade? Se ao ter o dinheiro na carteira, ou na conta-corrente, o valor de gastá-lo é maior do que o valor de guardá-lo para a viagem, uma boa resposta de compromisso poderia ser assinar uma poupança automática, que transfere diretamente uma certa quantia para a poupança da viagem no momento em que você recebe o seu salário. Dessa forma, não há a opção de gastar o dinheiro, ele já está separado para a viagem. A resposta de assinar a poupança automática seria uma resposta de compromisso, uma resposta de autocontrole. “Auto”, pois foi o próprio indivíduo que desenvolveu uma estratégia de compromisso.

Podemos pensar em respostas de compromisso para os mais diversos objetivos (ou “promessas de Ano Novo”). A chave da questão é que uma reposta de compromisso deve deixar apenas uma alternativa, um curso de ação disponível: o de emitir o comportamento desejado. Conseguimos, assim, alterar as contingências das quais o nosso próprio comportamento é função (autocontrole).

Vamos fazer diferente em 2016? Com qual resposta de compromisso você quer começar esse ano?

REFERÊNCIAS

Rachlin, H. & Green, Leonard. (1972). Commitment, Choice and Self-Control. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 17, 15-22.

Rachlin, H. (2004). The science of self-control. Harvard University Press paperback edition.

Skinner, B. F. (1953/2007). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Ed. Martins Fontes.

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Escrito por Paula Grandi

Psicóloga pela PUC-SP, mestranda bolsista CNPq no Programa de Psicologia Experimental: Análise do Comportamento da PUC-SP, especializanda em clínica Analítico-Comportamental pelo Núcleo Paradigma. Possui Formação avançada em acompanhamento terapêutico e atendimento extra-consultório pelo Núcleo Paradigma e atuou como psicóloga residente em oncologia no Hospital São Paulo. Foi bolsista PIBIC-CEPE de iniciação científica na PUC-SP e participou da organização do EAC PUC-SP (2010-2011). Atuou como organizadora e professora do Curso de Verão de Psicologia Experimental: Análise do Comportamento da PUC-SP (2015-2016). É membro sócio da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental e atualmente trabalha como psicóloga clínica, acompanhante terapêutica e pesquisadora.

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