Psicólogos e psiquiatras divergem sobre campanha contra “medicalização” de crianças

A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e a Associação Brasileira de Déficit de Atenção (Abda) se posicionaram contrariamente à campanha Não à Medicalização da Vida, lançada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) na última quarta-feira (11). A campanha adverte para o uso excessivo de medicamentos psiquátricos em crianças e adolescentes com dificuldades de aprendizado.
“Somos contrários à campanha porque é um movimento de psicologização das pessoas. O CFP quer criar a necessidade de que todos sejam submetidos à psicoterapia. O diagnóstico de problemas psiquiátricos dever ser feito por médicos psiquiatras, não por psicólogos”, disse o presidente da ABP, Antônio Geraldo.
Na sexta-feira (13), a ABP e a Abda lançaram manifesto à sociedade sobre o tema, que teve o apoio de 29 entidades, criticando pronunciamentos contrários ao uso de medicamentos. Em nota, afirmaram que “todos os artigos científicos disponíveis indicam que o tratamento farmacológico é a primeira escolha para a maioria dos portadores”.
De acordo com a conselheira do CFP, Marilene Proença, medicalização é todo tratamento de processos ou comportamentos sociais e culturais em crianças, adolescentes ou adultos com quadro de patologia psiquiátrica.
Segundo o psiquiatra Antônio Geraldo, no entanto, o consumo de remédios contra distúrbios como a dislexia, o déficit de atenção e a hiperatividade ainda está aquém da quantidade de portadores.
Nas contas do presidente da ABP, cerca de 5% da população brasileira são portadores de distúrbios relacionados à atenção e ao aprendizado, o que corresponde a aproximadamente 10 milhões de pessoas – o que resultaria em 10 milhões de caixas de remédios por mês, uma para cada portador. No entanto, dados do CFP apontam que foram consumidas no Brasil, em média, 2 milhões de caixas por mês em 2011.
“Deve haver pesquisa para identificar o uso inadequado de medicamentos. Se tivéssemos a adequada proteção à saúde no Brasil para esses casos, em que o tratamento deve ser multidisciplinar, o combate a diagnósticos equivocados seria facilitado. O uso de psicofármacos deve ser racional, por meio de diagnóstico bem feito, com o uso do Código Internacional de Doenças”, informou o presidente da ABP.
Para o portador de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), o médico Pablius Braga da Silva, 47 anos, o diagnóstico do distúrbio não pode ser ignorado. Segundo ele, que descobriu o problema já adulto, o uso de medicação “fez absolutamente toda a diferença”.
“Ninguém merece ficar doente e ficar sofrendo. Desde que tudo fique controlado e sem riscos, a medicação tem de ser usada. Se houver meios de tratamento antes do remédio, tudo bem. O risco é o uso demasiado. Deve-se dar um voto de confiança ao diagnóstico”, disse o portador, que tem uma filha de 6 anos que também tem TDAH.
De acordo com a psicóloga e neuropsicóloga Edyleine Benzik, criadora da Escala de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, usada por professores em escolas, o fator hereditário é determinante para o desenvolvimento desse tipo de transtorno. A ausência da hereditariedade, no entanto, não impede que o problema seja propiciado por outros fatores.
“Se a família é desorganizada, não funciona bem, não tem horário, isso pode desencadear um transtorno e estimular um tipo de comportamento. Se a criança tem a tendência e a família propicia, isso funciona como um gatilho. O problema é neurobiológico, não é só de ordem social ou emocional”, explicou.
A psicóloga explicou que o tratamento indicado para esses distúrbios é a medicação, associada ao acompanhamento em outras áreas.
“Transtornos de atenção e de aprendizado são cientificamente estudados, são processos que têm critérios para diagnóstico. A banalização da medicalização ocorre porque qualquer pessoal julga que a criança mais desatenta e hiperativa tem um distúrbio. Todos temos um ou outro sintoma. Mas o diagnóstico é feito segundo um conjunto de sintomas, que, quando tratados, trazem benefícios significativos à vida da pessoa e da família”, disse Edyleine.
Segundo ela, o aparecimento de distúrbios de atenção e de aprendizado ocorre devido à ausência de determinados neurotransmissores que não são produzidos. Daí o funcionamento cerebral deficiente. A medicação atua para repor as substâncias ausentes.
“Com a medicação, o cérebro tem a resposta adequada e começa a funcionar como deveria. Os remédios não geram dependência e, com o tempo, a pessoa vai desenvolvendo habilidades que não tinha. Quando os portadores optam pelo consumo do medicamento em determinado momento da vida, não é por dependência, mas por consciência”, disse a psiquiatra.
De acordo com Edyleine Benzik, o próprio paciente pode controlar o uso do medicamento. “Uma pessoa que tem bronquite toma um remédio quando sabe que terá de fazer exercício físico. O mesmo ocorre em relação a essas pessoas, quando sabem que terão de atingir certo nível de produtividade no trabalho ou ter de dar conta de alguma tarefa”, disse Edyleine. (ABr)

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Escrito por Portal Comporte-se

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