Os ciumentos sempre olham para tudo com óculos de aumento, os quais engrandecem as coisas pequenas, agigantam os anões, e fazem com que as suspeitas pareçam verdades” (Miguel Cervantes, 1547-1616).
Na manhã de hoje (10 de outubro de 2011), tirei um tempinho para ler algo a respeito do ciúme. Por sorte, ao lançar o termo no Google Acadêmico, topei com o artigo “Contribuições da Psicologia Evolutiva e da Análise do Comportamento acerca do Ciúme” da analista do comportamento Nazaré Costa. Sorte porque, em primeiro lugar, eu gostaria de conhecer um pouco da leitura analítico-comportamental sobre o tema e, em segundo lugar, porque tenho tido interesse em trabalhos que contemplam atributos filogenéticos do comportamento.(1) Pretendo, com este texto, trazer os principais pontos dessas duas abordagens e esboçar um possível e desejável link entre seus respectivos níveis de análise.
O ciúme
No início do seu trabalho, Costa (2005) comenta sobre o aspecto universal do ciúme: toda sociedade, atual ou remota, é ou foi expressivamente marcada por esse padrão comportamental. Estamos tratando, portanto, de um traço cultural. Desse fato incorre, entre outras coisas, o grande número de pessoas que procuram ajuda psicoterápica para controlar o ciúme, que pode ser excessivo e danoso, e uma parcela considerável de homicídios (em torno de 20%) que envolvem essa classe comportamental. Mas a diferença e a convergência de explicações para o ciúme entre disciplinas, sobretudo entre a análise do comportamento e a psicologia evolucionista, consistem no problema elementar a ser abordado pela autora.
Analisando uma vasta e diversificada literatura, Costa conclui que o ciúme é geralmente entendido como
uma emoção (desprazer […] apreensão) que é desencadeada por uma situação de ameaça, seja ela real ou não, de perder uma relação ou posição em um relacionamento afetivo, sendo importante ainda destacar que tal emoção tende a “motivar” comportamentos que possam lidar com essa ameaça […]
Com esse pano de fundo, Costa comenta que o ciúme é um “evento privado [um sentimento] capaz de controlar eventos públicos”. Entre as reações fisiológicas que caracterizam esse evento, ou as respostas reflexas, estão o aperto no peito, a sensação de nó na garganta e/ou a sensação de perda de controle. Sentimentos típicos, imediatos ou tardios, são a tristeza, a raiva, a angústia, a ansiedade, a mágoa e a rejeição. Supõe-se, ademais, que o “ciumento aprendeu a sentir [tais sensações] e a emitir determinados comportamentos públicos”. “Aprender a sentir” significa, em poucas palavras, que a ocorrência de um evento privado, como a angústia ou a raiva, pode ser condicionado ou emparelhado a um evento ambiental específico. Se, por exemplo, Júlia descobriu que Anselmo a traiu quando, para visitar seu avô, viajou para Belém, sensações privadas desagradáveis poderão surgir sempre que Paulo, seu atual namorado, precisar viajar a negócios (fenômeno denominado generalização respondente). A situação seria assaz mais complicada caso Paulo voasse acompanhado de Cecília, sua esbelta colega de trabalho. Mas a origem dessas sensações, ou ao menos seus aspectos rudimentares, provavelmente remonta a experiências tenras do ciumento, como quando teve de aprender a dividir a atenção da mãe com o pai ou dos pais com um irmão recém-nascido. O fato é: não entramos na adolescência ou na fase adulta sem que tenhamos passado por situações de apego anteriormente, e o que sentimos e, a propósito, o que fazemos para lidar com esses sentimentos são respostas gradativamente modificadas — da infância à velhice.
Comportamentos públicos, entre os quais a verificação, a perseguição e o inquérito, são aprendidos e mantidos em função de suas consequências. A expressão de insegurança, por exemplo, pode ser mantida por declarações atenuantes como “Eu só tenho olhos para você” e “Eu não trocaria você por ninguém” e por gestos como beijos, abraços, presentes e sexo. Condutas imponentes, coercitivas, como quando o ciumento exclama “Não quero que você saia com suas amigas!”, podem ser reforçadas (ter sua frequência aumentada) à medida que são aceitas sem resistência. Em quaisquer dessas ocasiões, o ciumento aprenderia que suas dúvidas e incômodos podem ser resolvidos à medida que os expressa, assertiva ou agressivamente. Segundo Menezes e Castro (2001), por ser reforçado (negativa e positivamente) por esquema intermitente, a extinção do ciúme leva tempo para ocorrer.
De volta à savana
Em seu livro Compreender o Behaviorismo (2006),(2) William Baum sublinha que “a maior parte dos genes que um indivíduo herda foi selecionada ao longo de muitas gerações porque promovem comportamentos que contribuem para o sucesso na interação com o ambiente e na reprodução” (p. 73). Ao largo da doutrina da tábula rasa, às vezes erroneamente associada ao behaviorismo radical, Baum comenta que não poderíamos “aprender todos padrões [comportamentais] complexos que aprendemos sem uma elaborada base de tendências previamente incorporadas” (p. 78). Há centenas de milhares de anos atrás, nossos ancestrais do sexo masculino não contavam com exames de ADN que os assegurassem que estavam captando recursos para e defendendo, com unhas e dentes, seus próprios filhos. Contra a tragédia de multiplicar genes de seus rivais, a seleção natural os contemplou com certa dose de ciúme. Essa sensação, ou esse misto de sensações, passaria a controlar certas classes de respostas verbais (como gritos e expressões de fúria) e físicas, quer fosse contra a fêmea (de forma a reprimir seus comportamentos promíscuos), quer fosse contra os machos, que a cortejavam ou aparentemente pretendiam fazê-lo.
Quando passa a sombra de um falcão em vôo, o filhote de codorna se encolhe como se estivesse paralisado. Se essa reação dependesse de experiência, poucos filhotes de codorna sobreviveriam para se reproduzir […] genótipos que exigissem que tais padrões fossem aprendidos a partir do zero seriam menos aptos do que genótipos que já trouxessem a forma básica incorporada (pp. 77-78).
Mais algumas palavras
Notas e referências:
(1) Os behavioristas são eventualmente criticados, sobretudo pelos cognitivistas, sobre uma suposta ignorância ou descaso acerca dos aspectos filogenéticos do comportamento.