Um pouco sobre a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT)

Se você freqüentou algum evento sobre Análise do Comportamento no último ano, provavelmente ouviu falar da Terapia de Aceitação e Compromisso (no inglês, Acceptance and Commitment Therapy, ou ACT, sigla bem sonora por sinal, lida como uma palavra e não como letras em separado). A ACT é uma das linhas de terapia da chamada terceira onda da Terapia Comportamental, que une as técnicas da modificação de comportamento utilizadas desde os primórdios da terapia baseada nas descobertas em laboratório a descobertas mais recentes sobre o papel da cognição e da emoção no processo clínico e na vida cotidiana (Hayes, Luoma, Bond, Masuda & Lillis, 2006).
Para muitos que conhecem apenas a base do Behaviorismo Radical e da Análise do Comportamento, a ACT não se parece com nada disso. Como pode uma terapia que une um foco em emoções, pensamentos, ou seja, eventos privados – supostamente relegados pelos behavioristas a um segundo plano, como muitos ainda acham – a preceitos budistas e belas metáforas sobre o sentido de nossas experiências humanas ser uma terapia comportamental, daquelas que renega a existência da mente como instância controladora das nossas ações e se baseia em leis aplicáveis tanto a ratinhos simpáticos quanto a humanos, com toda a sua complexidade incomparável?
Steven C. Hayes, principal nome da ACT
A ACT tem a sua base empírica assentada na chamada Teoria dos Quadros Relacionais (Relational Frame Theory, ou RFT), originada das pesquisas experimentais de Steven Hayes e sua equipe na área de linguagem e cognição (Hayes & Pistorello, 2011). Basicamente, a RFT analisa as relações entre estímulos, ampliando os estudos de equivalência em que Sidman se aprofundou durante suas pesquisas1 (Sério, Andery & Micheletto, 2008). As relações arbitrárias que emergem entre os estímulos no decorrer das nossas experiências ampliam nossa forma de se comportar frente a contingências que a princípio não tinham relação direta. Isso é muito importante para que possamos reagir efetivamente ao mundo, mas pode criar problemas ao ampliar também a potencialidade de contingências aversivas.

Por exemplo: uma pessoa que tem medo de elevador pode, a princípio, ter medo apenas de entrar no elevador. Mas outros estímulos podem evocar o medo a depender da experiência desta com eles. Ver a porta de um elevador pode se tornar aversivo, e então a pessoa passa a evitar passar em frente a elevadores. O som de uma porta se abrindo, também. Prédios altos, onde a possibilidade de haver elevadores é grande, também podem ser evitados pelo sujeito. Depois, lugares pequenos semelhantes a elevadores; depois, até mesmo a palavra “elevador”, e por aí vai. O repertório de fuga/esquiva do sujeito em relação a tantas coisas pode então restringir bastante a vida deste. Imagine, além de evitar elevadores, ter de evitar tantas coisas – daí, pode surgir algum sofrimento com o qual a pessoa lidará.
Para a ACT, um padrão de esquiva como este, que se inicia baseado em algo normal – afinal, a fuga/esquiva por vezes são úteis, como para nos livrar de situações potencialmente perigosas – pode passar a ser um repertório problemático, que leva os clientes à clínica de Psicologia. Além de evitar se expor às contingências, uma pessoa pode mesmo passar a evitar pensar no problema ou em coisas relacionadas a ele, e aí surge uma nova dificuldade: evitar pensar em algo é muito difícil. Ao pensar em evitar determinado assunto, você já está pensando nele. “Não vou pensar no meu medo de elevadores” é justamente pensar no medo de elevadores; não tem jeito, as palavras já estão aí bem no meio dessa frase.
“Assim, as pessoas se ‘embaralham’ com seus eventos privados e deixam de resolver as situações concretas que geram os problemas, os eventos aversivos primordiais, que estão na interação entre os indivíduos e seus ambientes”. (Saban, 2011, p. 22)

A ACT entra tentando fazer o sujeito mudar essa forma de lidar com o mundo que o rodeia, envolvendo exatamente o que o nome sonoro sugere: agir com compromisso. O problema é enfrentado de acordo com os seguintes objetivos:
  • Aceitação: passar a entender que coisas ruins acontecem na vida, mas evitar sofrer não as torna mais fáceis. Deixar o sofrimento acontecer, como natural que é, é proporcionar oportunidade para que ele vá embora. Em outras palavras, devemos desistir do controle sobre os eventos privados aversivos – é uma estratégia geralmente ineficaz e provavelmente ela foi grande responsável por levar o sofrimento àquele ponto.
  • Escolha: compreender que o que aconteceu já passou e não define completamente nosso futuro. Ou seja, entender a nossa história de vida e a partir daí abrir espaço para a aprendizagem de novos repertórios.
  • Ação: a partir da escolha e da aceitação, esclarecer que o futuro, que está a nossa frente, é o que pode ser mudado de acordo com os nossos objetivos. Em suma, após definir o que queremos mudar, o que resta é ir em frente e aprender a nos comportar de forma que a mudança aconteça.

De início, após definir o problema do cliente em terapia, a ACT leva o cliente a analisar as tentativas frustradas de resolvê-lo, comumente por meio de metáforas e exercícios. As metáforas são uma característica marcante da ACT e são úteis pois, por serem menos diretas, não são vistas pelo cliente apenas como um conjunto de regras a seguir e então o levam à reflexão (Saban, 2011). Uma outra vantagem das metáforas é que elas evitam racionalizações sobre o problema e, como a ACT é calcada num modelo que lida essencialmente com a linguagem, esse afastamento abre espaço para que o cliente ressignifique sua experiência de vida, sem construir “desculpas” cada vez mais elaboradas para justificar a forma como age2.
A identificação das tentativas malsucedidas de resolver o problema que levou o cliente à terapia deve desencadear a chamada desesperança criativa, que é o reconhecimento por parte do cliente de que tudo o que ele vem fazendo não deu certo, então, é hora de mudar as estratégias. Tudo isso focando na ineficácia do controle de eventos privados – levando o cliente a abrir mão desse controle – e na importância de identificar os elementos das contingências que vêm mantendo o problema – enquanto eles se mantiverem como estão, o problema não irá sumir, independentemente de pensar ou não nele. Um outro objetivo no início da terapia é a chamada desfusão, que é levar o cliente a encarar a linguagem de uma forma menos concreta – algo muito útil para aqueles que encaram regras sobre o problema de maneira muito rígida, ou que se identificam essencialmente com seus pensamentos (que são, enfim, feitos de palavras) sobre si e sobre o mundo. Após isto, o cliente está pronto para a aceitação dos seus eventos privados e dá o primeiro passo em direção às mudanças que foi buscar em terapia.
Tudo isso é favorecido pelo que se chama de mindfulness, outro termo central na ACT. Oriundo de filosofias orientais, o conceito se refere ao contato com o momento presente. A prática do mindfulness tem a ver com estar sensível ao que se vive agora, não se prendendo aos acontecimentos passados nem às expectativas futuras, e portanto estando mais sensível às contingências que vigoram, bem como aos seus próprios pensamentos, sentimentos e emoções – saindo do “piloto automático” (Vandenberghe & Sousa, 2006). O sentido de eu passa a se assemelhar mais a um contexto onde as experiências têm lugar, um observador dos eventos (Saban, 2011). A prática do mindfulness envolve, comumente, exercícios de meditação dentro e fora da clínica.
Após a aceitação ser cumprida vem a parte da escolha. O cliente é levado a investigar, afinal, qual é a mudança que ele gostaria de operar, avaliando quais são os seus valores, ou seja, que conseqüências a longo prazo ele quer que ocorram em várias esferas da sua vida. É importante, nessa fase, descobrir quais são os valores de fato do cliente – o que ele gostaria de fato que acontecesse consigo, removendo as pressões da família, do trabalho etc.; enfim, o que outros querem – e então passar a traçar quais são as ações necessárias para alcançar esses valores. É comum, nessa fase, que o cliente volte à esquiva que tencionava abandonar nas fases anteriores, já que agir é difícil – é sair de uma posição que está cômoda de alguma forma graças ao repertório que ele aprendeu. Para isso, retomam-se alguns exercícios e metáforas que reconhecem as dificuldades do momento, mas reiteram a importância da mudança.
A fase de mudança lança mão das técnicas de intervenção comportamental existentes na literatura e necessárias a depender do caso (Saban, 2011). Para que estas entrem em jogo, naturalmente, além de todo esse processo uma análise funcional do problema do cliente é indispensável e deve estar sempre sendo revista. Por fim, o terapeuta ACT deve estar sempre atento ao processo de terapia e aos seus próprios sentimentos, pensamentos e valores para conduzir um trabalho bem-sucedido.
A ACT é uma terapia bastante nova e já vem sendo alvo de algumas críticas. Primeiro, questiona-se a validade da RFT, que também é uma teoria recente sobre equivalência de estímulos e ainda em construção, embora já possua algum corpo, mas talvez ainda não suficiente para se destacar como teoria “independente”. Segundo, o status de “terapia da moda”. As sessões de ACT costumam ser bastante mobilizadoras para os clientes e os livros e textos são cheios de frases de efeito, além da proximidade com o budismo emular um pouco a literatura de auto-ajuda. A ACT ainda é bastante calcada na carismática figura de Hayes e alguns dos seus parceiros e suas palestras e conferências, entremeadas de filosofia budista e exercícios de meditação que chamam a atenção e envolvem a plateia, além da natural empolgação que os bons resultados da terapia têm trazido dão uma certa aura de “panacéia” à corrente (Cloud, 2006). Isso tudo, espera-se, deve se dissipar à medida que a empolgação inicial passe e estudos tragam novas evidências em favor da ACT, se ela for realmente capaz de responder ao desafio que se propôs. Ainda é apenas o começo e, no mínimo, a ACT merece atenção da comunidade acadêmica e, por que não, daqueles que desejam mudar através da terapia.
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1. A RFT é uma teoria de base experimental sobre equivalência de estímulos bastante ampla, que tive de resumir pra caber aqui no post. Para conhecer um pouco melhor o assunto, uma boa sugestão é o artigo disponível aqui.

2. Algumas metáforas bastante ilustrativas utilizadas pela ACT se encontram, devidamente traduzidas, no livro de Saban (2011) que menciono nas referências. Optei por não reproduzi-las aqui, mas vale a pena consultar o livro pra entender melhor.
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Referências

Cloud, J. (2006). The third wave of therapy. Time Magazine [online].

Hayes, S. C., Luoma, J. B., Bond, F. W., Masuda, A. & Lillis, J. (2006). Acceptance and Commitment Therapy: model, processes and outcomes. Behaviour Research & Therapy, vol. 44, nº 1, pp. 1-25.

Hayes, S. C. & Pistorello, J. (2011). ACT, Análise do Comportamento e Psicologia Brasileira. In: Saban, M. T. Introdução à Terapia de Aceitação e Compromisso. Santo André, ESETec, pp. 5-8.

Saban, M. T. (2011). Introdução à Terapia de Aceitação e Compromisso. Santo André, ESETec.

Sério, T. M. de A. P., Andery, M. A. P. A. & Micheletto, N. (2008). Discriminação condicional. In: Sério, T. M. de A. P., Andery, M. A. P. A., Gioia, P. S. & Micheletto, N. Controle de estímulos: uma introdução. São Paulo, EDUC/PUC-SP, pp. 81-111.

Vandenberghe, L. & Sousa, A. C. A. de. Mindfulness nas terapias cognitivas e comportamentais. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, vol. 2, nº 1, pp. 35-44.
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Classificação do artigo

Escrito por Aline Couto

Tem 22 anos e reside em Salvador, BA. Formada em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Durante o curso, aproximou-se da Análise do Comportamento, da Psicologia Cognitivo-Comportamental e da Neuropsicologia. Participou de grupos de pesquisa sobre Neuropsicologia Clínica e Cognitiva e Análise do Comportamento e Cibercultura na sua faculdade, além de grupos de estudo sobre Behaviorismo Radical.

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