Desmistificando a hipnose: uma visão Analítico Comportamental do fenômeno (parte 1)
É possível encontrar relatos de fenômenos hoje descritos como hipnose ao longo de toda a história da humanidade. De acordo com Sofia Bauer (2010), ela já foi associada a ideias de modificação de energia, um tipo diferente de sono, uma patologia, regressão a vidas passadas, aprendizagem adquirida, uma dissociação e até mesmo uma encenação.
Franz Anton Mesmer foi o primeiro a dar um tratamento minimamente científico ao assunto (Bauer, 2010). Ele acreditava que animais humanos e não humanos possuíam um tipo de magnetismo especial, que fazia com que respondessem a movimentos elaborados com as mãos e cristais especiais (Adler, 2010). Sua tese logo foi derrubada pelo governo francês, que por meio de uma comissão composta por Franklin, Lavoisier, Guillotin e Bailly, a submeteram à experimentação e descobriram que as mesmas respostas podiam ser obtidas de outras formas (Bauer, 2010). Com o passar dos anos, diversas teorias foram surgindo para tentar explicar o transe, dentre as quais se destacam as propostas por James Braid, James Esdaile, Pierre Janet, Emile Coué, Freud, Bernheim e Charcot (Bauer, 2010).
Milton Erickson, principal precursor da hipnose moderna, propôs diversas mudanças em relação a todas essas teorias. A principal delas diz respeito à definição do transe, que deixou de ser visto como algo especial e que necessitava ser formalmente induzido e passou a ser encarado como um fenômeno natural da vida humana, observado em situações cotidianas nas quais o foco de nossa atenção está totalmente voltado a alguma coisa e não nos damos conta do que ocorre ao redor (Bauer, 2010). Um exemplo de transe é quando estamos assistindo TV e não percebemos que nosso amigo está falando conosco.
Para a Análise do Comportamento, a polêmica recai na mesma questão que uma série de outros fenômenos humanos: a hipnose é provocada por processos mentais inconscientes ou é um conjunto de comportamentos complexos que são controlados por contingências?
Buscando responder a pergunta, Adolfo J. Cangas Diaz (1998), da Universidad de Almería, Espanha, argumenta que a explicação da hipnose deve ser buscada em três grandes conjuntos de variáveis: repertório comportamental prévio do organismo, que pode fazer dele mais sensível às sugestões; variáveis do contexto geral em que ocorre a hipnose e reforçadores dispensados pelo hipnotizador. Buscando ampliar a compreensão do leitor a respeito do fenômeno, proponho uma série de três textos a respeito, iniciando por este. Aqui tratarei do primeiro conjunto de variáveis citadas por Cangas, quais sejam, aquelas relacionadas ao repertório comportamental do organismo. Esta divisão é necessária em função da complexidade do assunto e da necessidade de limitar o tamanho dos artigos, com vistas a tornar a leitura menos densa e cansativa.
Dada a ausência de referências sobre hipnose em Análise do Comportamento, muito do que disser aqui são exercícios próprios de interpretação, que nem de longe, almejam esgotar as possibilidades. O próprio artigo de Cangas (1998), intitulado Análisis Conductal del Comportamiento Hipnótico, não é feliz em apresentar interpretações Analítico Comportamentais para o fenômeno. Muitas vezes o autor apenas descreve os comportamentos envolvidos sem fazer qualquer relação com a teoria. Uma das poucas fontes onde existe esta relação é o livro O Comportamento Verbal, de Skinner (1974), e ainda assim, apenas em pequenos trechos isolados. Ainda pretendo trazer à discussão as palavras de Skinner a respeito, mas em outro momento.
Cangas (1998) inicia a discussão dizendo que algumas pessoas possuem em seu repertório características que as tornam mais susceptíveis ao transe. A primeira característica citada pelo autor diz respeito ao interesse em se submeter ao processo, expresso pelo fato de que todos aqueles que o fazem, são voluntários. Essa disposição em participar sugere a existência de uma história prévia de exposição a regras que incentivem este comportamento; observação de modelos que, ao se permitirem entrar em transe, geraram reforçadores que são valiosos para o observador (aprendizagem vicária) ou a existência de um repertório de exposição a situações novas. Todos estes elementos tornam o organismo mais sensível às sugestões hipnóticas, aumentando as chances dele responder sob controle das instruções dadas pelo hipnotizador.
Na prática, pouco importa se a pessoa se diz crédula ou cética em relação à hipnose (Cangas, 1998). É importante apenas que ela não se recuse (publica ou privadamente) a participar (Adler, 2010), o que pode acontecer em função de regras preconceituosas, história de pareamento do transe a estimulação aversiva ou observação de situações de hipnose em que os participantes são expostos a contingências aversivas.
O autor destaca também a importância de a pessoa ser uma boa seguidora de instruções para que a hipnose obtenha sucesso. Por se tratar de uma situação social em que um hipnotizador emite uma série de mandos (sugestões) aos quais o hipnotizando deve responder para entrar em transe, uma história prévia de reforço por seguir instruções favorece muito o sucesso da indução (Cangas, 1998).
Um último aspecto citado por Cangas (1998) como fator que predispõe alguém à hipnose diz respeito à falta de conhecimento sobre fenômeno. Em geral as pessoas possuem uma ideia muito vaga do que seja hipnose, o que permite ao hipnotizador utilizar diversos truques que aumentam seu controle sobre o comportamento do hipnotizando e da platéia. Em termos comportamentais, estes truques exercem função de autoclíticos [1]. Um exemplo deles pode ser visto na “Ponte Cataléptica”:
Apesar de impressionante, é apenas um truque que pode ser feito sem qualquer tipo de indução ao transe ou sugestão hipnótica. Já testei diversas vezes, com diversas pessoas diferentes e o resultado foi sempre o mesmo. Observem que os ombros das assistentes de palco estão apoiados nas cadeiras, assim como o início das pernas.
Outro truque muito usado é a “Cadeirinha”. Veja no vídeo abaixo:
Para fazer a cadeirinha basta que todos os participantes executem o movimento de maneira simultânea e posicionem os dedos no lugar correto. Assim como no primeiro exemplo, não há necessidade de qualquer tipo de sugestão hipnótica para que o truque funcione.
Estes são apenas alguns exemplos dos diversos truques empregados pelos hipnotizadores para aumentar seu controle sobre o comportamento do hipnotizando e do público, e que só funcionam porque os últimos desconhecem as reais possibilidades da hipnose. Nos próximos textos desmistificarei outras técnicas empregadas, descrevendo-as em termos comportamentais ou explicando a lógica por trás de seu funcionamento. Não deixem de acompanhar.
NOTA
[1] Conforme explicam Santos, Santos e Marchezini-Cunha (2012), autoclíticos tem a função de aumentar a precisão do controle do falante sobre o comportamento do ouvinte. Eles podem aparecer também em forma de expressões como sorrisos sedutores, gestos com as mãos, entre outros. Em uma análise macro, como um truque que exerce esta mesma função.
REFERÊNCIAS
Adler, S. P. (2010). Hipnose Ericksoniana: Estratégias para a Comunicação Efetiva. Rio de Janeiro: Qualitymark.
Bauer, S. M. F. (2010). Hipnoterapia Ericksoniana Passo a Passo. Campinas: Psy.
Cangas, A. J. D. (1998). Análisis Conductal del Comportamiento Hipnótico. Acta Comportamentalia, 6, 61-70.
Santos, G. M.; Santos, M. R. M.; Marchezini-Cunha, V. (2012). Operantes Verbais. In Borges, N.B.; Cassas, F. A. Clínica Analítico-Comportamental: aspectos teóricos e práticos. Porto Alegre: Artmed.
Skinner, B. F. (1974). Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix.
Skinner, B. F. (1957) Verbal Behavior. New York: Appleton Century Crofts