Quando o cliente “fala”, mas não “faz”

Autores: Naiara Costa e Luis Antonio Lovo Martins
Instituto Innove
É comum terapeutas vivenciarem em sua atuação clínica, situações em que o cliente analisa um dilema presente em sua vida e descreve, em sessão, os comportamentos que poderiam ser apresentados diante aquela condição, incluindo até mesmo dimensões importantes como a topografia, a frequência e a intensidade da resposta descrita. Entretanto, em algumas situações problema, os comportamentos apresentados pelo cliente são diferentes daqueles descritos e, portanto, as consequências obtidas também.

Ao observar a não correlação entre o dizer (respostas verbais) e o fazer (respostas não verbais) apresentado pelo cliente, cabe ao terapeuta identificar quais variáveis estão impedindo a produção desta correspondência para que a construção da análise funcional seja adequada e, assim, sua intervenção eficaz.

É objetivo do presente texto, pontuar a correlação entre o comportamento verbal e não verbal do cliente como parte importante da análise funcional do terapeuta. A análise das contingências não verbais que envolvem a queixa do cliente é fundamental para o terapeuta identificar e manejar as variáveis que dificultam o cliente a se comportar da mesma forma como ele analisa e descreve seu comportamento dentro do setting clinico.

Para tanto, recorreu-se ao trabalho realizado por Matthews, Catania e Shimoff (1985)1, o qual procurou demonstrar em laboratório, o efeito do comportamento verbal sobre o não verbal. Neste experimento o participante era exposto a duas contingências, sendo elas:

1) Contingência não verbal: para o ganho de pontos, o participante deveria emitir respostas de cliques rápidos no botão sinalizado na tela do computador;

2) Contingência verbal: para o ganho de pontos, quando solicitado a descrever quais respostas emitia diante do botão sinalizado na tela do computador, o participante deveria dizer o contrário do que fazia na contingência não verbal, isto é, respostas de cliques vagarosas no botão sinalizado.

Foi observado que a modelagem de uma resposta verbal contrária à contingência não verbal alterava o desempenho dos participantes. Estes passavam a clicar vagarosamente no botão sinalizado, ainda que esta resposta não produzisse o ganho de pontos, pois não era compatível com a contingência não verbal estabelecida e sim com outra contingência, a verbal.

A partir disso, poderíamos nos perguntar por que com alguns clientes, mesmo após o terapeuta consequenciar uma resposta verbal (ex.“falar dos seus sentimentos é realmente importante”) contrária às contingências não verbais (ex.“cliente se cala e se omite”), não se observa o efeito descrito pelos autores acima (ex.“cliente passar a falar de seus sentimentos”)? (esquiva; sentimentos ruins evocados pelo assunto são apenas algumas possibilidades)

Torgrud e Holborn2 (1990) avançaram no entendimento desta condição demonstrando que o efeito da modelagem verbal sobre o não verbal depende da condição não verbal a que a pessoa está inserida. Quando a contingência não verbal é complexa e indiscriminada (condição em que o sujeito não sabe como se comportar para receber a consequencia reforçadora disponível na contingência), o verbal apresentado e modelado pelo terapeuta tem maior probabilidade de alterar o comportamento não verbal do cliente.

Desta forma, se o cliente vivencia uma contingência complexa e nova em sua vida (ex. inicia um namoro), pode haver maior probabilidade da modelagem verbal realizada no setting clínico (“é importante você falar dos seus sentimentos”) influenciar no comportamento não verbal (“cliente falar de seus sentimentos para a namorada”).

Entretanto, quando o efeito da contingência não verbal selecionou um dado padrão comportamental (ex.“cliente evita desagradar o outro”), Torgrud e Holborn2 (1990) apontaram que o comportamento verbal e não verbal podem tornar-se classes distintas. O cliente responde verbalmente sob controle das consequências ofertadas pelo terapeuta e responde às contingências não verbais, do ambiente extra consultório, sob controle das consequências que aquele contexto fornece, criando assim a distinção entre o dizer e o fazer.

Diante disso, faz-se necessário que o terapeuta analise o controle de estímulos que envolvem as condições responsáveis por produzir a não correlação entre o dizer e fazer. Para esta questão, recomenda-se a leitura do artigo de Meyer3 (2000) “Mudamos, em terapia verbal, o controle de estímulos?”, no qual a autora trará a descrição de como os processos comportamentais manejados dentro da sessão afetam as contingências estabelecidas no ambiente extra consultório.

1. Matthews, B. A., Catania, A. C., & Shimoff, E. (1985). Effects of uninstructed verbal behavior on nonverbal responding: Contingency descriptions versus performance descriptions. Journal of the Experimental Analysis of Behavior. Vol. 43, pp. 155-164.

2. Torgrud, L. J.; Holborn, S.W. (1990). The effects of verbal performance descriptions on nonverbal operant responding. Journal of the Experimental Analysis of Behavior. Vol. 54; pp 273-291.

3. Meyer, S. B (2000). Mudamos, em terapia verbal, o controle de estímulos? Acta comportamentalia. Vol.8, N. 2, pp. 215-225.

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Escrito por Portal Comporte-se

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