Levar em consideração as variáveis motivacionais e as operações estabelecedoras (OEs) na hora de falar das causas de um determinado comportamento pode levar-nos a uma compreensão mais fidedigna das variáveis que estão em jogo nas contingências de reforçamento em que o sujeito está inserido (Moore, 2013); como salienta Miguel (2000), a relação entre os termos da contingência tríplice não é efetiva caso a OE não esteja em efeito, se levarmos em conta que o valor de um estímulo reforçador depende da OE.
Moore (2013) aponta que Jack Michael, em seu texto Motivative Operations de 1993, define uma variável motivadora como um evento, operação ambiental ou uma condição de estímulo que, de alguma maneira, afeta o organismo de duas formas, como corrobora Miguel (2000): a primeira, aumentando a efetividade do reforçador; a segunda, aumentando a frequência de todas as respostas que foram fortalecidas por tal reforçador.
Que a apresentação de uma consequência reforçadora logo depois da ocorrência de uma resposta aumenta sua probabilidade de ocorrência não é novidade (Skinner, 1938; 1953; 1969; 1974; Catania, 1999). No entanto, Skinner (1957), no Verbal Behavior, aponta, num tópico especial chamado “Motivação e Emoção” que, além do reforçamento, existe outra forma de deixar uma resposta mais provável ou não de ocorrer: utilizando, por exemplo, os princípios de privação e saciação. O que seria, de acordo com as definições de Hall e Sundberg (1987), Catania (1999), Miguel (2000) e Carbone (2013), a alteração de OEs.
No entanto, entre o que buscamos saber no presente texto está a relação das variáveis motivacionais com a ocorrência do comportamento verbal. O operante verbal que demonstra mais explicitamente uma relação com OEs é, por definição, o mando. Skinner (1957) define o mando como um operante verbal que especifica seu reforçamento, de modo que é reforçado por uma consequência característica e que está sob controle funcional de uma condição antecedente de privação ou de estimulação aversiva.
Uma criança que esteja colorindo o desenho de uma árvore, por exemplo, pode precisar de um lápis de cor verde e podemos alterar a probabilidade de frequência do pedir por tal lápis se escondermos ou colocarmos num lugar onde a criança apenas veja, mas não alcance, de início, esse instrumento: “não tem lápis verde?” ou “você poderia pegar o lápis verde para mim?” poderiam ser mandos coerentes com o arranjo de OEs onde o lápis verde não esteja disponível ou inalcançável. Por outro lado, se quisermos fazer com que nenhum pedido com relação a esse lápis seja feito, podemos disponibilizar vários lápis verdes, em tonalidades diversas.
Inclusive, segundo Carbone (2013), vários estudos foram realizados apontando o uso de OEs no ensino de mandos para crianças regulares e com autismo e para crianças pré-escolares e com autismo (por exemplo, Endicott & Higbee, 2007; Shillingsburg & Valentino, 2011), além dos estudos que mostraram ser possível ensinar mandos pela alteração de OEs a adultos com déficits de desenvolvimento (exemplificados com Rosales & Rehfeldt, 2007).
Desse modo, é comprovável a maneira como as OEs poder influenciar a ocorrência de um mando. Porém, com relação aos outros operantes verbais, a influência pode não ser muito clara, até pelo controle antecedente que Skinner (1957) aponta no Verbal Behavior. Pesquisas extensas devem ser feitas para que tal ideia seja comprovada, embora Carbone (2013) aponte que as OEs são usadas como variáveis independentes no ensino inicial dos operantes ecoico, textual e intraverbal.
Com relação à causalidade do comportamento verbal pelo próprio comportamento verbal, Skinner (1957) oferece bons exemplos com relação ao comportamento textual servindo como ocasião antecedente para a aquisição de repertórios intraverbais e de tato. Um dicionário ilustrado, por exemplo, faz com que uma criança nomeie ou descreva um determinado objeto que se assemelhe à figura caso ela tenha lido a palavra que corresponda ao estímulo ilustrativo. Além disso, um dicionário não ilustrado pode dar origem a repertórios intraverbais, uma vez que a definição escrita que se procura não possui uma correspondência ponto a ponto com a palavra que a designa.
Embora Skinner (1957) tenha apontado que os operantes verbais poderiam ser funcionalmente independentes uns dos outros, um estudo feito por Finn, Miguel e Ahearn (2012) com crianças com autismo mostra que pode haver uma interdependência entre mandos e tatos, embora somente 3 de 4 participantes mostraram tal transferência da aquisição de mandos para tatos, podendo evidenciar a influência de um operante verbal sobre outro em condições específicas.
No entanto, Hübner, Austin e Miguel (2008) apontam que o comportamento verbal pode ser a ocasião para que um indivíduo se engaje num comportamento em particular. Nesse estudo, os autores apontam os efeitos do comportamento verbal autoclítico sobre a frequência do comportamento de leitura em crianças brasileiras entre 9 e 10 anos que não possuíam o hábito de ler.
Nessa mesma pesquisa, Hübner et al apontam que os seres humanos aprendem a descrever seus comportamentos (em outras palavras, aprendem a tatear o próprio comportamento) e a se comportar de acordo com suas próprias descrições. Também afirmam que após exposições a essas contingências, uma relação de mão dupla pode ser estabelecida entre o comportamento verbal e não verbal, em que um exerce certo controle sobre o outro.
Uma pessoa que vai descrevendo seu comportamento enquanto monta um aparelho eletrônico, por exemplo, pode influenciar suas respostas não verbais a ponto de tornar a montagem menos complexa; e também, por meio das respostas verbais de descrição, influenciar a montagem de um objeto similar numa ocasião posterior sem que haja a necessidade de verbalizações em voz alta.
Por meio desses estudos e desses breves comentários, podemos concluir que o comportamento verbal pode ser controlado tanto por operações estabelecedoras, pelo próprio comportamento verbal em suas distintas relações como também pelo comportamento não verbal, numa via de mão dupla, em que um pode vir a influenciar o outro. Tais discussões são pertinentes àqueles que se interessam pelo estudo do comportamento verbal, embora depois de mais de 50 anos desde a publicação do Verbal Behaviorpesquisas ainda se fazem necessárias.
Referências
Catania, A. C. (1999) Aprendizagem: Comportamento, Linguagem e Cognição. Porto Alegre: Artmed.
Carbone, V. J. (2013) The Establishing Operation and Teaching Verbal Behavior. The Analysis of Verbal Behavior, v. 29, pp. 45-49.
Finn, H. E.; Miguel, C. F.; Ahearn, W. H. (2012) The Emergence of Untrained Mands and Tacts in Children with Autism. Journal of Applied Behavior Analysis. v. 45, n. 2, pp. 265-280.
Hall, G.; Sundberg, M. L. (1987) Teaching Mands by Manipulating Conditioned Establishing Operations. The Analysis of Verbal Behavior, v. 5, pp. 41-53.
Hübner, M. M. C.; Austin, J.; Miguel, C. F. (2008) The Effects of Praising Qualifying Autoclitics on the Frequency of Reading. The Analysis of Verbal Behavior, v. 24, pp. 55-62.
Miguel, C. F. (2000) O Conceito de Operação Estabelecedora na Análise do Comportamento. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 16, n. 3, pp. 259-267.
Moore, J. (2013) Comments on Michael (1993): Establishing Operations. The Analysis of Verbal Behavior, v. 29, pp. 41-44.
Skinner, B. F. (1938/1991) The Behavior Of Organisms. B. F. Skinner Foundation, Copley Publishing Group.
Skinner, B. F. (1953) Science and Human Behavior. New York: Free Press.
Skinner, B. F. (1957/1992) Verbal Behavior. B. F. Skinner Foundation, Copley Publishing Group.
Skinner, B. F. (1969) Contingencies Of Reinforcement – A Theoretical Analysis. New York: Appleton-Century-Crofts.
Skinner, B. F. (1974) About Behaviorism. New York: Vintage Books.
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