“Você me diz que seus pais não o entendem, mas você não entende seus pais.” — Legião Urbana, Pais e Filhos
A psicanálise se dedicou a descrever as relações familiares de forma muito interessante, observando o desenvolvimento infantil e a comum paixão das crianças — especialmente na primeira infância — por seus pais (FREUD, 1923). Também descreveu o conflito entre filhos adultos e seus pais, considerando que esse conflito seria motivado pela autoridade dos pais e pela busca de identidade dos filhos (FREUD, 1930), contribuindo de forma inovadora na descrição dos conflitos familiares.
Durante minha graduação, ouvi várias vezes que a Análise do Comportamento (AC) não ofereceria a mesma “profundidade” de análise. Discordo e proponho, neste texto, explanar um pouco sobre esse fenômeno familiar.
Na atuação clínica, o psicólogo eventualmente se depara com relatos de raiva, rancor e angústia em relação às figuras paternas, frequentemente acrescidos de uma justificativa: “MAS eu amo meu pai/minha mãe”. Também podem surgir descrições de conflitos sobre os próprios sentimentos, com expressões verbais como: “eu não deveria sentir isso em relação ao meu pai/minha mãe”. Se o terapeuta trabalha com a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), provavelmente introduzirá, durante a psicoterapia, o “E” no lugar do “MAS”, oferecendo uma visão de abertura (aceitação) aos sentimentos e proporcionando a vivência do desconforto emocional de forma segura, sem julgamentos.
Além disso, existe uma crença cultural sobre como devem se comportar mães, pais e filhos. Os comportamentos não são completamente individuais, pois são influenciados pelas metacontingências (GLENN, 1986). Lidar com a expectativa cultural pode gerar estresse, esgotamento e conflitos pessoais sobre o que acreditamos ser, bem como sobre o significado que damos às palavras e às relações (HAYES, 1999). Embora possa parecer um problema pequeno quando definido em poucas linhas, é importante lembrar que os comportamentos não ocorrem de forma isolada, como quando analisamos didaticamente um comportamento operante; a vida se dá em um contínuo.
Se considerarmos que uma criança está em desenvolvimento e que seu aprendizado verbal passará por muitas mudanças, é possível também levar em conta que, ao chegar à vida adulta, essa criança terá enfrentado diversas consequências para cada comportamento adquirido ou extinto. Durante a infância, amor, realização, felicidade e tristeza tinham significados simples, mas com o tempo essa gama de significados foi se ampliando, e o que antes era uma certeza agora se transforma em um emaranhado de sentimentos, sensações e expectativas. Ao longo do tempo, essa seleção torna-se cada vez mais complexa, e os significados podem se tornar muito mais amplos ou rígidos, dependendo da vivência de cada indivíduo.
Enquanto crianças, muitas vezes as expectativas são simplistas: comer, dormir, receber carinho — comportamentos que estão de acordo com o desenvolvimento humano esperado para a idade. Na vida adulta, e até um pouco antes dela, passamos a nos questionar sobre o que são expectativas, se são certas ou erradas, grandes ou pequenas, se deveríamos tê-las ou não — o que também corresponde ao desenvolvimento neurológico esperado.
Provavelmente você já observou alguém relembrando momentos muito divertidos da infância — pular de um lugar alto, subir em uma árvore, fazer tirolesa — e, atualmente, na vida adulta, considerar esses comportamentos arriscados e, apesar de ter se divertido muito no passado, não desejar repeti-los. Isso ocorre porque hoje essas condições e palavras já não têm os mesmos significados, e, provavelmente, a pessoa ampliou muito seu repertório de consequências negativas para essa mesma exposição.
Da mesma forma, a interpretação de uma criança sobre os pais é única; durante muito tempo, os pais podem ser as pessoas preferidas daquela criança, o que condiz ao desenvolvimento infantil e responde à seleção natural. É esperado que, na vida adulta, a amplitude de significados atribuídos aos pais seja maior.
Uma pessoa pode ter mais de um sentimento sobre o mesmo estímulo:
“A mesma contingência pode resultar em diferentes emoções e sentimentos em diferentes indivíduos ou até no mesmo indivíduo em diferentes momentos, dependendo de suas histórias de reforçamento e punição.” (SKINNER, 1953, p. 37).
Enquanto ocorre essa interpretação infantil a respeito dos pais, os pais também desenvolvem expectativas a respeito da paternidade, com base nas informações culturais, sociais e pessoais que absorveram sobre esses papéis e sobre o filho que estão gerando. Para os pais, as frustrações podem começar no momento em que descobrem o processo gestacional; ao mesmo tempo, nesse momento, podem começar os reforçamentos culturais e afetivos.
A criança que vê os pais como suas pessoas preferidas no mundo também pode ser o adulto que enfrenta críticas ou dificuldades de relacionamento com eles. A questão principal talvez não seja a dificuldade de relacionamento em si, mas a forma como desejamos lidar com isso e a pessoa que almejamos ser a partir disso, de acordo com nossos valores nessa relação.
Com frequência, utilizando a ACT como meu norteador clínico, conduzo meus pacientes a algumas perguntas:
Como você gostaria que seus pais fossem?
Como é para você o fato de eles não serem como você deseja?
Como você acha que eles gostariam que você fosse?
Você se sente amado mesmo não atendendo às expectativas deles?
Você os ama dessa forma?
Para todas essas perguntas existe um contexto clínico e uma interpretação terapêutica. Aqui trago apenas uma possibilidade de análise clínica e uma das possibilidades interpretativas dentro da Análise do Comportamento. É importante lembrar que nenhuma análise psicológica é cristalizada e que não pode ser generalizada ou esgotada.
Muitas vezes, as respostas às perguntas que trouxe podem não se esgotar. Elas podem ser reformuladas. Um dos objetivos é descobrir e questionar os significados e o peso que atribuímos a eles.
Referências
FREUD, S. O mal-estar na civilização. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. (original de 1930).
FREUD, S. O ego e o id. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. (original de 1923).
GLENN, S. S. Metacontingencies in the Analysis of Cultural Practices. 1986.
HAYES, S. C.; STROSAHL, K. D.; WILSON, K. G. Acceptance and Commitment Therapy: An Experiential Approach to Behavior Change. New York: Guilford Press, 1999.
SKINNER, B. F. Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1953.