A maioria de nós já teve algum contato com Teorias da Conspiração. Elas são presença garantida em muitos filmes e séries americanas e desde tempos imemoriais são temas discutidos nas rodas de conversa entre amigos de várias partes do mundo. Elas mobilizam emoções, alimentam fantasias e unem grupos enormes de pessoas em movimentos voltados à luta contra algum indivíduo ou organização descrito como “o conspirador” pelas narrativas contadas. Entre as mais famosas teorias do tipo, estão aquelas sobre os Illuminati, as várias histórias sobre a maçonaria, sobre os ataques de 11 de setembro, sobre o homem não ter realmente pisado na lua ou sobre o terraplanismo, para citar apenas alguns exemplos.
Enquanto estas histórias estão apenas nas rodinhas de amigos no interior do país, podem ser inofensivas (com exceções, como as antivacina ou teorias que rotulam um grupo inocente como ameaçador). Mas quando se espalham rapidamente pelas redes sociais e, pior, orientam tomadas de decisão políticas, econômicas e de saúde, podem conduzir a verdadeiras tragédias, a guerras e a todo tipo de problema.
Diante da importância do tema, convidamos o Psicólogo britânico Dr Daniel Jolley, professor sênior de Psicologia na Northumbria University, Newcastle, para falar do assunto. Ele é considerado um dos principais pesquisadores de Teorias da Conspiração na atualidade. Além de coordenar o Conspiracy Lab, laboratório dedicado à pesquisa do tema na Universidade de Nortumbia, já publicou diversos livros e artigos sobre o assunto. Confira, abaixo, a tradução gentilmente feita pela analista do comportamento Ingredy Ribeiro Buss, de Londrina/PR e, abaixo dela, a versão original em inglês.
Daniel é psicólogo certificado e professor sênior da Northumbria University . Antes deste cargo, Daniel ocupou cargos acadêmicos na Universidade de Staffordshire como professor de psicologia (2015-2017), seguido de uma promoção para professor sênior de psicologia social (2017-2019). Já foi pesquisador associado na Universidade de Lancaster (2014 – 2015). É doutor em Psicologia Social pela Universidade de Kent (2015). Seu doutorado teve como objetivo examinar e tentar abordar as consequências psicológicas sociais das teorias da conspiração, sob a supervisão da professora Karen Douglas.Daniel atua em dois comitês nacionais: a Seção de Psicologia Social da BPS como Exmo. Secretário e Conselho de Pesquisa da BPS como Representante de Início de Carreira. Ele também é membro ativo de uma rede interdisciplinar de COST, a Análise Comparativa das Teorias da Conspiração .
ESEQUIAS: Em um mundo com tanta informação disponível em muitos diferentes canais de comunicação, como podemos reconhecer uma teoria da conspiração?
DANIEL: Cada evento significativo, político ou social, é acompanhado por uma teoria da conspiração. Portanto, um ingrediente importante é que grandes eventos – como a COVID-19 – vai desenhar narrativas conspiratórias. Teorias da conspiração propõem que um poderoso grupo secreto está encobrindo algo por motivos próprios. O contexto (i.e., grande evento) e o grupo culpado pelo evento (i.e., o governo) pode sugerir que isso, pelo menos teoricamente, poderia ser definido como uma teoria da conspiração. Neste ponto, devemos ser críticos desta informação (como somos com qualquer informação) e estarmos conscientes de nossos vieses. Por exemplo: se uma postagem for compartilhada no Twitter, é importante parar em pensar antes de compartilhar: estou compartilhando porque é verdadeiro ou apenas porque está de acordo com minhas principais crenças sobre o mundo?
ESEQUIAS: O que faz as pessoas acreditarem ou defenderem, as vezes de forma apaixonada, uma teoria da conspiração? Por que as pessoas acreditam e defendem-nas?
DANIEL: Em essência, teorias da conspiração frequentemente oferecem uma resposta simples a um problema complexo – elas culpam um grupo de conspiradores por um problema na sociedade. Esta explicação pode ser muito atraente, já que pode fornecer uma resposta rápida para o problema, ainda mais em tempos de “crise”. A resposta “oficial” nem sempre atende a esta necessidade – de fato, a resposta “oficial” é normalmente mais complexa e frequentemente fornecida pelo “governo”, que é um grupo que algumas pessoas não consideram merecedor de confiança. Elas preferem focar em explicações fornecidas pelos “mais desfavorecidos”.
Além do mais, teorias da conspiração apelam para uma gama de necessidades psicológicas. Por exemplo, para obter uma compreensão acurada e consistente do mundo; para se sentir seguro e no controle e para ter uma autoimagem positiva. Teorias da conspiração foram relacionadas com variáveis como sentimentos de incerteza e à tendência de buscar padrões, quando um individuo está ansioso ou se sentindo impotente ou quando as pessoas participam de processos políticos, indiscutivelmente motivadas a defender ou restaurar seu senso de autoestima ou sentimento de valor de grupo. Existe, portanto, um corpo crescente de literatura destacando a necessidade psicológica que parece dirigir a crença conspiratória.
ESEQUIAS: Quais impactos as teorias conspiratórias e as pessoas que as defendem podem ter no comportamento da sociedade, especificamente em tempos como este em que encaramos uma pandemia?
DANIEL: As teorias conspiratórias podem parecer atraentes, mas pesquisas mostraram que elas podem não satisfazer ou necessidades psicológicas. Crenças conspiratórias podem influenciar os cidadãos de diferentes formas. Por exemplo, crenças conspiratórias podem levar a um menor engajamento na política ou em comportamentos ecologicamente favoráveis, reduzindo também as intenções de vacinação e aumentando a probabilidade de engajamento em crimes cotidianos. Além do mais, elas podem alimentar conflitos e preconceitos entre grupos que podem até serem generalizados para outros grupos que não estão envolvidos nas supostas conspirações. Em essência, aqueles com acentuadas crenças conspiratórias não querem seguir conselhos médicos e preferem alternativos. No contexto da COVID-19, isso pode significar que um individuo que guarda uma crença conspiratória pode ter menos chances de seguir orientações do governo e mais disposto a aceitar tratamentos alternativos (como o uso de alvejantes).
ESEQUIAS: Pessoas que defendem teorias da conspiração geralmente são imunes a evidências contrárias às que elas acreditam. Sabendo disso, quais alternativas existem para lidar com pessoas que defendem Teorias da Conspiração, com as próprias teorias e com os impactos que elas produzem?
DANIEL: Foi demonstrado que o viés de confirmação desempenha um papel nas teorias da conspiração: indivíduos que relatam crenças conspiratórias acentuadas tendem a aceitar mais as evidências em favor de suas crenças e buscam desacreditar as evidências que se opõem a elas. Assim, embora saibamos que contra-argumentos às teorias da conspiração podem ser eficazes na redução da crença nas teorias da conspiração, isso pode não funcionar para aqueles que se apegam a crenças da conspiração. Outra tática pode ser que um “mensageiro de confiança” procure envolver essa pessoa em suas crenças, por onde afirmem seus valores em torno do pensamento crítico. Esta reafirmação dos valores pode então ser direcionada a eles prestarem mais atenção às evidências que estão utilizando para embasar suas crenças. Esta é apenas uma possibilidade.
ESEQUIAS: Como as pesquisas sobre Teorias da Conspiração são feitas? Você poderia falar um pouco sobre o trabalho feito no laboratório de conspiração também?
DANIEL: Na psicologia, duas abordagens são utilizadas. A primeira é quantitativa (números) e a segunda é qualitativa (baseada em texto). Elas podem ser explicada como se segue:
Na literatura psicológica (quantitativa) até hoje, existem dois modos populares de medir crenças conspiratórias: 1. Medir as crenças em teorias conspiratórias especificas (e.g., houve uma campanha oficial da MI6 para assassinar a Princesa Diana, sancionada por elementos do sistema). 2. Medir a tendência geral em direção à teorização da conspiração (por exemplo, muitas informações importantes são deliberadamente ocultadas do público por interesse próprio).
Na literatura psicológica (qualitativa) até o momento, expressões de crenças também podem ser coletadas ao medir o discurso. Por exemplo, Wood e Douglas (2013) pesquisaram comentários on-line feitos por pessoas que acreditam e desacreditam as teorias da conspiração sobre o 11 de setembro em um fórum da Internet. Outros usaram análise baseada em texto. Essa metodologia analisa a frequência de palavras individuais que foram categorizadas por avaliadores especialistas (por exemplo, como palavras de emoção, palavras analíticas, como indicativas de autenticidade).
ESEQUIAS: Quais sugestões você poderia dar às pessoas que desejam se aprofundar no assunto?
DANIEL: Existem alguns livros incríveis por ai (sem ordem específica):
O livro abaixo é interdisciplinar e traz uma variedade de estudos diferentes:
Em conjunto com alguns designers, criei e disponibilizei no youtube um infográfico, com narração, onde falo mais sobre o assunto:
Também há uma série de artigos em um site dedicado ao estudo das teorias da conspiração, que eu recomendo totalmente. Você pode acessar clicando aqui.
VERSÃO ORIGINAL EM INGLÊS DA ENTREVISTA
ESEQUIAS: In a world with so much information available on several different communication channels, how can we recognize a conspiracy theory?
DANIEL: Every significant social and political event has an accompanying conspiracy theory – thus, one important ingredient is that large events – such as COVID-19) – will draw in conspiracy narratives. Conspiracy theories also propose that a secret powerful group is covering up something for their motives. The context (i.e., large event) and group blamed for the event (e.g., governments) can suggest that this, at least conceptually, could be defined as a conspiracy theory. At this point, we must be critical of that information (as we are of any information), and that we are aware of our biases. For example, if a post is shared on Twitter, it is important to stop and think before sharing: am I sharing because it is true, or just because it meets my prior beliefs about the world?
ESEQUIAS: What makes people believe and defend, sometimes in a passionate way, a conspiracy theory? Why do people believe and defend them?
DANIEL: In essence, conspiracy theories often provide a simple answer to a complex problem – it blames a group of conspirators for a problem in society. This explanation can be very appealing, as it can provide a quick answer to the problem, even more so when in a time of ‘crisis’. The “official” answer does not always meet this need – indeed, the “official” answer is usually more complex and often provided by the “government”, which is a group that some people do not find to be trustworthy. They would prefer to focus on explanations that are provided by the “underdog”.
Moreover, conspiracy theories appeal to a range of psychological needs. For example, to gain an accurate and consistent understanding of the world; to feel secure and in control, and to have a positive self-image. Conspiracy theories have been linked with variables such as feelings of uncertainty and the tendency to search for patterns, when an individual is anxious or feeling powerless, or when people are ‘in of political processes, who are arguably motivated to defend or restore their sense of self-esteem or feeling of group worth. There is, therefore, a growing body of literature highlighting the psychological needs that appear to drive conspiracy belief.
ESEQUIAS: What impacts can conspiracy theories and the people who defend them have on society’s behavior, especially at times like this when we face a pandemic?
DANIEL: Conspiracy theories may seem appealing, but research has shown that they may not satisfy or psychological needs. Conspiracy beliefs can influence citizens in significant ways. For example, conspiracy beliefs can lead to the reduced engagement with politics and climate-friendly behaviour, whilst also reducing vaccination intentions and increase the likelihood to engage in everyday crimes. Furthermore, they can fuel intergroup conflict and prejudice, which can even generalize to other groups who are not involved in the alleged conspiracies. In essence, those with heightened conspiracy beliefs do not want to follow medical advice, and instead, favour alternatives. In the context of COVID-19, this could mean that an individual harbouring a conspiracy belief may be less likely to follow government advice, and be more willing to accept alternative treatments (such as the use of bleach).
ESEQUIAS: People who defend conspiracy theories are generally immune to evidence to the contrary of what they believe. Knowing this, what alternatives are there to deal with people who defend Conspiracy Theories, with the theories themselves and with the impacts they produce?
DANIEL: confirmation bias has been shown to play a role with conspiracy theories: individuals who report heightened conspiracy beliefs are more accepting of evidence that supports their belief and seeks to discredit evidence that opposes it. Thus, whilst we know that counterarguments to conspiracy theories can be effective in reducing belief in conspiracy theories, this may not work for those who harbouring conspiracy beliefs. Another tactic could be that a “trusted messenger” seeks to engage this person on their beliefs, whereby they affirm their values around critical thinking. This reaffirming of the values can then be directed to them paying closer attention to the evidence that they are using to support their beliefs. This is just one possibility.
ESEQUIAS: How is Conspiracy Theory research done? Could you talk a little about the work they do in the conspiracy lab as well?
DANIEL: In Psychology, two approaches are taken; first quantitative (numbers) and the second qualitative (text-based). They can be explained as follow:
In the (quantitative) psychological literature to date, there are two popular ways to measure conspiracy beliefs: 1. Measuring belief in specific conspiracy theories (e.g., There was an official campaign by MI6 to assassinate Princess Diana, sanctioned by elements of the establishment). 2. Measuring general tendency towards conspiracy theorising (e.g., A lot of important information is deliberately concealed from the public out of self‐interest).
In the (qualitative) psychological literature to date, expressions of belief can also be captured by measuring discourse. For example, Wood and Douglas (2013) surveyed online comments made by people who both believe and disbelieve conspiracy theories about 9/11 on an internet forum. Others have used text‐based analysis. This methodology analyzes the frequency of individual words that have been categorized by expert raters (e.g., as emotion words, analytic words, as indicative of authenticity).
ESEQUIAS: What suggestions could you offer to people who wish to go deeper into the subject?
There are some awesome books out there, in no particular order.
O livro abaixo é interdisciplinar e traz uma variedade de estudos diferentes:
As a self-plug, with some designers, we designed an engaging infographic that I made available on Youtube with a narration:
There is also a range of articles on a website dedicated to the study of conspiracy theories, which I’d recommend fully. Click Here.