Resiliência nossa de cada dia, de palavra da moda a construto complexo

            O termo resiliência tem ganhado destaque dentro da Psicologia e, especialmente, no meio corporativo. Estratégias de autoajuda para ser ou tornar-se resiliente não faltam nas livrarias. Esse fenômeno de aumento da resiliência como estratégia individual parte de alguns conceitos equivocados sobre o termo, bem como de ideias individualizantes sobre o construto.

            A resiliência foi entendida por parte da Psicologia como uma capacidade de superar adversidades. Obviamente, uma definição abrangente e vaga era de pouco auxílio científico e prático. Pesquisadoras como Masten e Cicchetti começaram a fornecer dados e visões mais complexas sobre a resiliência. Em especial, as novas visões sobre resiliência começaram a abarcar as características individuais, sociais e culturais para uma adaptação frente a situações adversas (Priolo-Filho & Rodrigues, 2018 para uma revisão dessa temática). Ou seja, as pesquisas atuais demonstram aspectos filogenéticos, ontogenéticos, e culturais como fundamentais para a compreensão do fenômeno da resiliência (Liebenberg & Joubert, 2019; Liu, Reed, & Girard, 2017). A chave definidora da resiliência passa a ser a capacidade de adaptação frente a situações adversas, contudo a compreensão das situações adversas e do que seria adaptação são variáveis definidas culturalmente (Liebenberg & Joubert, 2019).

            A mudança de compreensão da resiliência fez com que os aspectos contextuais ganhassem destaque. A importância da escola, coesão comunitária e do sistema de saúde fazem com que a promoção da resiliência comece a ser testada de maneira empírica em vários locais de atuação (Liebenberg & Joubert, 2019). Alguns autores, por exemplo, apontam que um aspecto fundamental da resiliência são as características naturais do ambiente, como o acesso à água limpa e potável (O link oferece discussões sobre essa temática https://youthresilience.net/resilience-equity-in-gender-health-and-water-conference-march-6-7-2020). Essa compreensão abrangente e que envolve não somente o comportamento do indivíduo, mas de toda a sociedade, transformou o entendimento sobre a resiliência.

            Alguns modelos teóricos propostos atualmente estão em discussão. Interessante notar que o foco dos modelos teóricos se apresenta de maneira distinta. Contudo, todos os novos modelos, como o de Liu et al. (2017) e o de Liebenberg e Joubert (2019) apresentam uma característica semelhante: a intersecção entre aspectos individuais, contextuais e sociais. Apesar de focos distintos-alguns modelos apresentam maior atenção para as características individuais, enquanto outros para as sociais- todos apresentam a característica holística da resiliência.

            A ideia difundida, no meio corporativo, de resiliência como uma capacidade de vencer todas as barreiras sociais e culturais apenas com o esforço individual não é condizente com as pesquisas científicas sobre o tema. Mais do que isso, essa visão busca culpabilizar o indivíduo considerado “não resiliente” como responsável pela sua “inadequação” frente as adversidades. Como apontado por Flett, Flett e Wekerle (2015), a adaptação possível nem sempre é a que evita consequências negativas. Portanto, os psicólogos devem considerar a melhor adaptação possível, verificando os recursos sociais e culturais disponíveis para aquele grupo ou indivíduo em situação adversa. Essa visão altamente difundida de que a resiliência deveria ser uma característica individual que trespassaria qualquer dificuldade posta visa evitar discussões aprofundadas sobre as razões e origens das adversidades.

            Em suma, a compreensão sobre os processos de resiliência ainda está em construção. Os aspectos fundamentais para todos os pesquisadores contemporâneos são as características de interação entre o indivíduo e o ambiente, a importância contextual da expressão da resiliência e as características culturais que definem quais seriam os comportamentos considerados adaptativos frente a adversidades. Esses aspectos demonstram a importância de maiores pesquisas da Análise do Comportamento pelo seu potencial teórico e aplicado para a investigação de origens, causas e possibilidades para um desenvolvimento pleno dos indivíduos.

Para saber mais:

Flett, G. L., Flett, A. L., & Wekerle, C. (2015). International Journal of Child and Youth Resilience A Conceptual Analysis of Interpersonal Resilience as a Key Resilience Domain : Understanding the Ability to Overcome Child Sexual Abuse and Other Adverse Interpersonal Contexts Abstract. International Journal of Child and Youth Resilience, 3(1), 4–33.

Liebenberg, L., & Joubert, N. (2019). International Journal of Child and Adolescent Resilience A Comprehensive Review of Core Resilience Elements and Indicators : Findings of Relevance to Children and Youth. International Journal of Child and Adolescent Resilience, 6(1), 8–18.

Liu, J. J. W., Reed, M., & Girard, T. A. (2017). Advancing resilience: An integrative, multi-system model of resilience. Personality and Individual Differences, 111, 111–118. https://doi.org/10.1016/j.paid.2017.02.007

Priolo-Filho, & Rodrigues, M. B. (2018). Resiliência e a promoção do desenvolvimento saudável na infância, adolescência e adultez : novas discussões dos conceitos psicológicos. Psicologia Argumento, 36(92), 1–12. https://doi.org/http://dx.doi.org/10.7213/psicolargum.36.92.23803

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Escrito por Sidnei R. Priolo Filho

Psicólogo, Mestre e Doutor em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos. Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Forense da Universidade Tuiuti do Paraná em Curitiba.

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