Você já parou para pensar no que faz com que vivamos melhor e mais? Aposto que a primeira situação que lhe vêm à mente se refere à prática de exercícios físicos, uma dieta balanceada, etc. Você está certo, ao menos parcialmente. De fato a prática de exercícios, dieta balanceada, abandono de hábitos que fazem mal à saúde (como o tabaco) são realmente importantes, no entanto, não são os únicos fatores que estão relacionados a uma vida de qualidade.
Gostaria de enfatizar nesse texto o papel dos relacionamentos sociais na nossa saúde. No entanto, provavelmente algumas perguntas ficarão ecoando para vocês, tais como, qual o papel dos relacionamentos na prática de saúde? Qual sua relevância? Como seria a vida sem tais relacionamentos? Podemos dizer que sua vida possivelmente seria de pouca qualidade.
Algumas pesquisas (Holt-Lunstad Smith, Baker, Harris & Stephenson, 2015; Holt-Lunstad, Smith & Layton, 2010; Pinquart & Sörensen, 2000) mostram que os relacionamentos sociais são de suma importância para a qualidade de vida. Em um primeiro momento parece até difícil de acreditar não é mesmo? Pois bem, é fato: pessoas com relacionamentos de qualidade, com apoio social, que mantém conexões íntimas sentem-se bem, têm maior índice de sobrevivência, vivem mais e melhor. O contrário também é verdadeiro: pessoas que têm relacionamentos de baixa qualidade ou menos apoio social vivem menos, isto é, têm maior taxa de mortalidade. É quase a mesma coisa que dizer que relacionamento produz vida. Com isso, outras perguntas voltam: com evidências claras da importância das pessoas nas nossas vidas, por que ainda temos tanta dificuldade de nos relacionarmos intimamente e criar laços profundos com outros? Obviamente só temos essa dificuldade de criar/manter relacionamentos íntimos porque já sofremos nos entregando ou vimos pessoas sofrendo nessa condição. Apesar disso, a relevância das relações de qualidade não deixam de ter o seu lugar, porém, aqui se apresenta um paradoxo: os relacionamentos sociais íntimos são muito importantes para a saúde, no entanto, os evitamos com medo de nos ferirmos. Então, como resolvemos esse dilema?
É aqui que entra o papel da Psicoterapia Analítica Funcional (FAP), estratégia terapêutica reconhecida como propícia para lidar com problemas interpessoais, dificuldades de relacionamento. O objetivo da FAP proposto por seus fundadores (Kohlenberg & Tsai, 1991/2004) é a criação de relações que sejam intensas, profundas, significativas e benéficas. Ora, se as pessoas têm dificuldades de relacionamento e se a FAP se propõe a promover relações de maior intimidade, fica fácil identificar como a FAP pode ser útil na promoção de qualidade de vida dos clientes.
A maioria dos clientes que procuram ajuda psicológica tem algum tipo de dificuldade interpessoal/queixa de relacionamento, tais como privação de afeto, dificuldade em iniciar/manter relações, dificuldade em tornar-se íntimo, etc. Ao mesmo tempo percebe-se que a falta de apoio social vem acompanhada de uma série de queixas de problemas físicos e psicológicos, como por exemplo, “em situações ‘x’, fico tão tenso que chego a ficar dolorido no dia seguinte” ou, “percebo que fico bem mais deprimido nos finais de semana que estou sozinho”. Ou seja, clientes com pouca rede de apoio parecem ter a saúde afetada de um jeito diferente daqueles que mantém relações sociais de qualidade. Tal constatação é corroborada pela literatura da área que afirma que pessoas empobrecidas socialmente têm um risco maior de mortalidade e que, portanto, solidão prevê morte (Holt-Lunstad et al., 2015). Considerando esse contexto, a FAP é fortemente indicada, já que se propõe a alterar justamente aquilo que pode proporcionar diminuição do risco de mortalidade e aumento no bem-estar social do cliente.
Mas, como o terapeuta FAP pode auxiliar seu cliente em sessão? Levando em conta o modelo ACL, das siglas em inglês Awareness (consciência), Courage (coragem) e Love (amor) (para informações sobre o assunto, ver o artigo FAP – o modelo ACL e a mudança de comportamentos na vida do cliente), o terapeuta pode:
• Consciência: 1) Ajudar o cliente a identificar a qualidade/quantidade das suas relações e as implicações delas para sua saúde.
• Coragem: 1) Criar condições para o cliente se engajar em comportamentos que envolvem a manutenção de apoio social, isto é, buscar e manter relações íntimas (o que seria um comportamento de melhora neste caso); 2) Vale destacar a importância do próprio terapeuta se questionar sobre seu repertório de intimidade, uma vez que ele deve estar atento para comportamentos que se aproximem do alvo (respostas de intimidade do cliente), bem como servir de modelo de tais respostas de intimidade.
• Amor: Reforçar comportamentos do cliente que estejam relacionados ao estabelecimento e manutenção de relações íntimas.
Assim, podemos pensar nas implicações do uso da FAP na saúde: à medida que o terapeuta ajuda o cliente a criar/aumentar a qualidade de suas relações íntimas, isso deve ter uma influência sobre sua saúde, diminuindo, assim, as chances de doenças físicas e emocionais. Por fim, cabe aqui uma última pergunta: enquanto terapeutas como podemos ser agentes de saúde? A resposta é, criando condições para relações interpessoais mais genuínas e íntimas (a FAP nos fornece condições para isso), as quais funcionarão como fatores protetivos para a saúde dos nossos clientes.
Referências
Holt-Lunstad, J., Smith, T. B., Baker, M., Harris, T. & Stephenson, D. (2015). Loneliness and social isolation as risk factors for mortality: a meta-analytic. Perspectives on psychological science. 10(2), 227-237.
Holt-Lunstad, J., Smith, T. B. & Layton, J. B. (2010). Social relationships and mortality risk: a meta-analytic review. PLoS Medicine, 7(7), 1-20.
Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (2004). Psicoterapia analítica functional: criando relações terapêuticas intensas e curativas (R. R. Kerbauy, Org.). Santo André, ESETec Editores Associados. (Trabalho original publicado em 1991)
Pinquart, M. & Sörensen, S. (2000). Influences of Socioeconomic Status, Social Network, and Competence on Subjective Well-Being in Later Life: A Meta-Analysis. Psychology and Aging, 15(2), 187-224.